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Com informações privilegiadas, membros do governo Bolsonaro têm dinheiro em paraísos fiscais

Paulo Guedes, ministro de Bolsonaro para a Economia, e Roberto Campos Neto, que preside o Banco Central no atual governo, contrariaram a legislação que proíbe membros do alto escalão ter dinheiro em offshore no Brasil e no exterior onde os atos praticados por eles possa interferir nos ganhos de lucratividade. Aplicação em offshore é uma forma de sonegar e evadir dinheiro sem conhecimento da Receita Federal

Entre as aplicações entre offshore reveladas, está de assassinos, traficantes, reis e políticos de várias partes do mundo | Foto: ICIJ

Os dois integrantes do governo Bolsonaro, o ministro da Economia Paulo Guedes e o presidente do Banco Central (BC) Roberto Campos Neto estão numa lista que envolve vários governantes internacionais, inclusive com fins de evasão fiscal. A informação faz parte das denúncias feitas pelo “Pandora Papers”, investigação jornalística que envolveu centenas de repórteres pelo mundo e grandes veículos de comunicação internacionais e do Brasil. No lado brasileiro participaram da apuração Agência Pública, revista Piauí, Poder360 e Metrópoles.

Pandora Papers, projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) que reúne mais de 600 repórteres de 151 veículos em 117 países e territórios. Segundo a Agência Pública, a abertura de uma offshore ou de contas no exterior não é ilegal, desde que o saldo mantido lá fora seja declarado à Receita Federal e ao Banco Central. Mas, no caso de servidores públicos, a situação é diferente. O artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, instituído em 2000, proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras, no Brasil ou no exterior, passíveis de ser afetadas por políticas governamentais.

O resultado do trabalho do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ na sigla em inglês) sobre os chamados “Pandora Papers” começou a ser revelado neste último domingo (3). Os quase 600 repórteres de dezenas de meios de comunicação, incluindo os jornais The Washington Post, The Guardian, El Pais ou ainda a revista Piauí, se basearam no vazamento de 11,9 milhões de documentos de 14 empresas de serviços financeiros de todo o mundo.

Segundo o consórcio, vários dirigentes de peso, como o primeiro-ministro da República Tcheca, Andrej Babis, o rei da Jordânia, Abdallah II, ou ainda os presidentes do Equador, Guillermo Lasso, e do Quênia, Uhuru Kenyatta, aparecem na lista dos que teriam ocultado milhões em paraísos fiscais. No total, o ICIJ identificou transações de 336 dirigentes, que criaram mais de 1.000 empresas, das quais dois terços tinham sede nas Ilhas Virgens Britânicas. Celebridades, como a cantora colombiana Shakira e a modelo alemã Claudia Schiffer também aparecem na investigação.

Do lado brasileiro, dois nomes de peso foram apontados: o do ministro da Economia, Paulo Guedes, e o do presidente do Banco do Brasil, Roberto Campos Neto. Segundo a investigação, Guedes tinha pelo menos US$ 8 milhões investidos na empresa Dreadnoughts International Group, sociedade registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, da qual era acionista. O seu nome, assim como o de sua mulher e filha eram usados nas transações.

Certificado da Dreadnoughts International, em nome de Paulo Guedes, esposa e filha | Foto: ICIJ/Revista Piaui

Conflito de interesses

A revista Piauí, uma das publicações que encabeçou a investigação no Brasil, lembra que “a abertura de uma offshore ou de contas no exterior não é ilegal, desde que o saldo mantido lá fora seja declarado à Receita Federal e ao Banco Central”. Guedes afirma que declarou suas empresas offshore. Porém, os funcionários públicos de alto escalão têm uma série de restrições para fazer esse tipo de transação, principalmente quando sua função pode ter impacto em investimentos feitos no exterior, como é o caso de um ministro da Economia.

Certificado de Roberto Campos | Imagem: Raphael Ribeiro/Banco Central e Pandora Papers/ICIJ

Já o presidente do Banco Central aparece no “Pandora Papers” como dono de quatro empresas, duas delas registradas no Panamá. Campos Neto afirma ter declarado as somas que tinha no exterior tanto à Receita Federal como ao BC. Porém, como Guedes, ele participou de decisões ligadas ao seu cargo que podem ter influenciado positivamente seus próprios investimentos no exterior, o que caracteriza conflito de interesses. certificado do presidente do BC – IMAGENS- Raphael Ribeiro-Banco Central e Pandora Papers-foto-icij

Código de Conduta violado

As penas praticadas por Guedes e o presidente do BC da legislação que proíbe manter dinheiro em paraísos fiscais para ocupantes de cargos públicos de alto escalão prevê de uma simples advertência à recomendação de demissão. O Código de Conduta obriga as autoridades públicas a declarar todos os seus bens à Comissão de Ética Pública no prazo de até dez dias após assumir o cargo. O acompanhamento é feito por uma comissão, que fez vistas grossas e quando tomou conhecimento mandou arquivar o caso, o que configura crime. Com isso, ao praticar a política de desvalorização do real frente ao dólar, Guedes teve lucro acima de 100% em sua fortuna em dólares escondida nas Ilhas Virgens Britânicas.

