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Debate na Assembleia, entre especialistas, conclui ser necessário uma política de segurança democrática

O cerceamento à liberdade de pensamento do policial foi um dos temas abordados na audiência pública | Foto: Ales

“As Forças Armadas criaram um inimigo interno representado pelo povo brasileiro. E para justificar esse combate veem o comunismo como inimigo histórico dos militares no Brasil. Sempre houve policiais antifascismo. Só que com o crescimento desse modo de ser no Brasil, os policiais antifascismo entenderam que precisavam unificar a luta para que pudessem enfrentar essa conjuntura”. A declaração é da escrivã aposentada da Polícia Civil do Espírito Santo Maria Helena Cota Vasconcelos e foi feita durante a audiência teve como lema a expressão “Paz sem voz é medo”, na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales).

O encontro, foi solicitado e coordenado pela deputada estadual Iriny Lopes (PT) e ocorreu no final da última semana. Foram reunidos membros e apoiadores do Movimento de Policiais Antifascismo (MPA) e especialistas em segurança pública. Eles debateram a situação de violência que impera no país e ações para combater as perseguições aos agentes da segurança envolvidos no MPA no Estado. Liberdade de expressão, direito de organização, de filiação partidária, transformação da área de segurança, saúde, educação no país, democracia popular foram algumas das abordagens dos debatedores.

Aumento da violência

A deputada Iriny Lopes (PT) considerou que o debate foi muito importante, mas apesar disso, deve ter continuidade na forma de reuniões de trabalho cujos resultados, posteriormente, devem ser colocados a público. “Nós temos aumento acentuado e a naturalização da violência. Isso engessa e distancia as pessoas do coletivo, da sociedade, de sermos nós. A pandemia trouxe de volta uma palavra que não ouvíamos há muito tempo: empatia. A pandemia arrefeceu e a empatia arrefeceu junto com ela”, disse Iriny.

Presente na audiência pública, a escrivã aposentada da Polícia Civil do Espírito Santo, Maria Helena Cota Vasconcelos, expôs o seu ponto de vista. “O Brasil tem o segundo maior exército das Américas, atrás dos Estados Unidos, mesmo assim não é uma potência militar. No entanto, as Forças Armadas têm protagonismo desde sempre. E todas as vezes que esse protagonismo cresce, há um retrocesso nos direitos humanos”, disse Vasconcelos.

As perseguições, conforme a escrivã aposentada, começaram durante a pandemia, no Rio Grande do Norte, e se estenderam para outros estados. “Uma das consequências da defesa do policial trabalhador, respeitador dos direitos humanos, não é o poder de polícia, mas o dever de polícia. Por isso somos perseguidos. Todos temos nomes e sobrenomes. As perseguições trazem consequências danosas e dolorosas, tanto para as instituições policiais, como para aqueles que estão sendo investigados. Há casos de depressão, suicídio, repreensão, prisão, exoneração. Alguns desistem da carreira para sobreviver”, relatou.

Direitos humanos

A coordenadora jurídica da Rede Liberdade, advogada Juliana Vieira dos Santos, que atua no Brasil em casos de violação dos direitos humanos, apresentou um painel sobre as violações aos direitos humanos.

Após fazer um resgate histórico, Juliana apontou que o veto atual de participação da sociedade civil na formulação das políticas públicas, a diminuição dos espaços de diálogos que impedem a ação da sociedade, a falta de transparência e a perseguição aos servidores públicos representam patamares de retrocessos em ação na atual conjuntura.

“Essas violações dos direitos humanos praticadas pelo Estado, que a gente debate aqui hoje, são a demonstração de que ainda há muito a se caminhar para superar essa índole violenta de nossas instituições. Ainda há muito esforço a ser feito pela sociedade civil, pelas Casas Legislativas para superar esse legado histórico autoritário, as transições mal feitas, os passivos antidemocráticos que vão se acumulando e que geram esses sintomas que são a ditadura de 1964, o atual momento de corrosão institucional”, explanou a coordenadora jurídica da Rede Liberdade.

