O que tinha tudo para ser uma solução contra problemas de gestão, interferências políticas e prejuízos acumulados na Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), que administra o Porto de Vitória e de Barra do Riacho, em Aracruz, está deixando os operadores portuários e trabalhadores dos portos capixabas de cabelos em pé. A privatização prevê investimentos de R$ 1 bilhão, abrangendo a concessão da administração dos terminais portuários e a exploração indireta das instalações. A empresa que vencer o certame, a partir de 2022, terá a concessão da administração dos portos por 35 anos, que pode ser prorrogada por mais cinco anos. As informações são da Assessoria de Imprensa do Sindicato dos Operadores Portuários do Espírito Santo (Sindiopes).
Para as 22 empresas operadoras locais e cerca de 4.500 trabalhadores portuários, o programa de desestatização da Codesa, iniciado neste ano e previsto para ser concluído no primeiro semestre de 2022, vem sendo conduzido sem a participação dos operadores, dos trabalhadores e de vários outros atores da cadeia portuária. O resultado previsto pelos operadores portuários é que poderá haver seletividade de cargas, aumento de preços, perda de participação do porto nas políticas públicas voltadas aos interesses do Espírito Santo e comprometimento da cadeia portuária e empregos locais.
Modelagem da privatização veio pronta de Brasília
“Não somos contra a desestatização, mas somos fortemente contrários à forma com que esse processo está sendo tocado. A modelagem da privatização da Codesa já veio pronta de Brasília, baseada em modelo em operação nos portos da Austrália, o mesmo também em uso na Inglaterra, Israel e Grécia, que não é o modelo em prática em 95% dos portos em todo o mundo. Esse modelo está sofrendo duras críticas na Inglaterra, por exemplo, que de uma hora para outra viu seus portos na mão de empresas chinesas e submetidos a interesses da China e não mais fazendo parte das políticas públicas daquele país”, informa o presidente do Sindicato dos Operadores Portuários do Espírito Santo (Sindiopes), Roberto Garofalo.
Para Garofalo, a Codesa precisa de fato ser renovada e passar a contar com um novo modelo de gestão capaz de enfrentar a modernização de outros portos no país, para os quais vem perdendo cargas ao longo do tempo. “O que pleiteamos é que a cadeia logística envolvida seja ouvida e considerada, o que não vem acontecendo. Da mesma forma, é preciso o envolvimento de fato dos governos municipal e estadual, bem como da bancada federal capixaba na Câmara e no Senado Federal. Ou todos participam agora ou teremos um porto de costas para os interesses do Espírito Santo, atendendo apenas aos interesses da empresa que obtiver a outorga após finalizado o processo de privatização”, alerta Garofalo.
Prejuízos
Entre os desdobramentos possíveis e consequências de ter um porto gerido e orientado apenas para os interesses da empresa responsável pela sua administração, Garofalo aponta a seletividade e a priorização de cargas de interesse apenas do gestor portuário, com maior lucratividade para esse ator, excluindo ou não mais priorizando cargas de interesse para o Espírito Santo, como o milho, várias vezes importado para suprir o desabastecimento das granjas, que por sua vez abastecem as empresas de abate e processamento da carne de frango. “É um exemplo de carga estratégica para o Estado, entre várias outras que deixarão de contar com um esforço conjunto integrado também pelo Porto de Vitória, como acontece em outros países onde o mesmo modelo de operação foi adotado”, destaca Garofalo.
Os operadores e os trabalhadores portuários consideram o processo focado apenas nos interesses do governo federal em arrecadar fundos para cobrir rombos em outros setores do orçamento federal, sem dar ouvidos às questões colocadas pelos operadores e trabalhadores locais. “Estão correndo para dar tempo de usar esta privatização na eleição de 2022, com o risco de ser a única privatização de porto no governo Bolsonaro, sem os devidos cuidados. As consequências ruins do que acontecer não serão mais problema do governo federal, mas sim do Espírito Santo e de toda a cadeia logística e portuária local”, alerta Garofalo.
Empregos
Para o presidente da Associação dos Operadores Portuários, Wagner Cantarela Souza, o governo e a sociedade capixaba precisam participar desse processo de privatização e não ficar apenas como espectadores. “Precisamos abrir o debate e detalhar os impactos na economia estadual, como seletividade de cargas, perda de receita e aumento de tarifas. As consequências recairão também sobre os mais de 4.500 trabalhadores portuários do Espírito Santo.”
Na visão do presidente do Sindicato Unificado da Orla Portuária do Estado (Suport-ES), Marildo Capanema Lopes, a iniciativa federal é um erro, com consequências graves para o Estado. “A se concretizar esse projeto e modelo de gestão colocado, o Espírito Santo vai ficar mais uma vez refém de interesses privados, por 35 anos, sofrendo sozinho as consequências de um modelo que só está preocupado em arrecadar dinheiro para o caixa do governo federal. Será muito difícil, se não impossível, reverter qualquer prejuízo para o Estado depois da privatização”, adverte.