O procurador-geral quer que a União imponha sua vontade sobre os Estados e o Distrito Federal, argumentando que compete à União editar leis sobre atividades nucleares de qualquer natureza
Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para ocupar o cargo de procurador-geral da República, Augusto Aras, transformou o Ministério Público Federal (MPF) em um departamento do Governo federal. Dentro dessa ótica, Aras ajuizou várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) para requerer a anulação de dispositivos das Constituições de diversos Estados e da Lei Orgânica do Distrito Federal que impedem ou restringem a implantação de usinas nucleares, o tratamento de material radioativo ou a construção de depósitos de lixo atômico em seus territórios. A medida poderá afetar o Espírito Santo.
O Espírito Santo conta com a Lei ordinária 4.033/1987, em vigor e de autoria do então deputado estadual Jório de Barros e assinada pelo ex-governador Max de Freitas Mauro que dispõe sobre a implantação no Estado de usinas atômicas, de usinas para enriquecimento de urânio, de usinas para reprocessamento de combustíveis nucleares e de depósito para lixo atômico. A legislação capixaba é bastante democrática e prevê que a decisão cabe à Assembleia Legislativa, de permitir ou não. Caso aceite, deverá promover um referedum popular, para que a população decida se concorda ou não.
Aras não quer
No entanto, o procurador geral indicado por Bolsonaro não aceita democracia. Ele quer a imposição do que decidir o Governo federal. “Nas ações, a argumentação comum é a de que a União tem competência privativa para editar leis que disponham sobre atividades nucleares de qualquer natureza, transporte e utilização de materiais radioativos e localização de usinas nucleares”, diz o chefe do MPF.
O procurador-geral aponta a Lei federal 4.118/1962, que instituiu a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a Lei federal 6.189/1974, que regula as normas sobre instalações nucleares e transporte de material nuclear, e a Lei 10.308/2001, que regula aspectos relacionados aos depósitos de rejeitos radioativos e à seleção dos locais de armazenamento.
Sem espaço para o povo decidir
Segundo Aras, não há espaço legislativo para que Estados, Distrito Federal e municípios editem normas paralelas sobre a matéria. A disciplina pelos entes subnacionais dependeria de prévia edição de lei complementar federal, ainda não editada. As usinas nucleares tem sérios riscos e em caso de vazamento , como ocorreu em Chernobyl, que ocorreu em 26 de abril de 1986 na então Ucrânia da extinta União Soviética, acabou com a cidade. Os Estados devem contestar à posição política errada do procurador Aras, porque as consequências fatais vão ocorrer nos Estados e não dentro do Palácio do Planalto ou na sede do MPF.
As ações ajuizadas são: ADIs 6858 (AM), 6894 (MT), 6895 (PB), 6896 (GO), 6897 (PE), 6898 (PR), 6899 (MA), 6900 (DF), 6901 (BA), 6902 (AP), 6903 (AL), 6904 (AC), 6905 (RO), 6906 (RN), 6907 (RR), 6908 (RJ), 6909 (PI), 6910 (PA) e 6913 (CE). Aras ainda não citou a legislação estadual do Espírito Santo.
Íntegra da lei capixaba
LEI Nº 4.033, DE 23 DE DEZEMBRO DE 1987
O GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Faço saber que a Assembléia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º – A implantação no Estado do Espírito Santo e nas ilhas
oceânicas sob sua jurisdição, de usinas atômicas para a produção de energia nuclear, de usinas para enriquecimento de urânio, de usinas para reprocessamento de combustíveis nucleares e de depósitos para lixo atômico dependerão de autorização da Assembléia Legislava e, também, de referendum popular através da realização de plebiscito, ouvindo-se o conjunto de eleitores do Estado.
Art. 2º – A Assembléia Legislativa deliberará por maioria simples, sobre os pedidos de autorização prévia para as instalações industriais referidas no artigo anterior.
§ 1º – Logo que requerida a autorização, a antes da votação da Assembléia Legislativa, o Presidente da Mesa nomeará uma equipe de notório saber para emitir parecer sobre a localização pretendida.
§ 2º – Em vista da complexidade do exame, a equipe será composta de, no mínimo, onze especialistas das seguintes áreas:
– Engenharia Química
– Engenharia Civil
– Métodos Computacionais
– Química de Corrosão
– Ecologia
– Engenharia Elétrica
– Geologia
– Proteção Radiológica
– Hidrologia
– Instrumento e Controle
– Engenharia Mecânica
– Metalurgia
– Engenharia Nuclear
– Segurança Nuclear
– Garantia de Qualidade
– Operação de reatores
– Física de Reatores
– Confiabilidade de Sistema
– Sismologia
– Mecânica de Solos
– Engenharia Estrutural
– Termo-Hidráulica
– Transferência de Calor.
Art. 3º – Em caso de rejeição pela Assembléia Legislativa, fica dispensado o referendum popular de que trata o artigo primeiro.
Art. 4º – Se a Assembléia Legislativa autorizar as instalações industriais ou qualquer delas previstas no artigo primeiro, o Presidente da Assembléia Legislativa deverá proceder a consulta popular prevista.
§ único – Enquanto não ocorre o referendum popular, a eventual autorização da Assembléia Legislativa não entrará em vigor.
Art. 5º – A rejeição pela maioria simples dos eleitores, em referendum, torna sem efeito a autorização da Assembléia Legislativa.
Art. 6º – Rejeitada pela Assembléia Legislava ou pela população do Estado através de plebiscito, a autorização para as instalações previstas no art. 1º, o mesmo pedido somente poderá ser submetido a Assembléia, transcorridos dois anos da ultima apreciação.
Art. 7º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 8º – Revogam-se as disposições em contrário. Ordeno, portanto, a todas as autoridades que a cumpram e a façam cumprir como nela se contém.
O Secretário de Estado da Justiça faça publicá-la, imprimir e correr.
Palácio Anchieta, em Vitória, 23 de dezembro de 1987.
MAX FREITAS MAURO
Governador do Estado
SANDRO CHAMON DO CARMO
Secretário de Estado da Justiça