Texto: Nelson Oliveira/Agência Senado
Na cabeça de quem instala trambolhos metálicos num banco de praça, pinos pontudos numa mureta ou até floreiras em frente a uma vitrine, o que se quer é evitar que mendigos e transeuntes cansados ocupem indevidamente locais destinados à circulação, a compras, e possam representar, além de danos à imagem dos lugares, ameaças à higiene e à segurança. No entanto, o resultado dessas ações é o bloqueio à plena e saudável utilização dos espaços públicos e daqueles na fronteira entre o privado e o público, o que piora o padrão da cidadania.
O problema é antigo, mas esses elementos arquitetônicos hostis passam quase despercebidos por muita gente, como se fizessem parte do que é esperado na paisagem das cidades. Não fosse o insólito protesto realizado no dia 2 de fevereiro último pelo padre Júlio Lancelotti em São Paulo, a questão continuaria enevoada aos olhos do grande público e da classe política. Coordenador da Pastoral do Povo de Rua da arquidiocese da capital paulista, o padre utilizou-se de uma marreta para quebrar parcialmente os blocos de pedras pontiagudas afixados pela prefeitura na parte de baixo dos viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro, localizados na Avenida Salim Farah Maluf, Bairro do Tatuapé, Zona Leste.
Lancelotti não teve dúvidas quanto ao propósito dos paralelepípedos: afastar dali as pessoas em situação de rua que eventualmente quisessem ocupar os dois vãos como abrigo ou ponto de parada. Ele tachou a medida de “higienista”.
Com a repercussão do ato nas redes sociais e na imprensa, a prefeitura alegou que, sem autorização superior, um funcionário havia mandado instalar os empecilhos, posteriormente retirados ao custo de aproximadamente R$ 40 mil, segundo o jornal Folha de S. Paulo. A colocação custara R$ 8,4 mil aos cofres públicos, mas a retirada teria sido custeada pela construtora responsável pela obra.
Senador Fabiano Contarato
Antes mesmo que esses custos fossem conhecidos, o Senado aprovou, em 31 de março, um projeto que proíbe o uso de arquitetura urbana de caráter hostil ao livre trânsito da população de rua em espaços de uso público. De autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), o PL 488/2021 altera o Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001). Relatada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), a proposta seguiu para a Câmara dos Deputados com emenda que dá à futura lei o nome de “Padre Júlio Lancelotti”.
Na justificativa do projeto, Contarato adverte que o episódio nos dois elevados não se caracteriza como um fato isolado. Segundo ele, muitas cidades brasileiras são palco da também chamada arquitetura defensiva ou desenho desconfortável. Uma razão apontada pelo parlamentar é a especulação imobiliária em certas áreas:
“A ideia que está por trás dessa lógica neoliberal é a de que a remoção do público indesejado em determinada localidade resulta na valorização de seu entorno e, consequentemente, no aumento do valor de mercado dos empreendimentos que ali se localizam, gerando mais lucro a seus investidores”.
Plenário
Esses argumentos não convenceram o senador Carlos Viana (PSD-MG). Na discussão do projeto em Plenário, ele disse temer que a possível lei venha a limitar o poder de decisão dos gestores municipais: “Arquitetura hostil, técnicas hostis são termos abstratos que podem nos levar muitas vezes à completa nulidade das possiblidades de uma prefeitura resolver questões ligadas a moradores de rua ou em rua”, argumentou, mencionando canteiros como uma das alternativas de intervenção. Ele sugeriu o debate do assunto com associações de prefeitos, gestores municipais e com o Ministério Público.
No entender de Contarato, o termo “arquitetura hostil” é suficientemente claro e embasado por arquitetos e instituições relacionadas ao tema. O senador pelo Espírito Santo ressaltou o artigo 182 da Constituição federal, “claro quando determina que a política de desenvolvimento urbano seja executada pelo poder público municipal a partir das diretrizes gerais fixadas em lei pela União”. O que está em jogo, acrescentou o senador, é “o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade que garanta o bem-estar dos seus habitantes”. Isso está acima do interesse das prefeituras porque significa “o interesse da cidade como um todo”.
