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Defensoria ingressa com ação para garantir energia a comunidades quilombolas do ES

A empresa Energias de Portugal (EDP), que explora a distribuição de energia elétrica no Espírito Santo, vem se recusando a fazer fornecimento para as comunidades quilombolas

Comunidades quilombolas do Sapê do Norte, no Norte do Espírito Santo | Foto: Divulgação/Arquivo

Walter Conde

Segundo a Defensoria Pública do Espírito Santo (DEPES), mais de duas mil pessoas em comunidades quilombolas da região do Sapê do Norte, entre Conceição da Barra e São Mateus, não têm acesso regulamentado a energia. O motivo: a dificuldade de comprovação da titularidade dos imóveis, exigida pela estrangeira Energias de Portugal (EDP), “em virtude do sucateamento do Incra, órgão federal responsável pela demarcação dos territórios dos povos tradicionais e indígenas”, diz a DEPES.

As famílias buscaram auxílio da Defensoria Pública do Estado que, por meio do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia, que ingressou com uma Ação Civil Pública, na última semana, para que a EDP aceite a autodeclaração de quilombola e a indicação de endereço, como comprovação de posse ou propriedade. De acordo com a Instituição, os processos de demarcação das comunidades de Sapê do Norte estão parados desde 2012.

“Dificuldade de dialogo com a EDP”

“Há muito tempo a gente está tentando a instalação de energia nas casas, as terras estão no nome da minha avó. Há cerca de dez anos ela faleceu e foi a partir daí que começamos a ter muita dificuldade nesse diálogo com a EDP, que exige documentação em nome das pessoas. No entanto, não temos, pois, está em nome da minha avó”, conta Flávia dos Santos, uma das moradoras do local.

Ela acredita que, por ser tratar de um território quilombola, a concessionária poderia atender as comunidades de acordo com os critérios previstos em lei específica para os povos tradicionais.

EDP viola os direitos tradicionais, diz a Defensoria

A Defensoria explica a exigência feita pela EDP, viola dos direitos dos povos tradicionais por estabelecer regras que impedem o acesso a um serviço fundamental. Atualmente, o Espírito Santo possui 87 comunidades quilombolas, em 28 municípios, muitas sem terras demarcadas, nem a certificação da Fundação Palmares.

Para Flávia, a atuação da Defensoria Pública é muito importante. “A Defensoria se disponibiliza e atua a favor do território nos sentimos mais seguro, além de uma perspectiva de resolução. Estamos confiando neste processo contra a EPD, que é algo que nunca tinha sido feito”.

Pedidos

Na ação, a Defensoria pede ainda que seja feito um diagnóstico das 33 comunidades quilombolas do Sapê do Norte, para identificar as necessidades específicas de cada uma, apresentando soluções técnicas de instalação, além de possibilidade de gratuidade do serviço e tarifa social. Após o diagnóstico, a EDP deverá elaborar um cronograma de execução das adaptações necessárias para oferta adequada do serviço.

 Quilombolas | Foto: Alex Rodrigues/Agência Brasil

Corte internacional julga o Brasil por violações contra quilombolas

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH) vai julgar denúncias apresentadas por comunidades quilombolas que acusam o Estado brasileiro de ter cometido violações durante a construção do Centro de Lançamento de Alcântara, localizado no Maranhão. Pela primeira vez, o Brasil será julgado por um caso envolvendo quilombolas. As audiências começam nesta quarta-feira (26), em Santiago, no Chile. As informações a seguir são da Agência Brasil.

As audiências ocorrerão nesta quarta (26) e quinta-feira (27) na sessão itinerante da Corte em Santiago, no Chile, às 15h30 (horário de Brasília) e às 10h, respectivamente. Serão ouvidas as vítimas, representantes do Estado, testemunhas e peritos.

A denúncia foi apresentada em 2001 por povoados, sindicatos e movimentos sociais à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A queixa foi aceita em 2006 pela comissão e levada à Corte somente em janeiro de 2022.

