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Bolsas de pós-graduação completam nove anos sem reajuste no Brasil, por Daniel Consul e Rafael Pahim


Congelamento nominal dos valores pagos às bolsas de pós-graduação pela Capes e pelo CNPq explicita descaso dos últimos governos para com a ciência nacional


Foto SBPC

Por Daniel Consul [1] e Rafael Pahim [2]/Reprodução Jornal GGN

Apesar de ter demonstrado, mais uma vez, a sua enorme importância durante o período da pandemia da Covid-19, a ciência brasileira continua desprestigiada dentro da institucionalidade política brasileira. Um dos fatores em que esse desprestígio se revela de forma mais explícita diz respeito à remuneração dos/as cientistas brasileiros/as, em sua maioria financiados/as por dois órgãos Estatais de fomento à pesquisa, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Essa remuneração é feita através do pagamento mensal de bolsas de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado, entre outras). Serve, além disso, para que os/as alunos/as consigam dedicar-se de forma integral e exclusiva ao cumprimento dos créditos acadêmicos exigidos pelos seus programas de pós-graduação bem como à escrita de dissertações, teses, artigos e a realização de pesquisas e estudos estratégicos com o setor público e com parcerias público-privadas.

Não obstante o intenso grau de exigência e comprometimento intelectual para permanência em uma pós-graduação, é bastante comum que no Brasil esses cursos ocorram em horários matutinos e/ou vespertinos, o que impede ou prejudica a conciliação entre os estudos e a pesquisa com a realização de trabalho remunerado por parte dos/as alunos/as. Nesse sentido, a conquista de uma bolsa, para a grande maioria dos/as pesquisadores/as, é condição indispensável para a inscrição e permanência em uma pós-graduação. Entretanto, a ocorrência de diversos anos com inflação elevada e o congelamento nominal da remuneração tem corroído o poder de compra das bolsas pagas tanto por Capes quanto por CNPq.

O último reajuste feito a essas bolsas ocorreu através da Portaria Conjunta Capes/CNPq nº 1, publicada em 28 de março de 2013, durante o primeiro governo de Dilma Rousseff. Àquela época as bolsas de mestrado foram reajustadas para R$ 1.500,00, as bolsas de doutorado para R$ 2.200,00 e as bolsas de pós-doutorado para R$ 4.100,00. Entre abril de 2013 e fevereiro de 2022, a inflação acumulada mensurada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA – índice oficial de inflação do país), ficou em torno de 69,2%, o que explicita a expressiva perda de poder de compra da remuneração dos pesquisadores brasileiros ao longo desses últimos nove anos.

No mesmo período, vale destacar, o IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado) acumulado foi da ordem de 118%. Esse índice é relevante para os bolsistas de pós-graduação, uma vez que afeta os contratos de aluguéis, tendo em vista que a concentração de cursos nas capitais das regiões sul e sudeste impõe uma maior migração de alunos entre estados e cidades.

Considerando a ocorrência inflacionária e o congelamento nominal, a perda real nos valores das bolsas tem sido de ampla magnitude: a preços de fevereiro de 2022, a bolsa de mestrado equivalia, em abril de 2013, a R$ 2.538,62; na mesma base comparativa, a bolsa de doutorado equivalia a R$ 3.723,31. Esses são os valores que deveriam ser pagos atualmente caso as bolsas tivessem sido reajustadas apenas pela inflação do país – sem qualquer aumento real em seu poder de compra. A título de comparação, tanto as bolsas de mestrado quanto de doutorado se encontram abaixo do rendimento salarial médio brasileiro, atualmente por volta de R$ 2.400,00. Os gráficos a seguir explicitam a perda de poder de compra das bolsas de mestrado e doutorado no período 2013-2022:

Fonte: elaboração própria a partir de dados da Capes, do CNPq e do IBGE

O cenário de redução no poder de compra dos pós-graduandos é acompanhado pelos sucessivos cortes no orçamento da pesquisa brasileira em geral. A CAPES, principal agência de fomento à pesquisa no país, vive uma tendência de cortes orçamentários desde 2015, ano em que a fundação alcançou o seu orçamento recorde – 183% maior que a rubrica de 2021 (valores reais). O mesmo drama orçamentário é presenciado no CNPq, cujo montante executado de 2021 foi pouco acima de um terço do efetivado no ano de 2013, chegando ao patamar mais baixo desde, pelo menos, o início dos anos 2000. Além das reduções financeiras, 2016 marcou uma quebra na tendência de aumento na concessão de bolsas pela Capes, inclusive com uma queda nas cotas para os cursos de mestrado. O período de 2004 a 2015 foi responsável pelos maiores aumentos nas rubricas orçamentárias, na concessão de bolsas e no rendimento dos bolsistas-pesquisadores.

Fonte: elaboração própria a partir de dados da Capes e do IBGE

Não há dúvidas de que a ciência é fundamental para a promoção do desenvolvimento econômico e social de um país. Sua importância, ainda que por muitas vezes negligenciada, pôde ser, outra vez, atestada durante a pandemia do Covid-19, mesmo com a política de cortes orçamentários ameaçando o trabalho dos/as pesquisadores/as brasileiros/as. No mesmo sentido, convém mencionar que a ciência é formada por trabalhadores/as, os/as quais merecem uma remuneração dignas às exigências e sacrifícios que a posição impõe. No caso brasileiro, à luz das baixas remunerações e da competição com os mercados privados e externos, os trabalhos dos/as pesquisadores/as em solo nacional se tornam cada vez menos atrativos; essa menor atratividade é responsável pela queda na produtividade e na qualidade das pesquisas realizadas em solo nacional, gerando efeitos de entrave ao desenvolvimento econômico brasileiro.

Vale destacar que fundações estaduais de amparo à pesquisa como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) recentemente anunciaram reajustes aos valores pagos às bolsas de pesquisas. Os valores pagos às bolsas de mestrado por essas instituições são de R$ 2.000,00 (FAPERJ e FACEPE) e R$ 2.349,60 (primeiro ano) e 2.494,20 (segundo ano) (FAPESP). No que tange às bolsas de doutorado, os valores são de R$ 2.875,00 (FAPERJ), R$ 3.000,00 (FACEPE) e entre R$ 3.462,60 a R$ 4.285,50 (corrigido anualmente ao longo dos quatro anos) (FAPESP).

É possível verificar, entretanto, que à exceção do segundo ano em diante das bolsas pagas pela FAPESP, os demais valores ainda estão abaixo, em termos reais, daqueles verificados no último reajuste feito pela Capes e CNPq em 2013. Entretanto, ainda assim, são valores consideravelmente superiores aos que são atualmente pagos pelas duas agências federais de fomento à produção científica.

Considerando os aspectos apresentados, defendemos que a retomada da valorização dos/as pesquisadores/as brasileiros/as é tarefa primordial a ser realizada pelo próximo governo que assumir o Poder Executivo Federal. O descaso para com a remuneração de nossos/as cientistas tem contribuído para afastá-los da academia brasileira, gerado fuga de cérebros para outros países e elitizado o sistema de pós-graduação nacional, já que nesse ritmo apenas pesquisadores/as com condições financeiras estáveis poderão produzir ciência no país. É urgente que esse tema seja tratado com a devida seriedade e a Capes e o CNPq retomem o protagonismo de outrora.

[1] Historiador, Mestre e Doutorando em Economia pela Universidade Federal Fluminense.

[2] Economista, Mestre e Doutorando em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.