“Estado sob pressão do capital financeiro”
Contarato, assim como Lancelotti, não defende a manutenção de pessoas nesses espaços, mas vê nas restrições à sua presença em ruas e outros logradouros o agravamento do problema social e não uma solução. “Não bastassem a invisibilidade e as mazelas sofridas pelas pessoas em situação de rua, que hoje totalizam cerca de 222 mil indivíduos no Brasil, o Estado, sob pressão do capital financeiro, tenta removê-los até mesmo de um lugar em que se abrigam da chuva”, assinalou o autor da proposta.
Ele compreende o desenvolvimento urbano como intimamente vinculado à diminuição do número de pessoas marginalizadas: “A raiz do problema está na pobreza, na marginalização e na falta de moradia digna. Tirar pessoas vulneráveis do alcance da vista não resolve tais problemas. Pelo contrário, aprofunda ainda mais a desigualdade urbana”.
População em situação de rua
Os pontos de vista de Contarato foram reforçados por Paim em seu relatório, no qual cita o agravamento do quadro de degradação social pela pandemia da covid-19, que atinge fortemente a população em situação de rua. Ele inseriu emenda no PL 488 prevendo que a arquitetura urbana deverá promover conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos espaços livres de uso público, de seu mobiliário e de suas interfaces com os espaços de uso privado.
“A desagradável experiência propiciada ao pedestre contribui, ainda, para outros problemas urbanos, pois induz as pessoas ao uso do automóvel, gerando, cada vez mais, poluição, congestionamento de trânsito e espraiamento urbano”, escreveu Paim.
“Antimendigo”
O projeto é elogiado pelo seu inspirador. À Agência Senado Lancelotti recomendou que a lei seja complementada por políticas públicas na área habitacional voltadas a dar maior autonomia à população de rua em um novo contexto. “É um projeto importante, interessante e feito a partir do que a própria população de rua sente: hostilidade”, diz o padre, que vê a arquitetura defensiva, popularmente chamada de “antimendigo”, espalhar-se pelo Brasil.
De acordo com ele, o objetivo de quem apóia as pessoas em situação de rua não é que elas fiquem embaixo de viadutos ou na porta de bancos, mercados, igrejas, mas que tenham moradias adequadas. “A maior hostilidade é ausência de resposta”, diz.
O padre menciona várias medidas já normatizadas e testadas, mas não efetivamente implementadas no país, a exemplo da moradia social e das repúblicas, modelos nos quais o Estado providencia residências, mas não transfere a propriedade delas aos moradores, para evitar a venda dos imóveis, que passam à administração dos ocupantes. No caso dos cidadãos com distúrbios psíquicos ou dependência química, a saída seriam as residências terapêuticas.
“A resposta é a autonomia. Eles não podem ficar dependendo de alguém que limpe ou cozinhe”, defende Lancelotti, ansioso quanto à tramitação do projeto na Câmara dos Deputados: “Deve estar perdido lá”.
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Quem consulta a página da matéria na Câmara é informado de que o PL 488 aguarda parecer do relator, deputado Joseildo Ramos (PT-BA), na Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU). Depois segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). A proposta tramita em regime de prioridade, por ter sido enviada pelo Senado, o que obriga a sua votação no prazo de dez sessões em cada comissão, e está sujeita à deliberação pelo Plenário da Casa.
Para Débora Raquel Faria, mestre em Arquitetura pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), o projeto tem entre suas qualidades “garantir visibilidade ao problema da arquitetura hostil nas cidades”, por incidir sobre a lei maior do planejamento urbano nacional, o Estatuto da Cidade. “No entanto, a eficácia da lei depende da vontade e da fiscalização das administrações municipais, principalmente, pois são as prefeituras que conseguem identificar como esse tipo de instalação interfere em seu território”, disse a arquiteta, que teve sua dissertação de mestrado citada por Paim no relatório ao PL 488.
