Para Lula, é preciso que o poder público acompanhe ações de perto
O governo federal assinou, nesta última sexta-feira (25), um acordo para pagamento de R$ 132 bilhões em indenização pelas empresas envolvidas no crime ambiental de Mariana, em Minas Gerais, em 2015. O valor visa reparar os prejuízos causados pelo rompimento da Barragem do Fundão, administrada pela Samarco, empresa controlada pelas mineradoras Vale (brasileira) e BHP Billiton (anglo-australiana). As informações são da Agência Brasil.
O primeiro acordo para indenizar as vítimas foi assinado em 2016, mas já sabia-se que uma repactuação seria necessária diante da dimensão da tragédia. Foram abertas, também, diversas ações judiciais sobre o caso. Em 2018, as negociações foram retomadas.
Os atingidos receberão R$ 32 bilhões. Os Governo ficarão com R$ 100 bilhões
Dos R$ 132 bilhões previstos no acordo, R$ 100 bilhões são novos recursos que devem ser pagos em até 20 anos pelas empresas ao poder público, para serem aplicados em diversas ações. As companhias também destinarão R$ 32 bilhões para custeio de indenizações a pessoas atingidas e de ações reparatórias que permanecerão sob sua responsabilidade.
Elas afirmam, ainda, já terem desembolsado R$ 38 bilhões na reparação socioambiental, por meio da Fundação Renova, criada pelas empresas para conduzir as ações de reparação. Com a assinatura do acordo, a fundação será extinta, e a própria Samarco assumirá as obrigações.
Lula critica modelo de privatização
“Eu espero que as empresas mineradoras tenham aprendido uma lição. Ficaria muito mais barato ter evitado o que aconteceu, infinitamente mais barato. Certamente não custaria R$ 20 bilhões evitar a desgraça que aconteceu”, disse Lula, criticando modelos de privatização.
“É muito difícil negociar com uma corporation que a gente não sabe quem é o dono e que tem muita gente dando palpite. E que, muitas vezes, o dinheiro que poderia ter evitado a desgraça que aconteceu é utilizado para pagar dividendos”, acrescentou.
Lula ainda cobrou de todos os agentes públicos envolvidos que as ações sejam acompanhadas de perto, para garantir a reparação às vítimas. “A gente não está lidando com coisas estranhas, está lidando com o ser humano. A gente, possivelmente, não consiga nunca devolver a totalidade dos prejuízos que essas pessoas tiveram, que tem o prejuízo psicológico, além das mortes, tem o prejuízo das coisas que as pessoas gostavam e que nunca mais vão ver e que não tem substituto”, disse.
O crime ambiental, tanto na morte de 19 pessoas, com três que se encontram “desaparecidos”, quanto na destruição ambiental de Mariana ocorreu em 5 de novembro 2015, com o rompimento da barragem de rejeitos de mineração. O distrito de Bento Rodrigues foi totalmente destruído pela lama. Dezenove pessoas morreram, três estão desaparecidas até hoje e 600 pessoas ficaram desabrigadas.
Aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos foram despejados no meio ambiente, atingindo 49 municípios em Minas Gerais e no Espírito Santo. A lama percorreu 663 quilômetros pela Bacia do Rio Doce, até atingir o mar do litoral capixaba.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, explicou que as tratativas feitas, até então, foram insuficientes, e novas negociações atravessaram 2023 e 2024, já pelo governo Lula. Os termos não previam, por exemplo, a retirada de rejeitos, ações de saúde coletiva e indenizações individuais, que estão previstos na nova repactuação.
“Hoje estamos entregando um acordo possível”, disse Messias. “[Quero] dizer para as vítimas, para a população da Bacia do Rio Doce, que nós temos lado e que não tenham dúvida que, todo acordo que foi construído, foi atendendo à reivindicação histórica das comunidades”, acrescentou.
Vítimas
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que representa as vítimas da tragédia, afirmou, entretanto, que não teve assento na mesa de negociação da repactuação, “o que foi negado sob alegação de sigilo pelas empresas e pelo Judiciário”, mas reconheceu a importância e os avanços do acordo.
“Esperamos que se efetivem os vários programas que estão previstos, inclusive o MAB ajudou a propor vários deles. É um avanço no acordo a parte mais coletiva”, disse à Rádio Nacional o coordenador nacional do MAB, Joceli Andrioli, cobrando a participação dos atingidos na implementação do acordo e fiscalização das ações.
Para o movimento, o valor acordado é insuficiente para alcançar a reparação integral dos direitos dos atingidos e do meio ambiente. “Neste sentido, a luta segue por indenizações justas”, disse Andrioli, explicando que uma grande lacuna é o direito individual, onde os valores são muito baixos, de R$ 35 mil aos atingidos em geral e R$ 95 mil aos pescadores e agricultores afetados.