Subcidadão

O delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro e coordenador nacional do Movimento de Policiais Antifascismo, Orlando Zaccone, destacou que o movimento é constituído pelas bases e que aprende muito com os policiais, tanto civis como militares:

“A gente quer dialogar com os diferentes movimentos sociais na construção do policial como trabalhador. Nosso movimento começa com a necessidade de nossos policiais serem construídos como trabalhadores. O trabalhador é uma construção social. Os policiais todos os dias estão sendo desconstruídos enquanto trabalhador em nosso país. E a Polícia Militar é o paradigma dessa desconstrução. Esse militar é considerado um subcidadão”, afirmou o delegado.

Zaccone explicou que o conceito de subcidadão envolve a proibição, aos policiais, do direito de greve, de filiação partidária, de sindicalização e, muitas vezes, o veto ao direito à livre manifestação do pensamento.  Ele observou que não existe na estrutura do Estado uma instituição que tenha mais negros no Brasil que a Polícia Militar.

Liberdade de expressão

O capitão da Polícia Militar do Espírito Santo (PM-ES) Vinícius Cássio Corrêa de Sousa, que foi vítima de um processo disciplinar da cúpula ultraconservadora da PM capixaba, disse entender que a segurança pública vai muito além da polícia. É preciso fazer transformação na saúde, na educação e na construção da democracia. Para ele, “as instituições não estão a serviço da classe trabalhadora e as polícias não estão a serviço da classe trabalhadora. Sequer os próprios trabalhadores podem dar livremente sua opinião”, afirmou

 “O que vivemos em nossa sociedade é que algumas palavras são proibidas e o próprio ato de pensar é rechaçado. Existe certo ódio à razão e a tudo que é científico. A expressão ‘antifascismo’ é um exemplo de palavra proibida. Desmilitarização, democracia, também têm sido proibidas. Vejamos a reação ao nosso manifesto de 2019 em prol da democracia popular. Reagiram e o fizeram da pior forma, censurando e perseguindo. Por isso, são reacionários os que apontam para trás, são saudosistas de um passado obscuro e pavoroso, querem nos silenciar, querem impedir nosso grito por justiça e cidadania”, relatou o coordenador do MPA no estado, policial militar Vinícius Querzone.

Por sua vez, o coronel PM da reserva Ênio Chaves dos Reis relatou sua trajetória como oficial instrutor dentro da PM e garantiu que nunca propôs ou aconselhou atos ilegais aos seus alunos e subordinados. Ele considera o MPA legítimo:

“O Movimento de Policiais Antifascismo tem toda a sua importância pela defesa da democracia, na formulação de políticas alternativas de segurança públicas, como alternativa a essa falida e desastrosa política de combate às drogas, que só serve para vender arma e combater população pobre, negra, periférica. Mas serve para também não cumprirmos essas recomendações ilegais, como denunciá-las. É obrigação do policial não cumprir ordem ilegal. É obrigação denunciá-las. Isso tem que ser elogiado e não punido. Isso dignifica a Polícia Militar à qual eu pertenço”, garantiu o coronel.

Relatório ilegal de Bolsonaro

Iriny lembrou o relatório sigiloso do governo federal envolvendo 581 servidores municipais, estaduais e federais da área de segurança e três professores universitários, acusados de participação política nas instituições de segurança. Trata-se do dossiê elaborado pelo Ministério da Justiça e cujo ato governamental foi considerado ilegal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em agosto de 2020.

O dossiê foi confeccionado logo após o Movimento de Policiais Antifascismo ter divulgado seu manifesto em defesa da democracia popular, em 2019. O documento foi assinado por 503 servidores da área de segurança: policiais civis e militares, penais, rodoviários, peritos criminais, datiloscopistas, escrivães, bombeiros e guardas municipais.