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Cientista político analisa o que motiva a rejeição a governos de esquerda entre evangélicos pentencostais

O uso de políticos de direita de igrejas evangélicas é analisado por um cientista político em tese de doutorado da USP | Foto: Reprodução/YouTube

O cientista político Victor Araújo, procurou uma resposta para o efeito da religião sobre o comportamento eleitoral dos brasileiros, principalmente dos evangélicos. O estudo acabou virando uma tese de doutorado, em 2019, intitulada “A Religião Distrai os Pobres? – Pentecostalismo e Voto Redistributivo no Brasil”. O documento está sendo útil para as eleições deste ano, já que pastores evangélicos, denominados de fariseus nas redes sociais, insistem em apoiar e pedir votos entre os membros de suas igrejas para o atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Para baixar o livro na íntegra, em arquivo PDF, é só clicar aqui.

O estudo foi feito para o Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Título de Doutor em Ciência Política. Em trechos do resumo (Abstract), o estudioso diz: “Neste trabalho, proponho uma explicação para o caso brasileiro que considera o efeito da religião sobre o comportamento eleitoral dos indivíduos. Especificamente, argumento que as lideranças pentecostais atuam como cabos eleitorais (brokers) para mediar a relação entre candidatos e fiéis (eleitores) de baixa renda e inviabilizar a candidatura de políticos que não se identificam com os valores morais defendidos por este grupo evangélico”.

“Também investigo o efeito da transição religiosa – aumento dos evangélicos pentecostais em detrimento dos cristãos católicos – sobre a votação do Partido dos Trabalhadores (PT), o partido de esquerda mais competitivo, com maior capilaridade nos municípios brasileiros, maior representação no Congresso Nacional e que logrou sucesso eleitoral em quatro eleições presidenciais consecutivas entre 2002 e 2014. Os resultados sugerem melhor desempenho dos candidatos petistas em eleições presidenciais nos municípios com predominância católica, resultado que se mantém mesmo quando controlado o efeito exercido pela região Nordeste (região majoritariamente católica)”, diz o autor na síntese do seu trabalho.

“Os achados deste trabalho também indicam que o pentecostalismo afeta a resposta dos eleitores pobres às políticas de redistribuição de renda. O aumento de bem-estar induzido pelo Programa Bolsa Família (PBF) produziu retornos eleitorais para o PT apenas entre os beneficiários não-pentecostais e nos locais com alta concentração de pobres católicos. Esses resultados são robustos e se mantêm em diferentes especificações utilizando dados agregados e evidências de nível individual e se mostram consistentes mesmo quando confrontados com mecanismos explicativos alternativos. Em conjunto, as evidências apresentadas neste trabalho ajudam a explicar porque eleitores de baixa, em contextos com alta desigualdade, podem não votar por redistribuição de renda”, prossegue.

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Porque a rejeição do PT entre evangélicos?

Para Victor, a grande rejeição ao PT é consequência do conservadorismo moral em relação a temas como homoafetividade, aborto e legalização das drogas. O eleitor neopentecostal também consome mais informações nos ambientes da igreja e, por isso, confia cinco vezes mais em suas lideranças do que protestantes tradicionais ou católicos, por exemplo. Mesmo quando a economia vai mal, esse grupo crescente de brasileiros vota a partir da dimensão moral.

Ele observa que os eleitores neopentecostais que rejeitam o PT têm outro perfil em relação ao antipetista “original”, descrito como sendo branco, mais escolarizado, masculino e defensor de pautas anticorrupção. Segundo Victor, esse novo antipetismo é ao mesmo tempo pobre e vota contra aqueles que defendem políticas de redistribuição de renda como o Bolsa Família.

Baixa renda e baixo consumo de informação

Dentro do item “O movimento pentecostal no Brasil”, Araújo observou que enquanto as igrejas evangélicas tradicionais, como a Metodista, Presbiteriana, Batista e Episcopal, introduzidas pelo protestantismo missionário do século XIX, foram beneficiadas pelas diversas ondas de migração europeia para o Brasil, o pentecostalismo logrou crescimento ao concentrar seus esforços de evangelização nas grandes cidades brasileiras. Por isso, diferentemente das experiências observadas em outros países da América Latina, o pentecostalismo, com origem nos Estados Uniodos, teve no caso brasileiro uma desproporcionalidade em se enraizar na área urbana.

Desejo de ter o poder político

Com o crescimento dos pentecostais, o autor disse que emergiu um novo entendimento sobre o papel que os evangélicos pentecostais deveriam exercer na esfera pública. Em 1986, após acordo entre lideranças e a definição de candidaturas próprias, o movimento pentecostal elegeu 33 parlamentares para a Assembleia Nacional Constituinte, a maior parte oriunda da Igreja Assembleia de Deus. Ele diz que “os evangélicos pentecostais são parte importante dessa porção do eleitorado que tende a não votar no PT nas eleições presidenciais, a mesma que ajudou a eleger o candidato do PSL em 2018”.

“As igrejas evangélicas tradicionais se concentram nos estados da região Sul, mas também contam com “ilhas”de seguidores espalhadas pelo território brasileiro. Espírito Santo, Roraima e o Distrito Federal são alguns exemplos. O Nordeste, por sua vez, é um reduto católico”, diz o cientista político” Se as lideranças pentecostais são avessas às políticas progressistas e mobilizam seus fiés contra os partidos políticos que as defendem, deveríamos esperar um pior desempenho dos partidos de esquerda onde é possível observar aumento do grupo evangélico pentecostal. Por outro lado, o crescimento quantitativo dos evangélicos tradicionais e dos católicos deveria significar menor resistência aos partidos de esquerda”, continua.

Recomendação aos partidos de esquerda

No final do texto deixa a seguinte recomendação: “Os partidos de esquerda têm como primeira opção tentar enfraquecer a pauta moral e recolocar no centro do debate a dimensão de renda. Neste caso, existe o risco de perder apoio da parcela mais conservadora do eleitorado que não segue a lógica econômica do voto. Uma segunda opção é tentar se distanciar de pautas mais progressistas que possam minar o apoio eleitoral dos pobres conservadores”.

“Mas existe o risco de perder apoio entre os eleitores de renda média com maior escolaridade, bem como de parte da militância organizada e representantes de grupos minoritários afetados por uma agenda política moralizante. Uma terceira opção é acirrar a polarização nas eleições, explorando a identidade religiosa do eleitorado. Por exemplo, os partidos de esquerda podem mobilizar parte do eleitorado religioso em seu favor por meio de um discurso identitário. Mas o sucesso dessa estratégia depende do crescimento de longo prazo dos grupos religiosos que rivalizam nas eleições. No caso brasileiro, mobilizar o eleitorado católico contra o eleitorado evangélico pentecostal pode significar prejuízo eleitoral futuro, dado que este último grupo será maioria já na próxima década”, finaliza.