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Brasil atinge uma das três metas da ONU para acabar com epidemia de HIV/Aids


Relatório do Unaids aponta que país tem 990 mil pessoas vivendo com o vírus; agência da ONU aponta desigualdade como grande obstáculo; representante brasileira da entidade alerta para efeito de ações punitivas na comunidade Lgbtqia+


Símbolo da campanha global de combate ao HIV/Aids | Foto: ONU

Um novo relatório divulgado pelo Programa Conjunto da ONU sobre HIV/Aids, Unaids, revela que o Brasil atingiu uma das três metas recomendadas para acabar com a epidemia de Aids até 2030. De acordo com o estudo, 88% das pessoas que vivem com HIV possuem o diagnóstico, 83% estão em tratamento retroviral e, entre eles, 95% estão com a carga viral suprimida. A agência da ONU sugere que todos os indicadores alcancem os 95%.

No entanto, segundo o Unaids, o país ainda enfrenta obstáculos, causados especialmente pelas desigualdades, que impedem que pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade tenham pleno acesso aos recursos de prevenção e tratamento do HIV.

Legislações criminalizadoras em debate nos parlamentos

A representante do Unaids no Brasil, Ariadne Ribeiro Ferreira, alerta que há um movimento em casas legislativas municipais, estaduais e até mesmo no Congresso de “apresentar legislações criminalizadoras e punitivas” que afetam diretamente a comunidade Lgbtqia+, especialmente pessoas trans.

Para ela, este movimento soma-se às desigualdades, aumentando o estigma e a discriminação de determinadas populações e pode contribuir para impedir o Brasil de alcançar as metas de acabar com a Aids até 2030.

Segundo o Unaids, globalmente, 39 milhões de pessoas estão vivendo com HIV, sendo 990 mil no Brasil. O número de pessoas em tratamento antirretroviral é de 29,8 milhões em todo o mundo e 723 mil no país.

Já o número de infecções por HIV chegou ao total de 1,3 milhão, sendo 51 mil no Brasil. De acordo com o Unaids, o número de mortes até 2022 foi de 620 mil, com 13 mil dos casos em território brasileiro.

Avanço das metas

Na perspectiva do Unaids, há um caminho claro para acabar com a Aids como ameaça à saúde pública. O relatório revela que países como Botsuana, Eswatini, Ruanda, Tanzânia e Zimbábue já alcançaram as metas para lidar com a doença.

Outras 16 nações, oito das quais na África Subsaariana, região que representa 65% de todas as pessoas vivendo com HIV, também estão próximas de alcançar essas metas.

Além desses dados, o relatório O Caminho que põe fim à Aids traz detalhes e estudos de caso que destacam que o fim da doença é uma escolha política e financeira, e que os países e lideranças que já estão seguindo esse caminho estão obtendo resultados extraordinários.

Papel das lideranças

A diretora executiva do Unaids, Winnie Byanyima, defende que o fim da Aids é uma oportunidade para as lideranças de hoje deixarem um legado extraordinariamente poderoso para o futuro.

Para ela, essas lideranças podem ser lembradas pelas gerações futuras como aquelas que puseram fim à “pandemia mais mortal do mundo”, salvando vidas e protegendo a saúde de todas as pessoas. O relatório destaca que as respostas ao HIV têm sucesso quando estão baseadas em uma forte liderança política.

As medidas incluem respeitar a ciência, dados e evidências, enfrentar as desigualdades que impedem o progresso na resposta ao HIV e outras pandemias, fortalecer as comunidades e as organizações da sociedade civil em seu papel na resposta e garantir financiamento suficiente e sustentável.

Mais investimentos e avanço na descriminalização

O relatório do Unaids mostra que o progresso rumo ao fim da Aids tem sido mais forte nos países e regiões que têm maior investimento financeiro. Na África Oriental e Austral, por exemplo, as novas infecções por HIV foram reduzidas em 57% desde 2010 e o número de pessoas em tratamento antirretroviral triplicou, passando de 7,7 milhões em 2010, para 29,8 milhões em 2022.

Graças ao apoio e investimento no combate à Aids em crianças, 82% das mulheres grávidas e lactantes vivendo com HIV em todo o mundo tiveram acesso ao tratamento antirretroviral em 2022, em comparação com 46% em 2010. A situação levou a uma redução de 58% nas novas infecções por HIV em crianças de 2010 a 2022, o número mais baixo desde a década de 1980.

O fortalecimento do progresso na resposta ao HIV passa pela garantia de que os marcos legais e políticos não comprometam os direitos humanos, mas que os protejam. Vários países revogaram leis prejudiciais em 2022 e 2023, incluindo cinco que descriminalizavam as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo: Antígua e Barbuda, Ilhas Cook, Barbados, São Cristóvão e Nevis e Singapura.

Para a ONU, o teste de HIV acessível é um passo importante no combate ao vírus | Foto: ONU

Dados globais sobre Aids

O relatório, no entanto, também enfatiza que o fim da Aids não ocorrerá automaticamente. Em 2022, a cada minuto, uma pessoa morreu em decorrência da Aids. Cerca de 9,2 milhões de pessoas ainda não têm acesso ao tratamento, incluindo 660 mil crianças vivendo com HIV. Mulheres e meninas ainda são desproporcionalmente afetadas, especialmente na África subsaariana.

A cada semana, em 2022, 4 mil jovens mulheres e meninas foram infectadas pelo vírus no mundo. Apenas 42% das regiões com incidência de HIV acima de 0,3% na África Subsaariana são atualmente abrangidas por programas de prevenção para adolescentes e jovens mulheres.

Quase um quarto, ou 23%, das novas infecções por HIV ocorreram na Ásia e no Pacífico, onde as novas infecções estão aumentando alarmantemente em alguns países. Aumentos acentuados de novas infecções continuam ocorrendo no leste da Europa e na Ásia Central, com ganho de 49% desde 2010, e no Oriente Médio e Norte da África, com 61% mais casos desde 2010.

Essas tendências são principalmente devido à falta de serviços de prevenção para populações marginalizadas e às barreiras impostas por leis punitivas e discriminação social.

Financiamento da resposta ao HIV

O financiamento para combater o HIV também diminuiu em 2022, tanto de fontes internacionais quanto domésticas, retornando ao mesmo nível de 2013. Nesse período, os fundos totalizaram US$ 20,8 bilhões, muito aquém dos US$ 29,3 bilhões necessários até 2025.

Para o Unaids, existe uma oportunidade para acabar com a Aids na medida em que a vontade política é estimulada por meio dos investimentos em uma resposta sustentável ao HIV.

A agência recomenda que os recursos sejam focados na integração dos sistemas de saúde, leis não discriminatórias, igualdade de gênero e fortalecimento das redes comunitárias de assistência e apoio.  Winnie Byanyima afirma estar esperançosa para acabar com a Aids. Para ela, há oportunidades de sucesso, mas dependem de mais ação.