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Defensoria Pública recomenda à PM rever abordagens para reduzir violência policial

Defensoria Pública quer o fim da prática discriminatória que os PMs adotam para pobres, negros e LGBT | Foto: DPES

O prazo para que o Governo do Estado apresente um plano de enfrentamento, e adote os pontos mencionados na recomendação, é de 30 dias 

A Defensoria Pública (DPES), por meio das Coordenações de Direitos Humanos e de Infância e Juventude e dos Núcleos Especializados de Direitos Humanos (Nudedh), da Infância e Juventude (Nudin) e da Defesa Agrária e Moradia (Nudam) encaminhou, na última segunda-feira (21), uma recomendação ao Comando Geral da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo solicitando a adoção protocolos e critérios objetivos para as abordagens policiais de forma que não sejam utilizados procedimentos discriminatórios e que violem os direitos humanos dos envolvidos nas ações.

Segundo a Instituição, diversos são os casos de possível violência institucional registrados no Estado, entre eles o recente caso de Everton dos Santos Silva, de 28 anos, que foi morto por um policial militar com um tiro na nuca, no Município de Serra; o caso em que um policial militar foi gravado agredindo uma mulher algemada no rosto, em Jardim Tropical; e a situação ocorrida em 02 de janeiro de 2021, dentro de um condomínio residencial em Piúma, Sul do Estado, em que um policial militar proferiu tapas na face de um homem, e outro proferiu socos, durante uma abordagem policial.

Critérios de atuação

De acordo com a Diretoria da Disciplina de Ensino, Instrução e Pesquisa da PMES, em consulta ao Material Didático da Disciplina Policiamento Ostensivo Geral (POG II) do Curso de Formação de Soldados (CFSd/2020), a realização da abordagem policial é fundada no poder de polícia e em seus atributos, como a discricionariedade, autoexecutoriedade e coercitividade, critérios que, para a Defensoria Pública, dão lugar a possíveis interferências subjetivas durante a atuação dos policiais.

Recomendações

Entre os principais pedidos da Instituição está a elaboração de Manual Básico de Abordagem Policial da Polícia Militar e da Polícia Civil com orientações específicas aos agentes policiais, sobre a impossibilidade de se basear a “fundada suspeita” para a realização de abordagem pessoal em critérios discriminatórios como etnia, cor, vestuário, classe, orientação sexual, dentre outros;

A Defensoria pede ainda a instituição de protocolos claros e objetivos para nortear as abordagens policiais; a capacitação dos agentes que compõem o sistema de Segurança Pública a respeito da filtragem racial e discriminatória, bem como sua relação com a perpetuação do racismo institucional e estrutural; e que haja a reavaliação dos métodos de confronto no policiamento ostensivo adotados no Estado pela sua Polícia Militar e Civil para que os reflexos de sua atuação não violem os direitos humanos, em especial da população civil do local dos fatos.

Leia a íntegra das recomendações à PM:

EXCELENTÍSSIMO COMANDO GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

RECOMENDAÇÃO CONJUNTA CDH/CIJ/NUDAM N° 04/2021

A Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, por meio da Coordenações de Direitos Humanos e de Infância e Juventude e dos Núcleos Especializados de Direitos Humanos, da Infância e Juventude e da Defesa Agrária e Moradia vêm se manifestar nos seguintes termos:

CONSIDERANDO que o Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, fundamenta-se na dignidade da pessoa humana, assim como preceitua o art. 1°, III, CRFB/88;

CONSIDERANDO que a Constituição da República, rompendo com os laços autoritários que, outrora, rondaram o país, garante, em seu art. 5°, III, CRFB/88, que ninguém será submetido à tortura ou qualquer tratamento desumano ou degradante;

CONSIDERANDO o art. 144, CRFB/88 institui a Polícia Militar como um órgão da Administração Pública que possui o dever constitucional de garantir a segurança da população local, com um enfoque primordial na incolumidade das pessoas, independentemente do local onde residem, cor da pele, gênero, orientação sexual ou qualquer outro indicador social existente;

CONSIDERANDO que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter a atuação da Polícia Militar em standards de humanidade previstos no ordenamento jurídico, sob pena de responsabilização objetiva, em decorrência do art. 37, caput, CRFB/88, que dispõe de normas principiológicas que norteiam a Administração Pública;

