Relatório Global de Expressão 2022 mostra que país enfrenta sua maior crise democrática dos últimos anos. De 2015 a 2021, país caiu da 31ª para a 89ª colocação no ranking global de liberdade de expressão
O Brasil é o terceiro país que, entre 2011 e 2021, teve um dos maiores declínios de indicadores de liberdade de expressão, segundo o Relatório Global de Expressão (GxR em inglês), relatório anual da Artigo19, organização não-governamental de defesa e promoção do direito à liberdade de expressão e acesso à informação em todo o mundo, lançado nesta quinta-feira (30). Atrás apenas de Hong Kong e Afeganistão, o país teve redução de 38 pontos na escala do ranking global de liberdade de expressão produzido anualmente pela instituição, que reúne informações de 161 países em 25 indicadores.
A Artigo19 é uma organização não-governamental de direitos humanos nascida em 1987, em Londres, com a missão de defender e promover o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo. Seu nome tem origem no 19º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Com escritórios em nove países, a Artigo19 está no Brasil desde 2007, onde adota estratégias, ações e parcerias diversas e nos mais variados aspectos desta agenda.
Brasil caiu 58 posições de 2015 a 2021
Os dados do documento mostram que, de 2015 a 2021, o país caiu 58 posições no ranking global de liberdade de expressão, chegando a 50 pontos e à 89ª posição, seu pior registro desde o início da realização do levantamento, em 2010. “Saímos de uma nação considerada aberta para restrita em pouquíssimo tempo.
Esse dado é um dos mais chocantes de todo o mundo, não só pela queda em si, mas por ter ocorrido de maneira mais acentuada sob a liderança de um presidente que foi eleito, e que deveria prezar a democracia e a liberdade de expressão, o que não é o caso, como mostrado no Relatório”, afirma Denise Dora, diretora-executiva da Artigo19. “Na América Latina, estamos atrás apenas de Cuba, Nicarágua, Venezuela, Colômbia e El Salvador”, complementa.
Bolsonaro
O relatório produz uma escala de liberdade de expressão que classifica os territórios em uma pontuação geral que vai de zero a cem, sendo zero a categoria de um país em crise na liberdade de expressão e cem a de total liberdade. Para chegar aos números, a organização analisa e traz métricas quanto à liberdade de expressão em todo o mundo, refletindo sobre a garantia de direitos de jornalistas, da sociedade civil e de cada indivíduo de se expressar e se comunicar, sem medo de assédio, repercussões legais ou represálias.
Além disso, em 2021, o número de ataques a jornalistas e meios de comunicação alcançou o maior patamar desde a década de 1990 no Brasil. Foram registrados 430 ataques à liberdade de imprensa, mais que o dobro do registrado em 2018, ano em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente do País. “O diagnóstico reflete o que jornalistas, comunicadores e defensores de direitos humanos têm vivenciado frequentemente no governo Bolsonaro. Basta lembrar que, há menos de um mês, Bruno Araujo Pereira e Dom Phillips foram assassinados na Amazônia. E até hoje não se sabe quem foi o mandante do crime”, lembra Denise.
Eleições 2022
Outro ponto sensível apresentado pelo GxR 2022 é a possibilidade de intensificação do cenário negativo devido à proximidade das eleições gerais que acontecem no segundo semestre. Como aponta o relatório, Bolsonaro questiona a integridade do sistema eleitoral, alegando, sem qualquer fundamento, que as duas últimas eleições foram fraudulentas e que a eleição de 2022 não aconteceria sem reforma.
O documento inclusive alerta para um possível episódio como o ataque ao Congresso Americano ocorrido em janeiro de 2021, quando apoiadores de Donald Trump invadiram o Capitólio para tentar impedir a certificação de Joe Biden nas urnas. “As eleições presidenciais de 2022 serão um teste para a democracia brasileira. Enquanto Bolsonaro continua a fazer declarações como ‘Só Deus pode me tirar da presidência’, 2022 pode revelar a real extensão do quanto foi erodida a democracia durante o mandato de Jair Bolsonaro”, afirma o documento.
Mundo
A análise global feita pela organização também é desanimadora. Segundo o documento, 80% da população mundial (6,2 bilhões de pessoas) vivem com menos liberdade de expressão hoje que há dez anos. “Isso é resultado de uma intensificação crescente de mudanças climáticas, conflitos armados e deslocamentos em massa, que silenciam ativistas e comunicadores, deixando populações inteiras sem acesso a informações fundamentais para suas vidas”, explica Denise. Esses contextos, segundo ela, interrompem o fluxo livre de informações, o debate construtivo, a construção da comunidade, a governança participativa, a construção do espaço cívico e a auto expressão de pessoas de todo o mundo.
O Relatório Global de Expressão 2022 está disponível na íntegra. Clique aqui e confira a versão em inglês e clique aqui para baixar o capítulo, em português, referente ao Brasil.