fbpx
Início > A atitude de avestruz e a industrialização interrompida no Espírito Santo

A atitude de avestruz e a industrialização interrompida no Espírito Santo

O processo de desindustrialização brasileira é preocupante. Há vários fatores que o determinam. No Espírito Santo este movimento é muito mais intenso

Convento da Penha Vila Velha (ES) | Reprodução: Jornal GGN

Texto: Guilherme Narciso de Lacerda e Guilherme Henrique Pereira (*)/Reprodução-Jornal GGN

No calor do debate sobre a conveniência dos EUA entrarem na Segunda Guerra Mundial, Franklin Delano Roosevelt alertava os seus concidadãos para o perigo da complacência, pois “não é bom para a saúde dos avestruzes enfiar a cabeça no chão”.

Conselho que nos vem à mente quando lemos sobre a impressionante perda de importância do setor industrial capixaba.

O jornalista Luis Nassif escreveu inicialmente sobre o tema e contribuiu para se examinar os acontecimentos recentes da economia do Espírito Santo. Foi preciso alguém de fora para estimular debate tão importante.

Nassif dá ênfase à debacle da indústria capixaba associando-a às deficiências das políticas estaduais que foram incapazes de adensar as cadeias de produção industrial e não impediram que o ES fosse o estado com o pior desempenho industrial nos últimos dez anos.

Houve reações à avaliação de Nassif. O presidente do Instituto Jones Santos Neves, Pablo Lira, o ex-prefeito de Vitória, também ex-presidente daquele Instituto, Luiz Paulo Velloso Lucas escreveram que a queda da indústria capixaba se devia fundamentalmente aos rompimentos das barragens de Mariana (Samarco) e Brumadinho (Vale) e à forte queda na exploração de petróleo. Sobre este resultado, Velloso Lucas associa-o à suspensão dos leilões anuais da ANP após a descoberta do pré-sal. Ele arremata afirmando que foi fruto da “barbeiragem do governo federal”.

Nossa avaliação é de que, neste caso, tal como em outros, a virtude está no meio; nem tanto ao mar nem tanto à terra. E demonstramos as razões.

Primeiro, é inegável que a economia capixaba se ressentiu fortemente da interrupção de produção da Samarco desde final de 2015, com o desastre de Mariana. Depois, o rompimento da barragem de Brumadinho no início de 2019 também afetou, embora em menor proporção.

Sobre os rompimentos das barragens está certo Luiz Paulo, ao ressaltar “que não foram fatalidades. Foram falhas gritantes no modelo de governança corporativa”.

Sobre a queda na produção de óleo bruto o diagnóstico atribuindo o resultado à alteração da política para o petróleo está errado. A redução de extração nos campos ao norte da bacia de Campos ocorreu em tempos mais recentes, com a política de investimentos da Petrobras se concentrando na Bacia de Santos e com a redução dos investimentos exploratórios a partir de 2015. A mudança regulatória de 2010 não mudou a possibilidade de expandir as áreas exploratórias nas áreas do pré-sal e nem nas áreas terrestres do ES. Houve esgotamento de poços que não foram compensados com novas explorações. Assim, associar a queda da produção petrolífera capixaba à revisão da legislação é impróprio e não se sustenta nos fatos.

A perda de tração da economia capixaba se intensificou a partir de 2017/2018. Aqui, é oportuno realçar o pacote de investimentos do complexo de óleo e gás implantados no Espírito Santo nos governos Lula e Dilma. Se, mais recentemente várias empresas se deslocaram para outras paragens, em especial para o norte fluminense, é porque faltou aos governos estaduais atuar para reverter tais situações. Por exemplo, os governos estaduais ficaram literalmente a ver navios acompanhando os desdobramentos que atingiam o porto público de Vitória, ao contrário do que acontece em vários outros estados (São Paulo, Santa Catarina, Paraná). Ao final, fez-se uma privatização com a inusitada cessão da Autoridade Portuária para a iniciativa privada sem o governo estadual se mexer.

