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Bolsonaro, incentivador da volta de hospícios, é denunciado pelo Movimento Nacional de Luta Antimanicomial

O Hospital Colônia de Barbacena era o depósito de rejeitados da sociedade, onde 70% não tinham sinais de loucura | Foto: Arquivo

Defensor à regressão do Brasil ao início do Século XX, quando os rejeitados da sociedade eram levados à força para hospitais psiquiátricos, que funcionavam como campo de concentração que adotava métodos nazistas de tortura, o presidente Jair Bolsonaro (PL) está sendo acusado por Integrantes do movimento antimanicomial de dificultar a realização da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, prevista para maio de 2022. O assunto foi denunciado nesta última terça-feira (14) em audiência pública da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, por André Ferreira, do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial.

“A gente vem aqui reafirmar nossa preocupação com esses entraves que têm surgido; primeiro, para a gente conseguir o agendamento para conferência, e agora a gente vê que o próprio processo de colocar a engrenagem para funcionar também tem sido dificultado”, disse. Os participantes da audiência também disseram que o governo está promovendo ações contrárias à lei da Política Nacional de Saúde Mental, em vigor desde 2001. Segundo eles, o investimento público está sendo direcionado para hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas, em vez de instituições como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

De acordo com Francisco Cordeiro, da Associação Brasileira de Saúde Mental, a internação do paciente não é o recurso mais adequado. “A maior parte dos recursos está indo para qualquer tipo de dispositivo que preveja a internação. E nós sabemos que isso não é o mais efetivo, o mais adequado e o mais razoável do ponto de vista tanto sanitário quanto dos direitos humanos”, disse.

As críticas foram reforçadas por Simone Paulon, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. “Já vai para o quarto ano do seu governo numa operação de desmonte, deliberadamente contrária à legislação vigente. Nós temos um SUS subfinanciado e, dentro do SUS, a gente sabe que mais subfinanciado é saúde mental”, observou.

Autora do pedido para a realização da audiência, a deputada Erika Kokay (PT-DF) disse que vai formalizar ao governo um pedido de financiamento da conferência.  “Nós vamos fazer um requerimento de informação, solicitando ao governo o financiamento da Conferência, que aqui houve um compromisso de que ela seria financiada pelo Ministério da Saúde”, disse. Erika Kokay também informou que vai solicitar ao governo o detalhamento dos recursos destinados à política de saúde mental, bem como do processo de credenciamento dos Centros de Atenção Psicossocial.

Projeto de Bolsonaro: a volta dos hospícios

Não é novidade que a acusação de que Bolsonaro está agindo para dificultar a realização de uma conferência preparada por profissionais da psiquiatria que integram o movimento antimanicomial. O atual presidente já deu inúmeras declarações a favor da volta dos hospícios e foi além. No ano passado o seu Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica e reorientou as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental (PNSM). Leia a seguir a íntegra da Lei 10.216, que instituiu a PNSM e que sofre ataques de Bolsonaro, em arquivo PDF:

L10216

Entre as alterações está a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia — eletrochoques — para o Sistema Único de Saúde (SUS), internação de crianças em hospitais psiquiátricos e abstinência para o tratamento de pessoas dependentes de álcool e outras drogas. O intuito de Bolsonaro é por um fim na validade da Lei 10.216, de de 6 de abril de 2001, em vigor e assinada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi formulada dentro de um movimento internacional para a extinção de campos de concentração denominados de “hospício”. Leia as Diretrizes de Saúde Mental criadas pelo governo Bolsonaro e que visam fazer com que o Brasil regrida ao início do Século passado, em arquivo PDF:

diretrizes-saude-mental-e-politica-de-drogas-ministerio-da-saude

Foi essa lei, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e que redirecionou o modelo assistencial em saúde mental no Brasil. Foi essa legislação que instituiu a atuais diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental, agora ameaçadas pelo presidente de extrema-direita. Internação de crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos também são incentivadas na nota técnica do governo Bolsonaro, o que infringe o artigo 4º da Lei 10. 216.

“Holocausto brasileiro”, é o melhor documentário sobre os horrores do “hospício” de Barbacena (tem 1h30m de duração) | Vídeo: Vimeo

Holocausto brasileiro, o hospital de Barbacena

O Hospital Colônia de Barbacena era um hospital psiquiátrico fundado em 12 de outubro de 1903 na cidade de Barbacena (MG), onde era depositados os cidadãos indesejados pelas famílias brasileiras ricas, onde 70% dos internados não se configurava como loucos. O manicômio era formado por dezesseis pavilhões independentes, tendo cada um deles a sua função específica: Pavilhão “Zoroastro Passos” para mulheres indigentes; Pavilhão “Antônio Carlos” para homens indigentes; Pavilhão “Afonso Pena”; Pavilhão “Milton Campos”; Pavilhão “Rodrigues Caldas” e Pavilhão “Júlio Moura”.

A maioria dos internos eram as pessoas que não estavam com o padrão de vida normal, considerado “inadequado” aos costumes, como epiléticos, viciados em bebida alcoólica ou drogas, homossexuais, prostitutas, pessoas que incomodavam poderosos, meninas violentadas por patrões, esposas que eram largadas pelos maridos infiéis, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres perdidos e sem documentos que eram encaminhados, pessoas tímidas, e as crianças. O campo de contração dos rejeitados da sociedade somente começou a ser desativado em 1980.

60 mil mortos no holocausto de Barbacena

Pelo fato de os “pacientes” serem levados em vagões de trens, igual ao que faziam os nazistas com os judeus quando transportados para os campos de concentração, o hospital de loucos, como era chamado, a situação foi denominada de holocausto brasileiro. Os internados do Hospital Colônia de Barbacena eram torturados de todas as formas possíveis. Seja ela, a tortura física, moral ou psicológica: Os métodos de tratamento e as condições do Manicômio causaram a morte de mais de 60 mil pessoas. O período em que mais morreram pessoas nessa instituição foi por volta de 1960 a 1970, no início do Regime Militar no Brasil (1964-1985).

Com o alto índice de mortalidade no Colônia, o cemitério próximo já não possuía mais espaço para comportar tantos mortos. Visando uma alternativa, funcionários corruptos encontraram no tráfico de corpos uma maneira de amenizar a situação e lucrar com isso – diversas universidades ao redor do país encomendavam os restos mortais das vítimas do Colônia para seus laboratórios anatômicos, como por exemplo a Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais. Quando a procura era baixa, os corpos eram meramente dissolvidos em ácido.

A rotina de maus tratos consternava quem ali se encontrava numa situação deplorável de sobrevivência em ambientes malcuidados, espaços superlotados e insuficientes de abrigar uma quantidade de pessoas, além dos funcionários que covardemente agrediam e largavam os internados em condições precárias de higiene. A luta anti-manicomial mobiliza pessoas que lidam com saúde mental e são contrárias a volta de locais como o Hospital Colônia de Barbacena.