Desde janeiro de 2019, quando se iniciou a gestão Bolsonaro, a Comissão de Ética de Pública tem sido criticada por ser leniente com comportamentos antiéticos por parte da cúpula do governo. Em maio de 2020, o conselheiro Erick Vidigal pediu demissão e divulgou uma carta com fortes críticas ao órgão. “Eu não entrei na Comissão de Ética para bater palma para governantes indecentes ou para perseguir desafetos do governo”, escreveu. Em 2019, último ano em que a comissão divulgou dados, apenas um servidor fora punido – com pena de advertência –, contra seis no ano anterior e 17 em 2017.

“A comissão só trabalha de verdade na análise das quarentenas e em alguns casos de conflito de interesses. Quanto aos desvios éticos, adoram colocar panos quentes, especialmente quando se trata de ministros de Estado”, critica um ex-membro do órgão, que não quis se identificar para não se indispor com os atuais conselheiros.)

Na esteira do Panamá Papers

Criado em 1997 pelo Centro de Integridade Pública, o ICIJ se tornou uma entidade independente em 2017. Sua rede inclui 280 jornalistas investigativos em mais de 100 países e territórios, assim como cerca de 100 veículos de comunicação parceiros.

O consórcio ficou famoso em 2016, quando tornou público o escândalo que ficou conhecido como “Panamá Papers”. Na época, o ICIJ revelou transações e investimentos secretos de milhares de clientes do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, após um vazamento de mais de 11 milhões de documentos.

As revelações sacudiram o mundo dos negócios e da política. A tal ponto que chefes de governo, como o primeiro-ministro islandês, Sigmundur David Gunnlaugsson, e paquistanês, Nawaz Sharif, tiveram que deixar seus cargos.

No ano seguinte, o consórcio publicou o “Paradise Papers”, uma nova série de documentos que revelou manobras fiscais ilegais envolvendo nomes como o campeão de Fórmula 1, Lewis Hamilton, e até o Príncipe Charles.

Facilidade para abrir uma Offshore

São várias empresas que oferecem facilidade para abertura de empresa offshore, de forma rápida e com garantia de privacidade. Não há nenhum questionamento para a origem do dinheiro, que pode ser proveniente de uma receita honesta ou de corrupção ou tráfico internacional de drogas. Entre essas empresas está a Offshore Company Corporation, baseada exatamente no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe.

Entre os atrativos, a empresa oferece: Jurisdição mais atraente para uma empresa offshore, Legislação corporativa moderna, flexível e voltada para o comércio, Processo de incorporação econômico e direto, Oferecendo um alto nível de privacidade e confidencialidade, Requisitos mínimos de conformidade contínua, Isento de imposto de renda, imposto sobre ganhos de capital, imposto sobre doações, imposto sobre herança e IVA.

A empresa ainda oferece o passo-a-passo para fazer a empresa sem sede física no paraíso fiscal no seu portal (clique aqui). Ainda avisa que o cliente, cuja honradez ou honestidade não faz parte da negociação, será imediatamente avisado “sobre as informações da obrigação, política tributária, exercício financeiro do Reino Unido”. É dada a garantia de rapidez. “Feito em 6 dias úteis, 100% taxa de sucesso, rápido, fácil e altamente confidencial por meio de sistemas seguros, suporte dedicado (24/7). Apenas peça, nós fazemos tudo por você”, enaltece a empresa.

O preço? Uma verdadeira pechincha para quem quer esconder fortuna dos olhos da Receita Federal e ganhar dinheiro fácil sem que ninguém saiba. A empresa cobra a partir de US$ 769 (R$ 4.128,83). Nas Ilhas Virgens Britânicas a administração britânica da ilha cobra apenas uma taxa de US$ 925 (R$ 4.958,00), com a garantia de que jamais vai perguntar sobre a origem do dinheiro. A facilidade é tão grande que o interessado por criar sua empresa no paraíso fiscal até por um celular, em questão de minutos, através de um clique na página do site do banco gerenciador.