“Reconhecemos a importância do acordo e seus avanços para os atingidos, embora o mesmo apresente insuficiências. O crime em Mariana e todas as violações decorrentes dele são resultado direto do processo de privatização, que explora todo povo brasileiro, se apropria de nossas riquezas e beneficia exclusivamente o sistema financeiro e a ganância do grande capital”, explica o movimento, em nota.
Governo do ES vai usar parte do dinheiro para duplicar a BR 262
Parte da indenização paga pelas mineradoras pela destruição ambiental no Espírito Santo não será utilizado para a melhoria do meio ambienta, mas sim para fazer a duplicação da BR 262 e talvez até para a BR 259 (Começa na BR-101, na altura do município de João Neiva em direção a Minas Gerais, tendo 106,3 km dentro do Espírito Santo). É o que afirmou o governador Renato Casagrande (PSB), através de nota divulgada pela sua assessoria de imprensa.
“Esse acordo dá ao Espírito Santo a condição de implementar medidas de recuperação ambiental, como o reflorestamento, a recuperação de nascentes e execução de obras de saneamento básico. O acordo também permite que o Governo Federal possa indenizar as pessoas atingidas e que o Governo do Estado tenha a oportunidade de realizar obras estruturantes para o nosso desenvolvimento, como a duplicação da BR-262 que deve contar com recursos da ordem de R$ 2,3 bilhões”, afirmou o governador.
Na nota, ainda é definido onde os recursos serão empregados. No Espírito Santo, R$ 450 milhões serão aplicados no Plano de Reestruturação da Gestão da Pesca e Aquicultura; R$ 1 bilhão em ações de resposta a enchentes, desastres naturais e recuperação ambiental; R$ 2,3 bilhões na duplicação da BR-262; e R$ 3,46 bilhões em saneamento.
“O acordo também reserva R$ 6,5 bilhões para novos projetos e outros recursos para iniciativas destinadas principalmente aos atingidos, ao meio ambiente e à retomada econômica. O nosso principal objetivo nesse acordo é o de reparar uma injustiça de quase nove anos com os atingidos no Espírito Santo e o nosso meio ambiente. Foi um desastre ambiental com graves consequências socioeconômicas e socioambientais”, completou o governador do Espírito Santo.
STF vai homologar acordo
O acordo assinado hoje será homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para, segundo a Corte, “evitar a contínua judicialização de vários aspectos do conflito [no Brasil] e o prolongamento da situação de insegurança jurídica”. Até então, as ações eram tratadas pela Justiça Federal em Minas Gerais.
Em Londres, outra ação de indenização começou a ser julgada nesta semana. O processo envolve cerca de 620 mil vítimas e busca que a mineradora BHP Billiton, acionista da Samarco sediada no Reino Unidos, seja condenada ao pagamento da indenização. A previsão é que o julgamento dure até março de 2025 e mais três meses para que a juíza britânica Finola O’Farrell pronuncie a sentença.
A pagar
Do total de R$ 100 bilhões a serem pagos ao poder público, R$ 40,73 bilhões serão destinados diretamente aos atingidos. Outros R$ 16,13 bilhões serão aplicados na recuperação ambiental. Uma parcela de R$ 17,85 bilhões será reservada para fins socioambientais com reflexões aos indiretamente atingidos e ao meio ambiente.
Para melhorias em saneamento e rodovias estão previstos R$ 15,6 bilhões, enquanto o restante será destinado aos municípios afetados (R$ 7,62 bilhões) e a aplicações institucionais, de transparência e outros fins (R$ 2,07 bilhões).
A primeira parcela, no valor de R$ 5 bilhões, deverá ser paga 30 dias após a assinatura do acordo e seguirá um cronograma de pagamento contínuo, ano a ano, até 2043. Os valores anuais variam entre R$ 4,41 bilhões, previstos para a última parcela, em 2043, e R$ 7 bilhões, o mais alto a ser pago em um ano, em 2026.
Entre as ações previstas pelo governo federal está o Programa de Transferência de Renda (PTR), sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). Ele prevê R$ 3,75 bilhões para um auxílio mensal a pescadores e agricultores atingidos no valor de 1,5 salário mínimo por até quatro anos.
Um total de R$ 8 bilhões está destinado à realização de um modelo de autogestão dos próprios indígenas, povos e comunidades tradicionais, acompanhados pela União, para assegurar o direito ao recebimento de auxílio financeiro e verbas reparatórias a outros povos e comunidades não reconhecidas.