“É necessária uma mudança cultural em como olhamos o espaço público”, afirma a pesquisadora. No trabalho apresentado à UFPR no ano passado (“Sem descanso — Arquitetura Hostil e Controle do Espaço Público no Centro de Curitiba”), Débora chama a atenção para a visão do cenário urbano como uma fonte de perigo a exigir constantemente medidas drásticas de segurança. A “cultura do medo”, na expressão cunhada pelo arquiteto e estudioso mexicano Alfonso Valenzuela-Aguilera, não envolve, segundo Débotra, apenas o medo da violência, “mas o medo de estranhos, o medo do outro, medo dos pobres e o medo do próprio espaço urbano”.
“Controle social e de acesso”
As áreas públicas mostram-se mais afetadas por essa dinâmica, na qual os diferentes medos se confundem, o que leva à demanda por “controle social e de acesso”, com a instalação de guaritas e o exercício da segregação espacial. Ao mesmo tempo, “estratégias de controle do espaço público guardam, como segunda função, a proteção contra classes vistas como perigosas ou indesejadas”.
A arquiteta paranaense faz um extenso apanhado da literatura a respeito da arquitetura hostil, no qual fica claro que esse expediente remonta ao próprio surgimento das cidades, embora ao longo dos anos o termo urbano tenha ganhado equivalência com civilizado, em oposição à aspereza do mundo rural. O quadro em vigor hoje começou a ser observado há aproximadamente três décadas em várias partes do mundo, em razão de complexas interações, nas quais sobressai o aumento de políticas autoritárias com o advento da “globalização e de perda das identidades locais”.
No Brasil, aponta o estudo “as estratégias de segurança patrimonial se difundiram principalmente a partir da década de 1990, com o aumento da violência no país, guiadas por um discurso de combate ao crime”. Paradoxalmente, essas estratégias foram adotadas a despeito da redemocratização iniciada em 1985. Muitos gestores optaram “por soluções repressivas e coercivas de manutenção da ordem, em detrimento de medidas focadas no desenvolvimento social e alternativas de contenção à violência”.
Mais recentemente, a aceleração da tecnologia digital e a transferência de muitas atividades de lazer e cultura para o âmbito privado lançou ainda mais suspeita sobre um suposto caráter perigoso dos espaços públicos. Pesa sobre eles a pecha de serem “usados apenas por pessoas que não têm acesso a espaços privados”, conforme a estudiosa. Na verdade, salienta Débora, “o espaço público oferece muitas oportunidades de vivência e de nos confrontarmos de maneira mais natural com nossa realidade urbana. É um espaço essencial para a vitalidade das nossas cidades”.
Mais aquinhoados
Uma das conclusões da pesquisa é que, embora os cidadãos mais favorecidos demandem e apóiem medidas de contenção da população marginalizada, e o façam eles mesmos nos espaços confrontantes de suas propriedades com a rua, as limitações impostas por meio de elementos arquitetônicos hostis acaba sendo um perda para todos — justamente porque esses mais aquinhoados terminam por privar-se da possibilidade de se movimentarem mais livremente e aproveitar tudo o que o espaço público tem de bom, como praças e parques.
“A arquitetura hostil diminui as áreas públicas utilizáveis e diminui, por consequência, a oportunidade de sociabilidade entre indivíduos”, diz a arquiteta. Ela aponta entre os fatores a serem vencidos para evitar um ambiente urbano cada vez mais caótico o papel de negócios bastante rentáveis — o da segurança privada é um:
“Posso dizer que há conhecimento suficiente para criar espaço públicos mais humanos e que, individualmente, algumas pessoas já fazem sua parte. Por outro lado, o amplo acesso ao espaço público requer vontade política de governos locais e a mudança de uma cultura de segregação e de medo. Tal mudança não é fácil nem imediata”, assinalou.
De acordo com Débora, quem atua efetivamente no sentido “de facilitar a vida da população em situação de rua” são ONGs e outras entidades da sociedade civil organizada. Mas o desafio é enorme dado o arsenal gigantesco e variado de elementos que a pesquisadora registrou no centro da cidade que nos anos 70 foi a vanguarda em transformações urbanísticas voltadas a ampliar e tornar confortável o espaço para os pedestres: Curitiba. O principal artífice dessa onda foi o arquiteto Jaime Lerner (1937-2021), prefeito da cidade por três vezes, a primeira delas entre 1971 e 1975, e governador do Paraná por duas vezes.
