A ONG internacional World Wildlife Fund (WWF), Fundo Mundial da Natureza em português, diz que enquanto a população mundial sofre com a fome durante a pandemia do Covid-19, mais de 1,2 milhão de toneladas de produtos alimentícios são desperdiçados, com a agravante de o descarte contribuir com 10% de todas as emissões de gases com efeito de estufa no planeta e de consumir água desnecessária
De acordo com um relatório do WWF divulgado nesta quarta-feira (21), na sua sede na Suíça, em parceria com a cadeia de supermercados inglesa Tesco, 40% dos produtos cultivados para alimentar a população global acabam não sendo consumidos. Esse desperdício, aponta o estudo, contribui para elevar os gases de efeito estufa, causadores da mudança climática, em 10%. Isso equivale a quase o dobro das emissões anuais produzidas por todos os carros que circulam nos Estados Unidos e na Europa, comparou o documento da WWF. A rede de supermercados Tesco surgiu na Inglaterra em 1919 e se espalhou pela Europa e Ásia, tendo atualmente mais de sete mil lojas.
Todos os anos, lembra o estudo, 2,5 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados, dos quais 900 milhões são perdidos nos estabelecimentos de venda ou nos domicílios e 1200 milhões no campo, nas explorações agrícolas. Este último número, que não foi contabilizado até a presente data, representa 15,3% da produção mundial, pelo que estaria a perder-se apenas nessa fase da produção alimentar, no valor de US$ 370 milhões de dólares.
“O problema é provavelmente maior do que imaginávamos”, disse Pete Pearson, chefe da iniciativa mundial de perda e desperdício de alimentos da WWF. Através de um comunicado, o organismo considerou que “o relatório oferece uma fotografia mais completa” da problemática no mundo, já que “analisa as perdas associadas às colheitas, dados que não se incluem, por exemplo, no Índice da FAO, que apenas contempla as perdas pós-colheita e acumuladas ao longo das cadeias de abastecimento”.
Para produzir essa quantidade de alimentos não contabilizados, indica o estudo da WWF e da cadeia de supermercados Tesco, que são utilizados 440 milhões de hectares de terra agrícola e 760 mil hectômetros cúbicos de água (medida de comprimento múltipla da unidade do sistema internacional correspondente a 100 metros). Isso equivale a uma área maior do subcontinente indiano e a um volume de água semelhante a 304 milhões de piscinas olímpicas.
Além disso, o relatório garante que o desperdício de alimentos gera 10% dos gases com efeito de estufa-e não 8%, como se pensava anteriormente, o que representa ser uma percentagem que equivaleria a quase o dobro das emissões anuais produzidas por todos os carros que circulam nos Estados Unidos e na Europa.
O papel dos governos
De acordo com o relatório, ao contrário do que se poderia pensar, as perdas per capita nas explorações agrícolas são geralmente maiores nas regiões industrializadas: “apesar de contar com uma maior mecanização nas explorações e de ter apenas 37% da população mundial, os países de renda alta e média da Europa, América do Norte e Ásia industrializada contribuem para 58% do desperdício mundial das colheitas”.
Além disso, embora seja no meio agrícola que os números mais altos de desperdício de alimentos estão concentrados, as políticas públicas estão mais concentradas na última cadeia de suprimentos, venda e consumo. Por isso, o relatório considera que, para conseguir uma redução significativa dos resíduos, os governos e os mercados devem somar medidas específicas para os agricultores.
Fome na pandemia
De acordo com Pearson, a pandemia piorou a tendência ao desperdício, causando “interrupções maciças nas cadeias de suprimentos, forçando cancelamentos de contratos, fechamentos de restaurantes e deixando grandes quantidades de alimentos perecíveis desperdiçados ou deixados nas fazendas que foram inutilizáveis”.
Este problema é ainda maior se for levado em conta que há 800 milhões de pessoas passando fome no mundo, disse Celsa Peiteado, responsável pelo Programa de alimentação sustentável da WWF Espanha. “Os dados são alarmantes: comida suficiente é desperdiçada para alimentar todos até 2050. Poderíamos alimentar todas as pessoas que passam fome no planeta, mais de sete vezes”, disse a especialista.
Consumo de carne
Pearson indicou que, embora o relatório se concentre mais na produção agrícola do que na pecuária, vários estudos globais mostraram que há necessidade de reduzir o consumo de carne, tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente. No entanto, o responsável pela WWF reconheceu que, em alguns lugares, isso não é possível. Ele também ressaltou que qualquer redução no consumo de carne não deve ser à custa da saúde das pessoas.
“Propor um único padrão de consumo ou sistema de produção não conseguiria apreciar a complexidade dos sistemas de alimentação e a cultura, história e ciência por trás deles”, explicou Pearson, que ressaltou que é importante que aquelas sociedades que “decidam continuar consumindo comida que vem dos animais” se assegurem “que vem de sistemas de produção sustentáveis”.
Enfrentar a perda de alimentos
O Chief Executive Officer (CEO) da Tesco, ou diretor executivo em portuguêws,Ken Murphy, disse: “Como uma indústria devemos aumentar nossos esforços para enfrentar a questão da perda de alimentos e resíduos em toda a cadeia de suprimentos. Na Tesco, publicamos dados de resíduos alimentares para cada um dos mercados em que operamos e temos trabalhado com 71 dos nossos maiores fornecedores globais para reduzir o desperdício de alimentos e já relatamos uma redução de mais de 40%, quando comparado com a nossa linha de base 2016/17”.
Utilizando o quadro Target-Measure-Act, o CEO da Tesco disse que toma medidas continuada, como comercializar com preços inferiores os que não atendem o nível de perfeição da rede supermercadista até fazer a doação dos produtos agrícolas consumíveis, mas em desacordo com a exigência do mercado, para escolas e comunidades no Quênia. “Este ano, vários dos nossos fornecedores irão relatar pela primeira vez as suas próprias perdas alimentares e resíduos agrícolas, ajudando-nos a lidar com os resíduos nas primeiras partes da cadeia de abastecimento”, prosseguiu.
Planos climáticos
Até esta quarta-feira, apenas 11 dos 192 planos climáticos nacionais, ou cerca de 5%, apresentados no âmbito do Acordo de Paris, mencionam a perda de alimentos e os resíduos, relatou a WWF em seu documento. A maioria desses 11 planos vieram de Nações Africanas, que enfrentam as perdas pós-colheita. Ter uma visão mais holística e enfrentar as perdas em todas as fases das explorações agrícolas ajudará a mitigar as alterações climáticas, reduzir a pressão para converter a natureza e ajudar a alcançar a segurança alimentar. Impulsionado a resíduos, descobre que os alimentos são perdidos em fazendas por uma variedade de razões, incluindo fatores controláveis e decisões humanas, diz o relatório.
“Impulsionado aos resíduos deixa claro que o acesso à tecnologia e treinamento em fazendas não é suficiente; as decisões tomadas ao longo da cadeia de suprimentos por empresas e governos têm um impacto significativo nos níveis de alimentos perdidos ou desperdiçados em fazendas”, disse Lilly da Gama, Gerente de Programas de perda de alimentos e resíduos na WWF no Reino Unido e um dos relatórios principais autores. “Para conseguir uma redução significativa, os governos nacionais e os agentes do mercado devem tomar medidas para apoiar os agricultores em todo o mundo e comprometer-se a reduzir para metade os resíduos alimentares em todas as fases da cadeia de abastecimento. As políticas atuais não são suficientemente ambiciosas”, finalizou.