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COP26: O Brasil é parte da solução, Bolsonaro é o problema

O governo brasileiro anunciou metas climáticas mais ambiciosas somente no discurso; na prática, são mentirosas e vazias de conteúdo, diz o Greenpeace

Bolsonaro cortou a fiscalização do meio ambiente, como o Ibama, e permite os incêndios criminosos | Foto: Arquivo

Texto do Greenpeace: Marcelo Laterman, da campanha de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil

Em um esforço retórico, o governo tenta limpar sua imagem de pária na diplomacia internacional, onde a questão climática é central, com promessas vazias e falsas soluções.

Maquiagem verde

Enquanto mais de 100 autoridades e chefes de Estado do mundo estão em Glasgow, na 26ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, Bolsonaro preferiu não participar, e se pronunciou por meio de um discurso gravado, com menos de 3 minutos em tom desviante, para não dizer delirante, no qual pinta o Brasil atual como uma potência verde.

Será que em uma “potência verde” o presidente se esconderia no momento de um dos maiores acordos ambientais e climáticos da história? Ele disse ainda que: “Sempre fomos parte da solução e não do problema”. É, já fomos respeitados mesmo na COP mas, infelizmente, isso mudou. Esse governo, aliado ao legislativo, conseguiu nos tornar um problema para o mundo, com uma política de destruição da maior floresta tropical do planeta, do clima e dos direitos dos povos originários.

A verdade é que somos o 6º país que mais emite gases de efeito estufa, sendo o desmatamento a principal causa dessas emissões. E quais os resultados da política de Bolsonaro em relação a isso?

A) Nos primeiros mil dias de seu governo, completados no dia 27/09 deste ano, a área desmatada na Amazônia subiu 74% em relação ao mesmo período anterior à sua posse.

B) O Brasil teve um aumento de 9,5% nas emissões em 2020 (em plena pandemia), enquanto a média mundial registrou uma queda de quase 7%.

É esse Brasil que protege o meio ambiente que ele quer vender? É sério isso?

Anúncio de novas metas climáticas

Após o vídeo de Jair Bolsonaro, foi a vez do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciar as novas metas de redução de emissões do Brasil para as Contribuições Nacionais Determinadas (NDCs). Vale lembrar que a COP26 tem como um de seus objetivos a revisão das NDCs firmadas no Acordo de Paris, em 2015, com a apresentação de metas, necessariamente, mais ambiciosas.

E finalmente…. a nova meta compromete o país a reduzir os gases de efeito estufa em 50% até 2030 e formaliza a neutralidade de carbono até 2050.

Apenas mais ambiciosa no papel

“O governo não explica como será a base de cálculo da redução de emissões. É importante que isso seja feito para que não haja nova pedalada climática, como houve em dezembro de 2020, na última reformulação das NDCs brasileiras. A mudança da base de cálculo pode fazer com que se permita mais emissões que nas metas passadas”, afirma Fabiana Alves, coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil.  

Quanto ao país se tornar carbono neutro até 2050, é mais uma promessa de um governo que avança com uma agenda anti ambiental e traz falsas soluções. Infelizmente, o setor privado agroexportador aliado ao governo brasileiro tem como objetivo a compensação de emissões por meio do mercado do carbono, em vez de enfrentar uma agenda de mudança sistêmica para limitarmos o aquecimento global a 1.5ºC focar em mecanismos de não mercado para pensar o financiamento de um mundo habitável para as novas gerações.

Para isso, precisamos de um plano de ação climática sério, com investimento em uma transição energética e agroecológica, desmatamento zero e medidas de adaptação à crise do clima, principalmente para as populações mais vulnerabilizadas pelos impactos das mudanças climáticas.

Análise do Greenpeace sobre acordo da COP26

Para o Greenpeance o acordo firmado em Glasgow entre países para “conter” desmatamento, na COP26, nesta última terça-feira (2)  é sinal verde para mais uma década de destruição. O Greenpeace diz que a COP 26 trouxe uma enxurrada de anúncios sobre a “proteção” das florestas. Entre eles está um novo acordo entre governos, incluindo o Brasil, para conter o desmatamento até 2030. Mais um item na bagagem de falsas soluções que o governo brasileiro trará de volta para casa. O acordo na prática substitui a Declaração de Nova York sobre Florestas de 2014, que estabeleceu a meta para o ano de 2020 (embora o Brasil não o tenha assinado).

