O julgamento do economista Marcos Venicio Moreira Andrade, réu confesso de ter assassinado o também economista, radialista e ex-senador e ex-governador (de 31 de março de 1983 a 14 de maio de 1986) do Espírito Santo, Gerson Camata, foi iniciado às 9 horas desta terça-feira (3) e poderá se estender até esta próxima sexta-feira (6). Os promotores de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) Rodrigo Monteiro da Silva e Leonardo Augusto de A. Cezar dos Santos, que atuam na Vara do Júri de Vitória, em entrevista virtual à imprensa nesta última segunda-feira (2) disseram que não há complexidade nesse júri, uma vez que as provas são claras em demonstrar a existência de um homicídio duplamente qualificado.
O julgamento está ocorrendo no Fórum Criminal de Vitória, no Centro da capital. “O papel do Ministério Público é promover a defesa da sociedade diante desse ou de qualquer outro crime. Não há que se falar em tratamento diferenciado do processo por se tratar de um ex-governador. O trâmite foi normal e agora chegamos ao desfecho, no júri. Temos um réu confesso que, motivado por vingança, ceifou a vida de outra pessoa que não teve a menor chance de defesa”, disse Rodrigo Monteiro da Silva.
Gérson Camata foi assassinado com um tiro no peito no dia 26 de dezembro de 2018, na Praia do Canto, em Vitória. Marcos Venicio, que também morava na Praia do Canto, nas proximidades do Centro da Praia Shopping, foi assessor de total confiança de Camata. Marco Venicio foi preso no mesmo dia e confessou o crime. Ele está preso preventivamente no presídio de Viana.
De acordo com informações do MPES, em julho de 2019, a Justiça decidiu que Marcos Venicio fosse submetido a júri popular, denunciado pelo MPES por homicídio qualificado por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, além de porte ilegal de arma. Segundo a denúncia, as penas previstas para esses crimes são: homicídio qualificado, de 12 a 30 anos; e porte ilegal de arma de fogo, de 2 a 4 anos.
Quem era Marco Venicio
O acusado pelo assassinato do ex-governador era um mineiro, que veio estudar o curso de Economia da Ufes e foi da mesma turma universitária do economista e ex-governador Paulo Hartung e do ex-ministro do Planejamento do governo Fernando Henrique Cardoso, o economista Guilherme Dias. Na faculdade, Marcos Venicio era uma pessoa tranquila, bom de bate-papo e gostava de comentar sobre futebol com os colegas na cantina do CCJE da Ufes. Já nessa ocasião ele era visto pelos colegas como “carne e unha” do então governador Camata, quando iniciou por 19 anos a sua carreira de assessor.
No dia 18 de abril de 2009 Marcos Venicio deu uma entrevista ao jornal O Globo, quando narrou o que motivou a briga entre os dois, e que nove após resultou no assassinato. “Eu tinha a chave da casa dele. Era só abrir o portão. Não precisava tocar a campainha”, disse o assassino confesso naquela entrevista ao jornal carioca. Ele contou ainda ao Globo que a parceria, iniciada em 1986 foi rompida em 2005, quando Gerson Camata assumiu a presidência da Banestes Seguros, a seguradora do governo do estado. Ele disse que ao procurar o antigo patrão, pedindo ajuda, veio a desilusão: “Ele me recebeu em pé, apressado. Me tratou como eu o vi fazer, por 19 anos, quando dispensava as pessoas que não lhe agradavam. ”
Denúncias de corrupção
Na entrevista ao jornal O Globo, Marcos Venicio soltou o que sabia sobre Gerson Camata. Disse que o ex-governador que iria assassinar anos depois “Minha ligação com Camata era tão grande que as pessoas falavam as coisas comigo como se estivessem falando com ele. Uma delas foi Silvio Peixoto, da Odebrecht, que uma vez .apareceu no escritório do senador com um pacote de dólares. Silvio contou que o pacote guardava US$ 5 mil, fruto de um suposto acordo da empresa com o senador que garantiria a Camata uma espécie de participação nos resultados mensais da cobrança de pedágio”.
No caderninho que ele abriu para mostrar aos jornalistas do Globo, ele mostrou o item “salário/condomínio”, onde contou que durante 13 anos seguidos, era “obrigado a reservar 30% de seu salário do Senado para o pagamento mensal de despesas pessoais de Camata”. Em seguida disse: “Quando fui nomeado, ele (Camata) disse: ‘Marcos, você vai pagar umas contas’. Paguei o condomínio do apartamento do senador, o IPTU, a luz e o telefone. Quando fui cobrar reembolso, tive uma surpresa. Ele disse que, todo o mês, eu teria de fazer aquilo. E sem reembolso”.
Marcos disse ainda que Camata teria simulado o aluguel de um carro, um Golf GTI, avaliado em R$ 109 mil, quando na verdade estava comprando o veículo com a verba indenizatória do Senado. Na mesma reportagem o jornal O Globo ouviu o outro lado. Camata negou todas as denúncias feitas por seu assessor. O ex-governador disse para os jornalistas que “além de magoado, o ex-colaborador enfrenta hoje problemas psicológicos que comprometeriam o teor de seu depoimento”. Em seguida, Gerson Camata disse naquela ocasião que admitia relação de Marcos com as finanças de seu gabinete:
“Ele realmente cuidava da contabilidade das campanhas. Quando a legislação exigiu que se abrisse uma conta, com CNPJ, ele administrou a conta. Era ele mesmo” confirmou Camata. Mas negou que tivesse burlado a prestação de contas da campanha de 2002 para “esquentar” o correspondente a R$ 200 mil de sobras: A mesma negativa foi feita naquele época pela construtora Odebrecht, onde disse que não pagou mesada ao ex-governador por 13 anos por conta da cobrança de pedágio da Terceira Ponte. Nessa época a construtora tinha participação acionária na exploração do pedágio.
A gota d’água que levou ao crime
A gota d’água que gerou mágoas profundas no assassino foi exatamente a entrevista ao jornal O Globo. Descontente com as provocações de Marcos Venicio, Gerson Camata entrou na Justiça, por não reconhecer a materialidade da denúncia e o Poder Judiciário de Brasília condenou Marcos ao pagamento de R$ 50 mil ao ex-senador em 2012. A ação foi julgada pela Justiça do Distrito Federal, que também determinou o pagamento das custas processuais em R$ 5 mil.
O fato de a Justiça ter ignorado as denúncias e de ter sentenciado o denunciante foi o estopim. Marcos, que frequentava diariamente o café do Centro da Praia Shopping mudou o comportamento. Tornou-se uma pessoa chata para seus conhecidos, colegas e amigos. Tinha somente um assunto: “a corrupção de Gerson Camata que foi ignorada pela Justiça”. Com o passar dos anos, o ódio foi crescendo e que culminou com o assassinato no dia 26 de dezembro de 2018.