A urgência em combater mudanças climáticas tem impulsionado inúmeras instituições, públicas e privadas, ao redor do mundo, a adotarem medidas que sejam mais sustentáveis, sociais, econômicas e responsáveis. E o que isso tem a ver com a contabilidade? Atualmente, tudo
Por Sheylla Alves/Comunicação CFC
Para continuarmos com as homenagens ao Dia do Contador, a ser comemorado no próximo dia 22 de Setembro, separamos um tema que tem ganhado cada vez mais espaço no ambiente organizacional, como também nomeio contábil, em que os impactos ambientais estão diretamente ligados à produção de relatórios financeiros e fiscais de uma empresa e, também, ao seu valor de mercado.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), ao menos 45% das emissões de carbono devem ser reduzidas até 2030, e a intenção é que sejam zeradas até 2050. Essa proposta está em desenvolvimento pela Agenda 2030 de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que conta com metas a serem atingidas no âmbito social e ambiental em todo o globo.
Por isso, as boas práticas de Environmental, Social and Governance (ESG) influenciam a gestão de inúmeros negócios ao redor do mundo. A sigla ESG e a sua aplicabilidade têm sido motivo de valor mercadológico, apontadas por grandes investidores como indispensáveis, sendo fator decisivo inclusive para negociações e garantia de futuro no mercado financeiro. No entanto, essas boas práticas vão além da sustentabilidade e da governança, precisam também abranger o social.
Um caminho sem volta, daqui para frente, os valores ESG se tornaram indispensáveis na garantia de que as instituições cumpram as suas funções de negócio sem desrespeitar o meio e as relações com as quais estão envolvidas. É o que o professor do Departamento de Contabilidade e Atuária, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), da Universidade de São Paulo (USP), Eduardo Flores, ressaltou em entrevista ao Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Para ele, “os relatórios corporativos, considerando-se um enfoque especial para os relatórios de sustentabilidade, têm deixado de ser comunicações proforma ou até mesmo voluntárias, no sentido de descompromissadas, com o retrato de uma posição corporativa efetiva, para se tornarem efetivas fontes comunicacionais com o condão de alertar credores, investidores, entre outros agentes”, esclareceu.
Enquanto isso, a contabilidade, na qualidade de ciência social, tem passado, principalmente neste último século, por mudanças profundas para se manter em acordo com as mudanças tecnológicas e sociais. E os investidores passaram a analisar, ainda mais, a forma como as empresas estão lidando com os seus assuntos tributários, principalmente em como são mostrados os índices administrativos e os aspectos da agenda ESG.
Relato Integrado e a perspectiva do contador
Se o profissional da contabilidade colocar sua experiência a serviço desse novo conceito de sustentabilidade, a humanidade inteira irá se beneficiar com isso, foi o que a coordenadora geral da Comissão Brasileira de Acompanhamento do Relato Integrado, Vania Borgerth, contou ao CFC. “Não se trata de forçar o contador a se tornar um especialista em sustentabilidade, mas é muito mais fácil se o contador estiver liderando essa nova modalidade de reporte”, ressaltou.
A prática de registrar o desempenho da empresa diante dos objetivos de sustentabilidade é uma das exigências no cumprimento da agenda ESG, ao criar uma relação de confiança significativa que reflita na forma de ver dos investidores e, assim, há uma necessidade cada vez mais intensa em padronizar e resguardar essa confiabilidade.
Por isso, a criação do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), estabelecida por meio da Resolução CFC n.º 1.670, de 9 de junho de 2022, vem com o objetivo de estudo, preparo e emissão de documentos técnicos sobre padrões de divulgação sobre sustentabilidade e a divulgação de informações dessa natureza em âmbito nacional, levando sempre a adoção de padrões internacionais que são editados pelo International Sustainability Standard Board (ISSB), o que, segundo Eduardo Flores, foi uma célere resposta à Fundação International Financial Reporting Standards (IFRS).
Uma informação dada por Borgerth ressaltou que a criação do CBPS é uma mensagem clara e estratégica que o Brasil está dando ao mundo sobre já estar preparado para a padronização dos reportes ESG. “O Brasil certamente saiu na frente, o que resultará em maior celeridade ao processo”, completou.
Para Flores, o ISSB não tenta reinventar ou criar normas partindo-se do zero, afinal muitos conteúdos normativos de qualidade são elaborados, porém não têm sido adotados como esperado. Ele citou o exemplo das normas Task Force on Climate Related Financial Disclosures (TCFD), que lidam com a divulgação de efeitos de ordem climática e que foram colocados para audiência pública este ano pelo ISSB na forma de minutas.
