Exatamente nesta terça-feira (23), dia em que o Brasil bateu o maior recorde de 3.251 mortos pelo novo coronavirus (Covid-19), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) obrigou mais de nove mil emissoras de rádio e mais de 550 estações geradoras TV e 13.630 estações retransmissoras de sinais de televisão a retransmitirem mentiras em um pronunciamento oficial. Pressionado pelo recorde de mortes e falta de equipamentos básicos e de UTIs acreditou que iria reverter sua queda acentuada de popularidade e acabou arranhando ainda mais o que resta de popularidade.
Exatamente às 20h30, quando Bolsonaro começou usar a rede de emissoras de rádio e TVs, foi dado início a um panelaço acompanhado de gritos de “genocida” e “fora Bolsonaro”. Bolsonaro começou a mentir quando escondeu o seu negacionismo ao vírus, que se referia anteriormente como “gripezinha”, e à vacina, onde sempre foi contrário à imuniação. Em determinado momento de seu pronunciamento, chegou dizer que “sempre defendeu a vacina”.
Estranhamente, Bolsonaro disse: “Estamos fazendo e vamos fazer de 2021 o ano da vacinação dos brasileiros. Somos incansáveis na luta contra o coronavírus”. Para quem sempre distorceu as ações do Governo, uma afirmação nesse sentido parece no mínimo estranha. Ele ainda disse que “desde o começo da pandemia, há um ano, tem dito que os desafios são dois, o vírus e o desemprego”.
Ao contrário do que sempre fez, afirmou que “em nenhum momento, o governo deixou de tomar medidas importantes tanto para combater o coronavírus como para combater o caos na economia, que poderia gerar desemprego e fome”. Nos últimos meses Bolsonaro minimizou a pandemia, provocou aglomerações, falou contra o uso de máscaras, brecou negociações de imunizantes e, por diversas vezes, manifestou-se contra as vacinas. O presidente ainda debochou em suas redes sociais do sofrimento das famílias diante da perda de seus entes queridos diante do Covid-19.
Outra mentira de Bolsonaro dita em rede nacional foi quando ele afirmou que o Brasil é o quinto país que mais vacina no mundo e que mais de 32 milhões de doses foram distribuídas a todos os estados “graças às ações que tomamos logo no início da pandemia”. Os cidadãos brasileiros reclamam da lentidão do processo de vacinação, exatamente porque Bolsonaro se recusou a tomar providências ainda no ano passado e fazer as encomendas de vacinas.
“Sempre afirmei que adotaríamos qualquer vacina, desde que aprovada pela Anvisa. E assim foi feito”, teve a desfaçatez de esconder o deboche que fez com a vacina que o Instituto Butantã vem produzindo, em parceria com empresa chinesa, a Coronavac. O presidente disse no pronunciamento que “em julho de 2020, assinamos um acordo com a Universidade de Oxford para a produção, na Fiocruz, de 100 milhões de doses da vacina AstraZeneca e liberamos, em agosto, R$ 1,9 bilhão”.
Mentiras
Essa foi outra mentida, uma vez que a autorização para o uso emergencial só foi concedida pela Anvisa em 17 de janeiro deste ano, juntamente com a da Coronavac. No pronunciamento, Bolsonaro também cita a adesão ao consórcio Covax Facility, mas não menciona que, por opção do governo, adquiriu-se doses para apenas 10% da população por meio da iniciativa. Documentos mostram que cada país poderia optar por doses para 20% da população ou mais.
O presidente também afirma que intercedeu pessoalmente junto a Pfizer para antecipar o calendário de entrega de 100 milhões de doses. No entanto, Bolsonaro escondeu a informação de que ele própria havia rejeitado proposta da farmacêutica que pretendia enviar 70 milhões de doses de vacinas até dezembro deste ano. Do total, três milhões estavam previstos até fevereiro, o equivalente a cerca de 20% das doses distribuídas no país até o início de março.
Dificuldade de leitura
O pronunciamento contendo as mentiras foi gravado no mesmo dia em que foi veiculado sob a orientação do almirante Flávio Rocha como titular da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) e não por um especialista em comunicação. Bolsonaro, por ter dificuldade em ler o teleprompter (equipamento acoplado às câmaras de vídeo que exibe o texto a ser lido pelo apresentador) chegou a pedir para fazer seu pronunciamento livremente, sem texto para ler.
Para quem foi agressivo em outros pronunciamentos, como o uso de palavras como “histeria” e “fantasia” para se referir ao Covid-19 e por se auto elogiar e dizer que tem um “histórico de atleta” e que por isso não contrai coronavirus, na noite desta terça-feira ele estava recuado. O recuo tem objetivos políticos com vistas à eleição presidencial do ano que vem., já que ele terá no páreo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.