O processo de desindustrialização brasileira é preocupante. Há vários fatores que o determinam. No Espírito Santo este movimento é muito mais intenso. A queda da produção industrial no estado no período de 2013 a 2022 foi de aproximadamente 47%, e só nos últimos quatro anos (2019/2022) o declínio foi de 39,5%. Nestes dois tempos, o desempenho da indústria brasileira foi de, respectivamente, -15,5% e -2,5%. Ou seja, a queda no ES foi muito mais intensa.

A indústria capixaba é altamente concentrada e essa dimensão pouco se alterou com o passar dos tempos. O complexo formado pela extração e beneficiamento de pedras ornamentais, a produção de celulose e a siderurgia são os carros chefes da indústria do estado. Todos os referidos setores estão voltados predominantemente para exportações, daí a vulnerabilidade às oscilações do mercado externo.

Esta marca registrada vem de longe. O fortíssimo aparato de incentivos fiscais do governo estadual foi infrutífero para alterar tal estrutura. O evento mais importante para a indústria do ES foi a inclusão da região norte na área da Sudene, em 1998. Naquele espaço, às margens da BR101, floresceram plantas industriais de diferentes setores que permitiram alguns passos na diversificação, mas ainda bem incipiente.

Os incentivos estaduais fortaleceram a economia regional como um destacado entreposto comercial. Cresceram e se diversificaram as atividades de recepção e distribuição de produtos, com impactos na cadeia de serviços e de fornecedores. Porém, tais impactos foram raquíticos para diversificar a indústria.

As loas às vantagens locacionais do estado se esvaem perante a fragilidade da infraestrutura de transportes que integra o estado ao restante do País. As rodovias federais não se modernizaram e os seus padrões se mantém tal como foram instalados há cinco décadas; as vias rodoviárias dentro do estado continuam sendo de padrões deficientes, mesmo que tenham mais, ou menos conservação de tempos em tempos. Por sua vez, as ferrovias continuam apenas como promessas e mais promessas há vários anos (basta ver os jornais do passado). Os governos e as lideranças estaduais foram incapazes de estimular transformações efetivas para a matriz de infraestrutura estadual e o impacto negativo sobre a economia foi inexorável.

Chama atenção a aversão dos líderes locais às análises desse teor, pois são incapazes de aceitarem debates sérios na busca de propostas consensadas. E, quase sempre, o mais cômodo é culpar o governo federal ou então as catástrofes ou crises no comércio internacional. Tem sido assim e continua há décadas.

De fato, o observado no ES é uma industrialização interrompida. Aquela primeira onda de transformação efetiva liderada pelo sistema GERES/BANDES dos anos setenta e oitenta até meados dos noventa se perdeu. As políticas estaduais seguintes não tiveram a capacidade de transformar a infraestrutura local e muito menos a indústria. Os números e os acontecimentos comprovam.

O argumento de que os resultados da indústria estadual derivam exclusivamente dos fenômenos externos não se sustenta. Não só a indústria de transformação, comentada por Nassif, mas a economia do ES também se posiciona entre as três últimas do ranking nacional. Tal queda ocorreu com mais intensidade exatamente nos cinco últimos anos, após a retirada imprópria da Presidente Dilma do poder. Vale lembrar que, no Estado, prevaleceu o entusiasmo da maioria de lideranças políticas e econômicas com os governos de cunho conservador, notadamente com o de extrema direita, agora derrotado nas urnas.

O discurso ufanista de lideranças políticas e empresariais sobre a economia capixaba precisa ser revisto. Esta prática não ajuda a encontrar caminhos que promovam a modernização econômica estadual.

Enfim, fica a lição. Os parágrafos do jornalista Luís Nassif tiveram o pendor de provocar um debate importante. Os discursos singelos de líderes locais agradam ouvidos de plateias dóceis, mas não contribuem para construir propostas que levem a transformações positivas para o setor industrial capixaba.

(*) Os autores são economistas, professores aposentados do Departamento de Economia da UFES e foram presidentes do Instituto Jones Santos Neves. O texto dos dois economistas foi feito originalmente para o Jornal GGN.