CONSIDERANDO o precedente Prieto y Tumbeiro vs. Argentina, 2020, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no qual se assentou estabelecimento de parâmetros/critérios prévios e objetivos aptos a justificar a suspeita de abordagem policial; determinou, ainda, a capacitação dos agentes policiais, do Ministério Público e do Poder Judiciário com objetivo de que os operadores, no exercício de suas funções, não se guiem por estereótipos ou preconceitos sociais; bem como, ainda, condenou a Argentina à indenização das vítimas;

CONSIDERANDO a inexistência de um protocolo ou de critérios mais específicos e objetivos, além da genérica “fundada suspeita” prevista no art. 240, § 2º, Código de Processo Penal, para guiar a abordagem policial na legislação pátria, fato este que dá azo à manifestação mais crua e bruta da seletividade do sistema penal;

CONSIDERANDO que a violência policial no Brasil é sentida com muito mais impacto pela população negra (cerca de 75,4%1 das vítimas são negras), pobre e periférica, pois, conforme pesquisa realizada pela Central Única das Favelas, 42% dos negros hipossuficientes dizem já terem sido desrespeitados pela polícia, enquanto 34% dos brancos periféricos afirmam ter passado por isso; já a agressão verbal foi relatada por 35% dos negros durante abordagens, e 27% dos brancos, enquanto que, na agressão física, a diferença é de 19% contra 12%2.

CONSIDERANDO que a Defensoria Pública é Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, nos termos do inciso LXXIV, do artigo 5°, da Constituição Federal, tudo conforme preconizado no art. 134, da Constituição Federal;

CONSIDERANDO que compete à Defensoria Pública atuar de forma preventiva e repressiva diante de ofensa a direitos de pessoas vítimas de tortura, discriminação ou qualquer outra forma de violência ou opressão, na forma do art. 4º, XVIII, LC 80/94 c/c art. 1º-C, XVI, LCE 55/94;

CONSIDERANDO a expedição dos Ofício 799/2020, Ofício 780.2020 e Ofício 781.2020, remetidos à Secretaria de Direitos Humanos do Espírito Santo, Secretaria de Justiça do Estado do Espírito Santo e à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social, respectivamente, nos quais se requereram informações a respeito da existência de protocolo/diretriz na abordagem da Polícia Militar, bem como buscar informações sobre existência de dados catalogados de ocorrência de violência policial;

CONSIDERANDO a resposta do OF Nº 563/2020 – GS/SESP, encaminhada pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social, informa que a Academia de Polícia Civil possui, em sua Organização Curricular, disciplina voltada à Ética, Cidadania e Direitos Humanos e, também, de sua atuação policial na proteção dos Direitos Humanos, com carga horária de 16h e 24h, respectivamente;

CONSIDERANDO a resposta fornecida ao Ofício 782/2020 pela Ajudância Geral da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, informa que os procedimentos adotados são no sentido de que, por restringir a liberdade individual da pessoa, a ação policial deve ser revestida de legalidade e, sempre que necessário, registrada em boletim de ocorrência, ademais, as temáticas dos Direitos Humanos seriam abordadas através de palestras, durante a formação dos soldados em oficiais da Polícia Militar;

1 Dados segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019. Disponível em: <htpp://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Anuario-2019-FINAL-v3.pdf>. Acesso em 31 de maio de 2021.

2 Disponível em: <https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/09/18/abordagem-policial-conheca-os-direitos-de-quando-se-e-parado-pela-policia.htm>. Acesso em: 1 de jun. de 2021;

CONSIDERANDO que ao questionar sobre a existência de protocolo de abordagem da Polícia Militar, a Ajudância Geral da Polícia Militar, por meio do OFÍCIO/PMES/AJUDÂNCIA GERAL/ N° 320/2020, afirmou que: “de acordo a Diretoria da Disciplina de Ensino, Instrução e Pesquisa da PMES, em consulta ao Material Didático da Disciplina Policiamento Ostensivo Geral (POG II) do Curso de Formação de Soldados (CFSd/2020), constatou-se que a realização da abordagem policial é fundada no poder de polícia e em seus atributos, como a discricionariedade, autoexecutoriedade e coercitividade” de forma que critérios objetivos para abordagem não são demonstrados de forma clara, o que dá lugar a possíveis interferências subjetivas;

CONSIDERANDO que, mesmo com o alegado fornecimento de palestras e disciplinas sobre Direitos Humanos abordado de forma transversal no processo de formação e capacitação dos Policiais Militares, diversos são os casos de possível violência institucional registrados no Estado, razão pela qual se evidencia a insuficiência de atual formatação fornecida pelos cursos;