Recursos da ordem de R$ 14,13 bilhões estarão sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo para serem aplicados em dois fundos voltados ao meio ambiente.
O acordo prevê R$ 12 bilhões para aplicação em saúde coletiva na Bacia do Rio Doce. Deste total, R$ 3,6 bilhões serão investidos em infraestrutura e equipamentos e R$ 8,4 bilhões, na constituição de um fundo perpétuo que utilizará os rendimentos em custeio adicional do Sistema Único de Saúde (SUS( na região da Bacia do Rio Doce.
O saneamento básico nos municípios da bacia deverá contar com R$ 11 bilhões, a serem aplicados com o propósito de assegurar e antecipar as metas de universalização, com redução de tarifas.
A fazer
Entre as obrigações do novo acordo que permanecem com as empresas estão a retirada de 9 milhões de metros cúbico de rejeitos depositados no reservatório da usina hidrelétrica Risoleta Neves. Ela está situada na Bacia do Rio Doce e ocupa uma área de mais de 83 mil quilômetros quadrados nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
As empresas ficam obrigadas, ainda, a finalizar o reassentamento nas regiões de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, outro distrito de Mariana atingido pela lama, recuperar 54 mil hectares de floresta nativa e 5 mil nascentes na Bacia do Rio Doce, e realizar o Gerenciamento das Áreas Contaminadas.
Soma-se a isso a implantação do Programa Indenizatório Definitivo (PID), que é voltado principalmente para os atingidos pela tragédia que não conseguiram comprovar documentalmente os danos sofridos. Eles passam a ter direito ao recebimento de indenização, de R$ 35 mil aos atingidos em geral e R$ 95 mil aos pescadores e agricultores afetados. A estimativa é de que mais de 300 mil pessoas terão direito a receber esses valores, totalizando R$ 11,5 bilhões.
Outras 20 mil pessoas devem receber R$ 13 mil pelos danos à água, pessoas que tiveram suas atividades financeiras, produtivas ou renda comprometidas pelo rompimento da Barragem de Fundão.
MPES assina acordo histórico de reparação da tragédia do Rio Doce
Depois de quase nove anos do rompimento da barragem de Fundão da Samarco, em Mariana, e três anos de árdua negociação, foi assinado nesta sexta-feira (25/10) a repactuação do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) da tragédia do Rio Doce, envolvendo a cifra de R$ 170 bilhões em ações reparatórias e compensatórias.
Os Ministérios Públicos dos Estados do Espírito Santo (MPES) e de Minas Gerais (MPMG), ao lado do Governo Federal, dos Governos estaduais do ES e de MG, do Ministério Público Federal (MPF), da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) e demais instituições envolvidas no caso, assinaram nesta manhã, em Brasília, o novo acordo com os representantes das mineradoras Vale e BHP Billiton, responsáveis pela Samarco.
O procurador-Geral de Justiça do MPES, Francisco Berdeal, fez parte da mesa presidida pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado de outras autoridades, como o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso; o Procurador-Geral de Justiça mineiro, Jarbas Soares; e os governadores do ES, Renato Casagrande, e de MG, Romeu Zema.
“A celebração desse novo acordo vem para coroar um enorme trabalho, feito com muita dedicação, pelo MPES e todas as instituições envolvidas, em defesa da sociedade e, sobretudo, das vítimas dessa tragédia. Entretanto, ao mesmo tempo que concluímos um ciclo, iniciamos outro de igual responsabilidade: a fiscalização e acompanhamento da execução e cumprimento de todos os termos aqui firmados.” destacou Berdeal.
Também estavam presentes, pelo MPES, a Subprocuradora-Geral de Justiça Institucional, Luciana Andrade; a coordenadora do Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce (GTRD), Promotora de Justiça Elaine Costa de Lima; a dirigente do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Meio Ambiente (CAOA) e Promotora de Justiça de Colatina, Bruna Legora de Paula; o subcoordenador do GTRD e Chefe de Gabinete, Promotor de Justiça Bruno Guimarães; os Promotores de Justiça dos municípios de Baixo Guandu, César Nasser, e de Linhares, Helder Magevski de Amorim; e o servidor Wagner Varejão Rossoni, do GTRD.
“No Espírito Santo, inicialmente tivemos quatro municípios reconhecidamente atingidos, que foram da calha do Rio Doce. E nesse novo acordo, depois de uma luta muito grande, passamos a ter também o reconhecimento dos municípios do litoral capixaba, conforme a Deliberação nº 58. Dessa forma, todas as ações e medidas reparadoras vão ser aplicadas também nessas cidades, totalizando 11 municípios atingidos no ES”, ressaltou Elaine Lima.