O presidente Jair Bolsonaro (sem partido)deu um atestado de total desconhecimento jurídico e de ausência de assessoria ao assinar uma petição de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para extinguir os decretos de medidas restritivas dos Governos do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul. Pela legislação em vigor, somente um advogado devidamente inscrito na OAB é que pode fazer essa solicitação em nome de um governante e não o próprio chefe do executivo.
O presidente não tem capacidade postulatória nesse sentido. Somente advogado. Bolsonaro não tem nem curso de nível superior e somente conseguiu a patente de capitão porque no meio militar é de praxe conceder a aposentadoria uma patente superior, a fim de elevar a remuneração. Quando pediu a aposentadoria tinha a patente de tenente. Assim, ausente pressuposto processual, extingue o processo sem sequer analisar se o presidente teria ou não razão no que pleiteou.
Erro grosseiro
Segundo o ministro decano do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, a ação contém “erro grosseiro”, incapaz de ser processualmente sanado, pois foi assinada por Bolsonaro, e não pelo advogado-geral da União (AGU), (AGU) José Levi Mello do Amaral Júnior. “O artigo 103, inciso I, da Constituição Federal é pedagógico ao prever a legitimidade do presidente da República para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, sendo impróprio confundi-la com a capacidade postulatória”, disse o ministro.
Ele assinalou que, “embora o chefe do Executivo personifique a União, a sua representação judicial cabe a AGU”, disse o ministro da sua decisão. O relator reafirmou o entendimento do STF de que União, estados, Distrito Federal e municípios formam uma espécie de “condomínio” na tarefa de cuidar da saúde e da assistência pública, cabendo ao presidente da República papel de liderança. “Ante os ares democráticos vivenciados, impróprio, a todos os títulos, é a visão totalitária. Ao presidente da República cabe a liderança maior, a coordenação de esforços visando o bem-estar dos brasileiros”, concluiu.
Bolsonaro queria passar por cima de decisão do próprio STF, que permitiu aos Estados e municípios tomarem decisões para a proteção da população em relação á pandemia do Covid-19. O seu alvo nesse pedido era contra os Governos do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul, que endureceram as restrições à circulação de pessoas diante da nova escalada da pandemia de Covid-19.
Nem avaliou o mérito
Em sua decisão, Marco Aurélio não chegou entrar no mérito da Adin e rejeitou a ação de imeditado, por erro crasso. “Ante os ares democráticos vivenciados, impróprio, a todos os títulos, é a visão totalitária. Ao presidente da República cabe a liderança maior, a coordenação de esforços visando o bem-estar dos brasileiros”, prosseguiu o decano da Corte.
Em abril do ano passado, os ministros decidiram que governantes locais têm autonomia para adotar medidas de quarentena e isolamento social. Antes disso, em março, o próprio decano decidiu que estados e municípios poderiam decidir sobre restrições em locomoção. A ação movida pelo presidente também pedia que o STF reconheça que o fechamento de serviços não essenciais não pode ser determinado por decretos – sendo necessária lei específica que passe pelas Assembleias Legislativas.
No documento, assinado pelo próprio presidente, e não pela Advocacia Geral da União (AGU), que costuma representar judicialmente os interesses do Planalto, Bolsonaro diz que as reduções ao horário de funcionamento de atividades consideradas não essenciais e os ‘toques de recolher’ decretados pelos governos estaduais são “uma decisão política desproporcional”.
Jurista Lenio Streck
Em entrevista à CNN na última sexta-feira (19), o jurista Lenio Streck, que é professor de Direito Constitucional e pós-doutor em direito, já tinha antecipado que a ação de Bolsonaro tinha poucas chances de ir adiante no Supremo. “O presidente está confundindo. Ele não, porque ele não sabe isso. Seus assessores estão confundindo conceitos”, afirmou Streck. “Uma coisa é uma legalidade extraordinária, que o Supremo decidiu que os governadores e prefeitos podem fazer medidas restritivas; outra é estado de exceção, que é antes do estado de defesa e do de sítio, para quando se tem guerra ou tsunami”, prosseguiu.
Já os governadores do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal, alvos da ação, rebateram a iniciativa do presidente. “Não é de se surpreender, (Bolsonaro) já atrasou o país em tudo o que pode na compra de vacinas, chega atrasado também na ação, uma vez que nosso decreto tem a vigência prevista até dia 21, o próximo domingo”, disse Eduardo Leite (PSDB-RS), na sexta-feira (19). “Os decretos não têm nada de inconstitucionais e foram editados dentro da competência a mim estabelecida na própria constituição e na lei”, completou Ibaneis Rocha (MDB-DF).