Respondendo de Glasgow ao anúncio, onde ocorre a Cúpula do Clima da ONU, a diretora executiva do Greenpeace Brasil, Carolina Pasquali, afirma que “Há um bom motivo pelo qual Bolsonaro se sentiu confortável em assinar este novo acordo. Ele estende o prazo para acabar com a destruição da floresta em dez anos, não é obrigatório e, quando se trata de limpar as cadeias de abastecimento, parece ter como alvo apenas o desmatamento ilegal. Mas a Amazônia já está à beira do colapso e não pode sobreviver a mais uma década de destruição, legal ou não. Os povos indígenas estão clamando pela proteção de 80% da Amazônia até 2025, e eles têm razão: é o que é preciso. O clima e o mundo natural não têm condições de pagar por esse acordo. ”

Após três anos sem planos para reduzir efetivamente o desmatamento, o governo promete agora cortar 15% do desmatamento em 2022, ano que termina o mandato. Se tivermos em 2021 taxas iguais às de destruição dos últimos dois anos, esse número estaria por volta de 9.000 Km2, um aumento de 22% em relação ao ano de 2018, véspera do início do atual mandato. O governo antecipou também a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2028, mas a conta não fecha, até lá o governo estaria admitindo quase 42.200 km2 de desmatamento ilegal, uma área maior que a Holanda ou Suíça, por exemplo.

Enquanto o governo brasileiro se aproveita da visibilidade da COP 26 para lançar diversos programas, anunciar novas metas de redução do desmatamento ilegal, cortes de emissões e um plano para acelerar a economia verde, por trás das cenas – como mostrou a reportagem de investigação jornalística do Unearthed, do Greenpeace no Reino Unido, a intenção é outra.

O Brasil, ao lado de outros países, tentou interferir nas recomendações do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) para excluir as menções à agropecuária como vilão do clima e a importância da adoção de uma dieta baseada em vegetais. Vale lembrar que o desmatamento e a agropecuária representam 72% do total das emissões dos gases do efeito estufa do Brasil. As emissões no país aumentaram 9,5% em 2020, impulsionadas pela destruição da Amazônia — resultado de escolhas políticas deliberadas do governo Bolsonaro.

A falta de ação para reduzir a demanda por carnes e laticínios industriais — uma indústria que está causando a destruição do ecossistema por meio da produção de gado e do uso de soja para ração animal -, nos mostra que há poucas chances do governo cumprir esse acordo e instigar políticas que colocariam o Brasil de volta ao caminho certo para diminuir o desmatamento. Enquanto não adotamos dietas baseadas em vegetais e reduzimos a quantidade de carne industrial e laticínios que consumimos, os direitos dos povos indígenas continuarão a ser ameaçados e a natureza continuará a ser destruída, em vez de ter a oportunidade de se restaurar e se recuperar.

O que diz o Observatório do Clima

Para a ONG Observatório do Clima o Brasil anunciou nesta segunda-feira (1º) que fará um ajuste na sua a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, sigla em inglês), a meta nacional no Acordo de Paris. O anúncio foi feito por vídeo no pavilhão do Brasil na COP26 pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que prometeu elevar a meta de corte de emissões de gases de efeito estufa em 2030 de 43% para 50% em relação aos níveis de 2005.

Mas, o Observatório do Clima garante que o ministro de Bolsonaro não esclareceu qual será a base de cálculo utilizada para a atualização, mas ela pode reduzir à metade ou eliminar a chamada “pedalada de carbono”, a regressão na ambição da NDC proposta em 2020 pelo governo Jair Bolsonaro, que resultaria numa emissão adicional de 400 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e) em relação à meta anunciada em 2015 por Dilma Rousseff.

Em qualquer um dos casos, prossegue o Observatório do Clima, o país falhou em aumentar ambição climática, ao contrário do que alegaram Bolsonaro e Leite em suas falas nesta manhã (tarde em Glasgow). Caso os 50% sejam aplicados sobre a base de cálculo do inventário mais recente de emissões do Brasil (contido na Quarta Comunicação Nacional, de 2020), o que se espera que ocorra, o governo Bolsonaro empatará com a meta proposta seis anos atrás por Dilma. Caso seja mantida a base do inventário anterior, a “pedalada” cai de 419 milhões de toneladas para 218 milhões, o equivalente às emissões anuais do Iraque.

e quisesse apresentar um compromisso compatível com o Acordo de Paris, a meta deveria ser de pelo menos 80% de corte. Enquanto os líderes mundiais aproveitam a COP26 para aumentar a ambição de suas metas e tentar manter vivo o objetivo de 1,5ºC, Jair Bolsonaro no máximo regride a 2015 e mostra que se importa com o futuro do planeta tanto quanto com as vítimas da Covid-19.

“Depois de quase um ano expondo o Brasil ao escárnio diante do mundo e sendo processado na Justiça por violar o Acordo de Paris, o governo enfim aprendeu a fazer uma conta matemática simples que empata nossas metas com as do passado, que já eram muito insuficientes. É uma irresponsabilidade com o planeta e com o futuro dos brasileiros”, disse o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.

“O governo teve todas as oportunidades de fazer uma mudança de rumo. Há mais de uma análise que mostra que o Brasil tem todas as condições de agir com ambição real, reassumindo seu protagonismo no debate climático. Infelizmente isso não acontecerá com Bolsonaro”, prosseguiu.

As tabelas abaixo mostram como as emissões brasileiras variam de acordo com a linha de base adotada (Tabela 1) e qual teria de ser o grau de ajuste para pelo menos empatar com a NDC de 2015.