“Como acontece com outras cidades brasileiras, o espaço público da cidade de Curitiba apresenta uma infinidade de arquiteturas hostis, tais como pinos em bancos e soleiras, gradeamento de nichos e de espaços residuais em fachadas, implantados por empreendimentos privados e mesmo, por vezes, pelo próprio poder público”, diz o estudo apresentado à UFPR.
Impedir moradores de rua
Um exemplo citado por Débora é a colocação de manilhas e floreiras como forma de impedir a utilização do viaduto Capanema por moradores de rua. Classificada de meramente paisagística, a medida findou “por bloquear a área de abrigo para a população sem teto e também grande parte do passeio”. Os “arranjos vegetais” são a segunda categoria mais encontrada no perímetro pesquisado, com 103 ocorrências, atrás dos pinos (123) e à frente das grades (91). Espetos e planos inclinados (alterações em muretas, por exemplo) somaram, respectivamente, 16 e 15 ocorrências.
Esses elementos podem inclusive estar combinados, oferecendo graves riscos à saúde e à vida, caso da chapa de ferro com espetos localizada em frente a uma loja na Rua Riachuelo. “Posicionada apenas fora de horário comercial, representa uma das estratégias mais violentas encontradas”, diz o trabalho.
A arquitetura hostil concentra-se, de acordo com o levantamento, “nas regiões mais movimentadas, com maior fluxo de pedestres e com intensa atividade comercial”. Já o número de elementos “tem relação com a localização dos terminais de ônibus urbanos, com o tráfego de pedestres e com a presença de população em situação de rua”. Em consequência, inibe-se o descanso e permite-se que estruturas privadas “avancem sobre o espaço público e semipúblico”. As restrições não atingem somente o chamado espaço material, que se limita a um corredor no qual as pessoas transitam entre um destino e outro, mas igualmente o imaterial, ao impossibilitarem “o desenvolvimento de relações mais estreitas entre indivíduos, e entre os indivíduos com o próprio espaço”.
As perdas ultrapassam a esfera da sociabilidade, já em baixa por causa do ritmo frenético da vida contemporânea. O isolamento social e a utilização de calçadas, praças e nichos apenas como rota de passagem para o trabalho e outros compromissos, impedem os cidadãos de fazerem contatos e trocas culturais e emocionais, lançando-os numa espiral de estranheza que amplifica o medo e tolhe o conhecimento e a formação de identidades coletivas. “Com isso, a esfera política também é varrida do espaço público cotidiano”, conclui a estudiosa.
A camada das relações políticas, essencial a um mínimo de coesão e saúde do tecido urbano, enquanto relação entre os moradores e organização do espaço, se insere em um conceito bastante difundido no Brasil a partir dos protestos de 2013 e que é mencionado pelo senador Fabiano Contarato na justificativa do seu projeto: o do “direito à cidade”. Lançado pelo filósofo marxista e sociólogo francês Henri Lefebvre (1901-1991) em seu livro de mesmo nome, Le Droit à la Ville (1968), e disseminado nos anos 2000 pelo geógrafo britânico David Harvey, o lema encerra mais do que a disponibilização de equipamentos e serviços públicos, por mais eficientes que sejam.
Cidade para usufruto do cidadão
A cidade deve ser permitida ao usufruto pelos cidadãos, que têm do mesmo modo o direito a geri-la por meio de interferências democráticas e transformá-la o tanto quanto desejarem. Lefebvre falou na “demanda…[por] um acesso renovado e transformado à vida urbana”. Harvey acrescentou: “o direito a fazer e refazer nossas cidades e nós mesmos é, como quero argumentar, um dos mais preciosos, e ainda assim mais negligenciados, de nossos direitos humanos”.
Contarato lembra que esse direito, frequentemente obstaculizado pela sede incessante de lucros, está expresso na Constituição, que em seus capítulos 182 e 183 é regulamentada pelo Estatuto das Cidades, justamente a lei que pode ser alterada, caso o PL 488 venha a ser aprovado. Tanto em uma quanto em outra norma, o direito à moradia é garantido, mas o não cumprimento do mandato constitucional e do estatuto é apontado como uma das principais causas da ocupação dos logradouros pelos sem-teto.