CONSIDERANDO que diversos são os casos de possível violência policial presentes no Estado, como por exemplo i) o recente caso de Everton dos Santos Silva, de 28 anos, que foi morto por um policial militar com um tiro na nuca, no Município de Serra3; ii) o caso em que um policial militar foi gravado agredindo uma mulher algemada no rosto, em Jardim Tropical4; iii) a situação fática ocorrida em 02 de janeiro de 2021, dentro de um condomínio residencial em Piúma, Sul do Estado, em que um policial militar proferiu tapas na face de um homem, e outro proferiu socos, durante uma abordagem policial5; iv) o caso do “Território do Bem”, em Jaburu, em que há denúncias de sistemáticas abordagens policiais desproporcionais6, dentre outros casos que chegaram ao conhecimento da Defensoria Pública;

CONSIDERANDO que o Manual Básico de Abordagem Policial da Polícia Militar da Bahia ensina que, para a realização da busca pessoal, é necessária a utilização de três técnicas, a saber: i) a abordagem policial, ii) a busca e iii) a identificação, onde se deve pautar na lógica da legalidade a fim obstaculizar a ocorrência de danos à direitos fundamentais tutelados pela Constituição da República7; a abordagem reveste-se quando materializada a fundada suspeita e tendo por meta a finalidade pública de segurança e proteção da sociedade, os policiais partem para uma aproximação do suspeito, realizando a tomada de posição de segurança, que serve

3 Disponível em: <https://eshoje.com.br/direitos-humanos-repudiam-morte-de-trabalhador-pela-pmes-em-central-carapina/>. Acesso em: 31 de maio de 2021.

4 Disponível em: <https://eshoje.com.br/direitos-humanos-repudiam-morte-de-trabalhador-pela-pmes-em-central-carapina/.>. Acesso em: 31 de maio de 2021.

5 Disponível em: <https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2021/01/02/video-mostra-pm-dando-tapa-do-rosto-de-homem-durante-abordagem-no-es.ghtml>. Acesso em: 31 de maio de 2021.

6 Disponível em: <https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/es-registra-39-mortos-pela-policia-em-2017-quatro-policiais-foram-assassinados-no-mesmo-periodo.ghtml>. Acesso em: 31 de maio de 2020.

7 Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/19727/abordagem-policial-a-busca-pessoal-e-seus-aspectos-legais>. ao policial e ao cidadão abordado, a fim de minimizar eventuais reações, assegurando o próprio abordado quanto a uma interpretação errônea de seus movimentos, que, no nervosismo ou surpresa da abordagem, pode ocorrer.

CONSIDERANDO que o Comandante-Geral da Polícia Militar de Minas Gerais aprovou, por meio da Resolução 3.664/2002, o MANUAL DE PRÁTICA POLICIAL – VOL. 18, em que é posto que a atuação do Policial deve se pautar em princípios como a “promoção de Direitos Humanos” e da vedação de práticas cruéis ou desumanas;

CONSIDERANDO que o último manual estipula um padrão de conduta nas abordagens policiais de diferentes tipos (abordagem do suspeito a pé, a veículo suspeito e em edificações), onde o Policial teria diretrizes mais claras ao realizar certos tipos de abordagem, como nos casos de busca pessoal, que se estabelece: “Trata-se de atividade de conteúdo discricionário que deve receber toda atenção dos policias para não se converter em atos de arbitrariedades e discriminações, impingindo constrangimentos desnecessários as pessoas consideradas suspeitas” (p. 71); ou quando aborda o “Emprego da Força” em parte exclusiva, em que fica estabelecido que o policial só deve usar a força de forma excepcional, quando necessário e de forma progressiva, citando perguntas que o policial deve se fazer antes usar a força, tais como: “o emprego da força é legal”, “a aplicação da força é necessária?”, “o nível de força a ser utilizado é proporcional ao nível de resistência oferecida?” etc. (p.44-45);

CONSIDERANDO que tais parâmetros adotados pela Polícia Militar da Bahia e de Minas Gerais têm grande potencial de serem, de algum modo, aproveitados no Estado do Espírito Santo, a fim de garantir uma abordagem policial que dialogue mais fortemente com as liberdades individuais e prevalência dos direitos humanos;