“O julgamento é de importância histórica. É a primeira vez na história do país que o Brasil será julgado em um tribunal internacional por crimes cometidos contra quilombolas. Além disso, constitui importante oportunidade para a própria Corte IDH consolidar jurisprudência de proteção aos territórios ancestrais de comunidades afrodescendentes na região”, disse Danilo Serejo, quilombola de Alcântara e assessor jurídico do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (Mabe), em nota divulgada pela organização Justiça Global.

Os denunciantes querem que a Corte determine que o governo brasileiro conceda a titulação definitiva do território quilombola, pague indenização às comunidades removidas e às que permaneceram no local, crie fundo de desenvolvimento comunitário em conjunto com as famílias quilombolas e realize estude de impacto ambiental e cultural.

“A imposição do Estado de construir o Centro de Lançamento de Alcântara num território tradicional, deteriorando modos de vidas, laços familiares e tentando apagar uma parte da nossa história, mostra como o racismo ambiental orientou a política. Por isso, o Brasil tem o dever, perante a Corte Interamericana, de reconhecer sua responsabilidade como ator nas violações contra os quilombolas de Alcântara, bem como avançar imediatamente com a titulação do território. O que está em jogo na Corte, nos próximos dias, é o real compromisso do Estado brasileiro com o enfrentamento ao racismo”, afirmou a diretora-executiva da Justiça Global, Glaucia Marinho.

Para a ministra substituta dos Direitos Humanos e da Cidadania, Rita Oliveira, que irá compor a delegação do governo, a audiência servirá para reconstruir a relação entre o Estado e os remanescentes dos quilombos. “Aprendemos nessa trajetória que o desenvolvimento científico e tecnológico não é incompatível com a defesa e promoção dos direitos humanos. Apenas o desenvolvimento baseado nos seus princípios legitima os avanços da ciência e da tecnologia com sustentabilidade etnoambiental e integridade pública”, avalia, conforme nota publicada pela pasta.

A delegação terá ainda integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU), do Comando da Aeronáutica, do Centro de Lançamento de Alcântara e dos ministérios das Relações Exteriores (MRE), da Defesa e da Igualdade Racial.

Entenda o caso

O Centro de Lançamento de Alcântara foi construído nas proximidades da capital São Luís, na década de 80 pela Força Aérea Brasileira (FAB), como base para lançamento de foguetes.

Na época da construção, 312 famílias quilombolas, de 32 povoados, foram retiradas do local e reassentadas em sete agrovilas. Alguns grupos permaneceram no território e, conforme os denunciantes, sofrem com a constante ameaça de expulsão para a ampliação da base.

Em 2001, representantes de comunidades quilombolas do Maranhão, do Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara (Mabe), da Justiça Global, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (Fetaema), do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) e da Defensoria Pública da União (DPU) apresentaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Governo brasileiro é acusado de violações

O grupo acusa o Estado brasileiro de ter cometido violações com a instalação do centro, com desapropriação e remoção compulsória de famílias quilombolas. Segundo a denúncia, a perda do território causou impacto no direito dessas comunidades à cultura, alimentação, educação, saúde e livre circulação. Além disso, não foi concedido aos quilombolas os títulos definitivos de propriedade.

Em 2004, a Fundação Palmares certificou o território. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) identificou e delimitou a área em 2008.

Cinco anos após a apresentação da denúncia, a comissão a considerou admissível. Em relatório de 2020, após audiências feitas em 2008 e 2019, o grupo recomendou que o governo brasileiro fizesse a titulação do território tradicional, consulta prévia aos quilombolas sobre o acordo firmado pelo Brasil e os Estados Unidos.

O acordo permite atividades espaciais de companhias norte-americanas na Base de Alcantâra, chamado acordo de salvaguardas tecnológicas. As recomendações não foram seguidas pelo governo brasileiro. Dessa forma, a comissão levou o caso à Corte em janeiro de 2022.