Se a política habitacional voltada à população que aufere renda de maneira continuada enfrenta seguidas contramarchas, o atendimento às carências de pessoas que vivem de atividades incertas (recolhimento de materiais recicláveis, bicos e mendicância) é meramente episódico.
O aluguel social é um dos programas mencionados pela arquiteta paranaense Débora Raquel Faria entre as iniciativas de alguma relevância nesse campo, da mesma forma que o programa Moradia Primeiro, desenvolvido pela ONG InRua e pelo Movimento Nacional da População em Situação de Rua e algumas parcerias com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP).
O fato é que o país está inserido de uma maneira peculiarmente confusa no contexto mundial de crescimento da população de rua. A situação, de fato, não é favorável em quase lugar nenhum. O único país na Europa com fama de sucesso na diminuição dos sem-teto é a Finlândia, que em 1989 tinha 4,2 mil pessoas vivendo as ruas ou em abrigos, mas reduziu esse contingente a apenas 512 em 2018. O número, entretanto, voltou a subir em 2019 (1,1 mil) e 2020 (1,2 mil). Ainda assim, representa 0,0002% dos 5,5 milhões o país (estimativa de 2018).
O governo finlandês, porém, promete não descansar até resolver o déficit de moradias e inseriu um capítulo especial sobre o tema em seu relatório do orçamento quadrianual 2019-2022. A “empresa sem fins lucrativos” A-Kruunu tem planos para dobrar sua produção de moradias, segundo o informe. Para isso, será capitalizada em 50 milhões de euros, de modo a aumentar sua produção anual de habitações de aluguel social na região de Helsinque, a capital, “a preços razoáveis”, para 800 apartamentos — o dobro do nível do ano passado. E vai expandir sua construção para as regiões metropolitanas maiores.
A capitalização facilitará igualmente as construções em madeira e projetos de conceito criados para as necessidades de mudança do mercado habitacional. “O governo quer reduzir pela metade o número de desabrigados até 2022”, anuncia o relatório. Diante desse desafio, pretende aumentar as subvenções ao investimento “para grupos especiais” em 20 milhões de euros no quadriênio.
“O dinheiro será direcionado para a aquisição no mercado de apartamentos para sublocação a moradores de rua em condições de viver com independência. Além disso, abrigos de emergência serão substituídos por apartamentos”, diz o documento, que registra a intenção do governo de adotar outras medidas de política habitacional, entre as quais o aproveitamento de terrenos não estratégicos em distritos ferroviários adequados à construção de moradias.
Na opinião do professor, escritor e pesquisador em arte e cultura da Universidade Federal Fluminense (UFF), o espaço público no país está suprimido, o que se pode constatar por restrições arquitetônicas à permanência das pessoas nos logradouros, principalmente da população em situação de rua, mas também pela repressão a formas de expressão e protesto.
Império da família
“A sociabilidade está restrita ao império da família”, lamenta Guelman, que é superintendente do Centro de Artes da UFF e integra o Programa de Pós-graduação em Cultura e Territorialidades daquela instituição. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela mesma Universidade Federal Fluminense, ele tem mestrado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e doutorado em Literatura Comparada pela UFF. Também se notabilizou por idealizar e coordenar o Projeto Rio com Gentileza, que promoveu duas ações de restauração (em 2000 e em 2010) da obra mural do Profeta Gentileza na cidade.
A partir de suas pesquisas, ele escreveu dois livros sobre a obra e os ensinamentos de José Datrino (1917−1996), o Profeta Gentileza, pregador e autor de painéis artísticos com mensagens de paz: Univvverrsso Gentileza e Brasil, Tempo de Gentileza. Guelman diz que o legado do autor do lema “gentileza gera gentileza” aponta para uma urgente humanização do meio urbano, de modo que se restabeleça o direito de acesso às cidades como “um caminho fundamental para as políticas públicas”.