CONSIDERANDO que a Polícia Militar do Estado do Espírito Santo já oferece material pedagógico para orientar o modo da pessoa se comportar quando da realização de abordagens policiais9, com recomendações no sentido de permanecer calma, colaborar, fornecer documentação pessoal solicitada, entre outros, seria igualmente educativo para o cidadão e para a órgão castrense, o fornecimento de cartilhas que informem a postura que deve ser adota pelo Policial Militar no momento de abordagem a fim de evidenciar os direitos dos cidadãos em relação àqueles que o abordam;

CONSIDERANDO a existência da Portaria nº 791-R, de 09 de outubro de 2019, da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES), bem como do Manual de Diretrizes Nacionais para a Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, os quais reconhecem a conotação social, econômica e política

8 Disponível em: http://www.errogrupo.com.br/v4/pt/wp-content/uploads/2013/07/Manual-de-pr%C3%A1tica-policial-Resolucao_3664.pdf

9 Disponível em: https://pm.es.gov.br/como-se-comportar-em-abordagens-policiais

das operações policiais de cumprimento de medidas coletivas de reintegração de posse e estabelecem normas e procedimentos para a sua padronização, no sentido de se evitar violações de direitos humanos;

CONSIDERANDO que há a urgente necessidade de adoção de critério objetivos para as abordagens policiais, de modo a diminuir o número de violência institucional no Estado do Espírito Santo.

RECOMENDA:

1. que haja a elaboração de Manual Básico de Abordagem Policial da Polícia Militar e da Polícia Civil com orientações específicas aos agentes policiais, sobre a impossibilidade de se basear a “fundada suspeita” para a realização de abordagem pessoal em critérios discriminatórios como etnia, cor, vestuário, classe, orientação sexual, dentre outros;

2. que sejam instituídos protocolos claros e objetivos para nortear as abordagens policiais, de modo a prever a obrigação de expor e justificar por escrito e de forma circunstanciada, pelos policiais, a motivação de toda e qualquer abordagem, revista e busca;

3. que se realizem capacitações para os(as) agentes que compõem o sistema de Segurança Pública a respeito da filtragem racial e discriminatória, bem como sua relação com a perpetuação do racismo institucional e estrutural;

4. que haja investimento em políticas de segurança pública de caráter preventivo, investigativo e de inteligência ao lado daquelas de policiamento ostensivo;

5. que haja a reavaliação dos métodos de confronto no policiamento ostensivo adotados no Estado pela sua Polícia Militar e Civil para que os reflexos de sua atuação não violem os direitos humanos, em especial da população civil do local dos fatos;

6. que sejam aprimorados os sistemas de produção de dados por parte das instituições de segurança pública a respeito de abordagens, detenções, prisões, revistas pessoais e buscas como forma de monitorar o seu funcionamento e embasar a formulação de políticas públicas antirracistas, dentre outras medidas de caráter antidiscriminatório.

7. que as grandes operações de busca e apreensão de bens e pessoas sigam procedimento similar à Portaria nº 791-R, da PMES, devendo: a) ser precedidas por planejamento prévio e por reunião preparatória com a participação dos órgãos de controle e de defesa dos direitos humanos, os uais devem se comprometer em resguardar o sigilo da operação; b) ser efetuadas por policiais devidamente identificados e orientados sobre os limites do poder de polícia, bem como do respeitos aos direitos humanos e sociais dos indivíduos envolvidos na operação; c) ser documentadas por filmagens; d) contar com a prévia disponibilização de serviços médicos e demais apoio logístico; e) ser sucedida por relatório circunstanciado sobre a execução da respectiva operação, o qual deverá ser encaminhado ao Ministério Público e à Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo.

Oferta-se o prazo de 30 (trinta) dias para que o Poder Público apresente um PLANO PARA ENFRENTAMENTO E ADOÇÃO DOS PONTOS ACIMA elencados no presente documento.

Vitória/ES, 21 de junho de 2021.

ADRIANA PERES MARQUES DOS SANTOS

Defensora Pública

Coordenadora da Infância e da Juventude

VICTOR OLIVEIRA RIBEIRO

Defensor Público

Coordenador de Direitos Humanos

MARINA DALCOMO DA SILVA

Defensora Pública

Núcleo de Defesa Agrária e Moradia

RAFAEL VIANNA MURY

Defensor Público

Membro do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos

TIAGO LUIZ BIANCO PIRES DIAS

Defensor Público

Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos

VINICIUS LAMEGO DE PAULA

Defensor Público

Núcleo de Defesa Agrária e Moradia