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Lobby do setor rodoviário contra expansão da malha ferroviária fica mais forte com Bolsonaro

O presidente se curva ao lobby do setor de transporte rodoviário, que inclui as montadoras de caminhões e grandes petrolíferas, em um esquema que já foi denunciado no passado como sendo forma de captação ilegal de recursos de campanha política

Em Viana (ES), ao lado da antiga estação, há um cemitério ferroviário, mostrando o descaso do Brasil com esse modal | Foto: Arquivo

A Câmara dos deputados deverá votar nesta próxima terça-feira (31) a  Medido Provisória do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para reduzir as multas dos caminhões que estiverem transitando sobre a malha rodoviária. As multas existem para proteger as estradas asfaltadas, já que a sobrecarga danifica as estradas e ainda elevam o número de acidentes com mortos. O lobby da indústria automobilista e das grandes empresas petrolíferas é antigo no Brasil,  agora se intensificou no atual governo de extrema direita.

Segundo a Agência Câmara de Notícias, os deputados federais devem votar na terça-feira (31) a Medida Provisória 1050/21, assinada por Bolsonaro em 18 de maior deste ano e que aumenta de 10% para 12,5% a tolerância para o excesso de peso por eixo de ônibus de passageiros e de caminhões de carga sem aplicação de penalidades. A sessão do Plenário está marcada para ocorrer às 15 horas.

Segundo o governo, essa é uma reivindicação do setor de transporte rodoviário porque cerca de 43% das multas ocorrem nesse intervalo. Além disso, para veículos com peso bruto total igual ou inferior a 50 toneladas, a tolerância de excesso de peso por eixo poderá ser maior se respeitado o limite técnico por eixo definido pelo fabricante e o veículo não passar de 5% do peso bruto total definido para sua categoria.

A MP altera a Lei 7.408/85 e define a vigência dessa lei até 30 de abril de 2022, a fim de que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) regulamente o assunto como permitido pelo Código de Trânsito Brasileiro. Leia a seguir a inicial da MP assinada pelo presidente Bolsonaro:

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Na maioria dos países, com os Estados Unidos liderando, a maioria das cargas são transportadas pelo modal ferroviário, porque além de proporcionar um custo de transporte mais barato, um único vagão tem capacidade de transportar um volume de cargas superior aos caminhões. Mas, além de não investir no setor ferroviário por se curvar ao lobby do setor de transporte sobre rodas, o governo ainda reduz a capacidade de transporte ferroviário no país.

Lobby e financiamento de campanha

“Em 1961, tínhamos 40 mil quilômetros de ferrovias. Quase todo o Sul-Sudeste era interligado, interiorizando para o Nordeste, além da Madeira-Mamoré na região Norte. Hoje são só 11 mil quilômetros, com 99% voltado ao transporte de cargas”, disse o especialista Carlos Penna Bresciannini, do Blog Ambiente & Transporte durante audiência na Comissão de Direitos Humanos (CDH), em junho de 2018. Ele ainda lembrou que desde o início dos anos 2000 a Polícia Federal e o Ministério Público constataram esquemas corruptos interligando interesses do lobby rodoviário com o financiamento de campanhas.

Essa união de corruptores e de corruptos travestidos de cargos públicos fizeram com que o país adotasse um modelo completamente distorcido de transporte, que desconsidera os interesses sociais. Com base em documentos oficiais, mostrou que o Brasil já teve no passado distante um sistema ferroviário forte, que após um boicote estrutural acabou reduzindo ao mínimo o transporte de pessoas, constatou a comissão legislativa naquela ocasião, quando tinha como vice-presidente o deputado federal Paulo Paim (PT-RS).

Início da ferrovia

A história do transporte ferroviário começou no Império. Com apoio de Dom Pedro II e encabeçada por  Irineu Evangelista de Sousa — O Barão de Mauá — a primeira ferrovia do Brasil foi inaugurada em 1854. A linha tinha menos de 15 quilômetros e ligava o porto do Rio de Janeiro ao município de Raiz da Serra. Nos anos seguintes vieram mais nove ferrovias, essas sim relevantes.

Em 1922, no centenário da Independência, o Brasil tinha 29 mil quilômetros de linhas de ferro. “Foi criada toda uma rede. Em 1930 atingimos trinta mil quilômetros de ferrovias, abrangendo toda a região litorânea, principalmente no sul e no sudeste, visando os processos exportadores do país. Isso tinha grande importância comercial e internacional para o Brasil”, explicou Marcus Quintella, Diretor do Centro de Estudos em Transportes, Logística e Mobilidade Urbana da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em entrevista à imprensa no ano passado.

Primeiro a se curvar ao lobby rodoviário

A situação começou a mudar em 1926, quando Washington Luís foi eleito presidente da República, com o lema “governar é abrir estradas”. “É mais fácil fazer rodovias. Não demora tanto tempo, pode ser feito dentro do mandato dos governos, não precisa daquela continuidade administrativa. Então era tudo eminentemente politico”, disse o diretor da FGV. Mesmo assim, o sistema ferroviário brasileiro seguiu crescendo. E na década de 1950 alcançou seu tamanho máximo: 37 mil quilômetros.

M seguida veio a queda cm os golpes desferidos pelos governantes que sucumbiram à pressão do lobby do setor rodoviário. Hoje, o Brasil tem oficialmente 29 mil quilômetros de ferrovias, o mesmo tamanho de um século atrás. Como comparação, o pesquisador lembra que os Estados Unidos têm 220 mil; a China tem 192 mil. A Índia tem 68 mil e até a Argentina, que é três vezes menor que o Brasil, tem mais linhas de ferro: são 37 mil quilômetros.

Mas, os 29 quilômetros não se confirmam na prática. Segundo Marcus Quintella, “a comparação fica ainda mais desvantajosa quando pensamos nas linhas brasileiras que existem de fato”. Ou seja, que estão atualmente em condições de operação. “Em termos úteis, operacionais, há fontes que dizem que estamos trabalhando na faixa de apenas 12 mil quilômetros. Então temos 18 mil quilômetros de ferrovias inoperantes, subutilizadas ou abandonadas no país. Isso é gravíssimo”, diz ele