“Esses protótipos de normas já estavam prontos e o ISSB os alavancou por meio do seu processo de consulta pública. Portanto, é pouco concebível a ideia de que nos próximos anos esses documentos passarão ao largo dos que negociam com as organizações. Antes, pelo contrário, o que tem se percebido é que, cada vez mais, algumas empresas e os seus departamentos de contabilidade estão se esforçando para compreender as informações de ESG demandadas pelos usuários dos relatórios corporativos e se empenhando para fornecer tais informações”, ressaltou.
A proposta do Relato Integrado tem exigido que empresas procurem o efeito de conscientização sobre as políticas de sustentabilidade. Para Vania Borgerth, esse processo faz com que as instituições se beneficiem das oportunidades em decorrência de uma gestão mais responsável com estímulos à inovação e à criatividade, assim, “ignorar a informação ESG é um grave dano ao conceito de transparência”, apontou, no entanto, é preciso utilizar de critérios e segurança para a criação da narrativa da informação no contexto ESG.
“A solução encontrada para garantir a confiabilidade desejada é o seu cruzamento com a informação financeira, proposta pelo Relato Integrado. O uso da informação contábil como âncora certamente facilitará o desenvolvimento de normas de reporte, ética e auditoria aproveitando os princípios fundamentais já existentes para evitar a perda de tempo e os ‘tropeços’ geralmente encontrados no desenvolvimento de qualquer parâmetro para o qual não se tem histórico ou experiência”, detalhou.
O papel do contador em organizações com práticas ESG
Em um aspecto geral, as instituições possuem particularidades e até as pequenas empresas possuem impactos sobre as questões ESG. Apesar de menores, é importante salientar que tem sido necessário prestar informações de natureza sustentável e, também, de seus recursos financeiros.
De certo, as grandes organizações precisam ser ainda mais cautelosas, para que possam usar a seu favor as informações ESG, Flores analisou, quando questionado sobre a utilização de relatos e dados no engajamento da agenda na perspectiva de obtenção de lucros, que tópicos de governança podem privilegiar a constituição de linhas de defesas sólidas para inibir práticas administrativas em desalinho com o propósito empresarial.
Para ele, “iniciativas concretas têm demonstrado reduções nas taxas de juros de títulos de dívidas de empresas com padrões ESG mais elevados (green bonds). Observando-se fundos de investimento que excluem dos seus portfólios de alocações de recursos de companhias que não consideram comprometimentos com questões relacionadas ao clima”, exemplificou.
Já para Borgerth, nós estamos vivendo um momento em que surge uma conscientização sobre a verdade de que finanças e sustentabilidade nunca estiveram separadas. “Decisões financeiras sempre tiveram impactos positivos e negativos sobre questões ESG. A necessidade de reportar exigirá que as empresas procurem tais efeitos, se beneficiem das oportunidades e preservem o seu valor, ou mitiguem os danos que não puderem ser evitados”, afirmou.
A análise de relatórios fiscais realizados sob a óptica ESG tem o potencial de elucidar questões globais na perspectiva e propósitos de uma empresa, gerando confiança, agregando oportunidade. O papel do contador, nesta nova era de propósitos sustentáveis e sociais, é apresentar uma oportunidade para que os relatórios representem a positividade de um negócio, mostre a gestão responsável em estímulo a novas perspectivas e ações. Flores finaliza ao ser questionado sobre o papel do contador diante do contexto ESG e detalha que contadores gozam de prestígio e credibilidade sociais no tocante a elaboração de relatórios que visem informar os decisores.
“Aliar a contemporânea demanda de informações ESG à tradição histórica e robusta dos contadores de se produzir normas voltadas à informação empresarial cumpre uma dupla função, sendo que permite que a informação ESG logre posições de robustez na sua concepção e asseguração na sua verificabilidade – atributos cobrados por agentes de mercado conquanto a tais informações; e possibilita que os profissionais da informação contábil prestem uma vez mais a sua contribuição para formação de sociedades mais justas e inclusivas”, finalizou.
Um conjunto de práticas que serão indispensáveis para que o contador possa gerar relatórios financeiros e reportar informações de forma transparente, estratégica e padronizada, em uma nova era de metas sustentáveis e sociais.
Primeira reunião do CBPS
Amanhã (22), acontecerá a primeira reunião do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), no Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo (CRC-SP), no horário das 9h às 12h.
Na ocasião, ocorrerá a posse dos novos membros do Comitê e suas coordenadorias, e serão apresentadas a logomarca e os documentos legais do CBPS e da Fundação de Apoio aos Comitês de Pronunciamentos Contábeis e de Sustentabilidade (FACPCS). Eduardo Flores e Vania Borgerth farão parte do Comitê e junto com eles outros dozes profissionais.