“O problema mais visível não é diretamente o aumento da temperatura, mas o efeito desse aumento. Com a atmosfera mais aquecida, ela retém mais água. Então, com mais água na atmosfera, quando chove, a chuva é mais intensa”, disse o professor Neyval Reis, do Departamento de Engenharia Ambiental da Ufes

Um dos destaques da programação da Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Ufes, a conferência Adaptação climática do estado do Espírito Santo: onde estamos? reuniu o público no Teatro Universitário na tarde da última quinta-feira (20). Na ocasião, o professor Neyval Reis, do Departamento de Engenharia Ambiental da Ufes, discorreu sobre a emergência climática local e as formas de mitigá-la. A conferência teve apresentação do professor Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), e contou com espaço para perguntas do público.
A princípio, Neyval Reis fez um panorama geral das mudanças climáticas que atingem todo o planeta, exemplificando com casos recentes de secas, inundações, deslizamentos e outros desastres vividos pela população capixaba, como as chuvas intensas que atingiram o município de Mimoso do Sul em março de 2024.
“O problema mais visível não é diretamente o aumento da temperatura, mas o efeito desse aumento. Com a atmosfera mais aquecida, ela retém mais água. Então, com mais água na atmosfera, quando chove, a chuva é mais intensa”, afirmou.
Para exemplificar, o professor mostrou por meio de um gráfico que o número de desastres naturais aumentou de cerca de 200, nos anos 1980, para aproximadamente 820, em 2019. “Isso tem se tornado cada vez mais frequente. É o novo normal. O sul do estado sempre foi mais chuvoso e o norte, mais seco. Mas o que tem acontecido é que cada ano tem sido mais difícil. Nossa infraestrutura não está pronta para esse contexto”, afirmou o professor. “E as pessoas atingidas, de maneira geral, são as mais vulneráveis. Vulnerabilidade social está muito ligada à vulnerabilidade climática”.
Segundo o professor, caso não se tomem medidas na direção de um futuro sustentável, as projeções de aumento de temperatura no planeta levarão o Espírito Santo a um contexto de episódios de chuvas mais intensas; períodos de seca mais longos, sobretudo no norte do estado; ondas de calor mais frequentes e com mais intensidade; temperaturas médias maiores; e temperaturas máximas e mínimas maiores.
Soluções
Para combater a emergência climática, é necessário um conjunto de ações, segundo o professor, balizadas por mitigação e adaptação às mudanças. Atual coordenador do Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas do Espírito Santo, em ação do governo do estado em parceria com a Ufes e outras instituições de pesquisa, Neyval Reis também liderou a elaboração do Plano de Descarbonização e Neutralização das Emissões de Gases de Efeito Estufa do ES.
Construído a partir da integração das áreas de infraestrutura, proteção e defesa civil, recursos hídricos, cidades, agricultura e saúde, o Plano de Adaptação está baseado em quatro princípios fundamentais: foco nos riscos atuais, como deslizamentos e eventos extremos; projeção do futuro; integração de diferentes esferas e programas; e participação da comunidade interessada. “Como vamos escolher, por exemplo, qual obra fazer primeiro? A comunidade precisa dizer, participar”, manifestou.
Mesa-redonda: o papel dos oceanos
A interdependência entre clima e oceano esteve no foco das reflexões na primeira mesa-redonda desta quinta-feira do Cine Metrópolis. Diante de uma sala lotada, pesquisadores apresentaram estudos com dados sobre o impacto da preservação do oceano num contexto de emergência climática. Ao final das palestras, os especialistas debateram com o público, com mediação da professora Cristina Engel.
Pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), Ilana Wainer destacou o papel central do oceano no sistema climático, sobretudo sua capacidade de armazenar e distribuir calor. Ela explicou que esse acúmulo de calor, além de estar diretamente relacionado ao aumento do nível do mar, pode contribuir para uma elevação ainda maior da temperatura da atmosfera.
“O oceano está dividido em camadas, o que chamamos de estratificação vertical. O preocupante é que temos agora calor armazenado em camadas abaixo de dois mil metros da superfície. Isso é muito fundo. Além de afetar a distribuição de energia – porque chega um ponto em que o oceano fica saturado –, em vez armazenar o calor, o oceano vai emitir calor. Então, além do aquecimento global causado pelos gases estufa, teremos o próprio calor do oceano transportado de volta para a atmosfera”, explicou.
Doutora em Oceanografia Ambiental pela Ufes, a professora Kyssyane Oliveira elencou algumas das funções essenciais do oceano na biodiversidade do planeta: proteção contra eventos extremos, como tempestades, tsunamis e erosões, contidas por recifes de corais, manguezais e dunas costeiras; purificação da água, pois abrigam organismos filtradores, como ostras e mexilhões; transporte e reciclagem de nutrientes; e regulação do clima, absorvendo carbono e sequestrando dióxido de carbono.
“Ao explorarmos por necessidade, precisamos preservá-lo de alguma forma. Se só explorarmos, aumentamos a nossa vulnerabilidade, principalmente a eventos extremos, não só costeiros”, afirmou ela, sugerindo mapeamento, gestão, educação formal e divulgação científica como ações eficazes para a redução do desastre climático.
Soluções na natureza
O professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Moacyr Araújo também defendeu a utilização de soluções baseadas na natureza, como a preservação de manguezais, que contêm mais carbono que as florestas tropicais, e de recifes de corais, capazes de reduzir a energia das ondas em até 75%. “A solução mais econômica, mais inteligente, é preservar recifes de corais quando se fala em aumento do nível do mar”, disse.
Araújo defendeu ainda o investimento em formas de energia oceânica, as quais chamou de “segunda geração de [energia] renovável”. Ela seria gerada, segundo ele, por diferenças de temperatura; corrente oceânica; ondas de maré; e ondas de subsuperfície. “São fontes de energia muito mais limpas que fotovoltaica e eólica, por exemplo. E são intermitentes, não param nunca”, explicou. Uma das alternativas para a criação dessas fontes de energia seria a instalação de observatórios experimentais em Fernando de Noronha.
“Precisamos utilizar nossas ilhas como observatórios para a prevenção de eventos extremos, mas também para geração de energia. Podemos fazer análises para alimentar todos esses modelos”, disse.
Por fim, o professor Segen Farid Estefen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou a aceleração do processo de mudanças climáticas e, entre seus efeitos, argumentou que o mais crítico é a mudança nas correntes oceânicas: “Se nós não conseguirmos evitar o aumento brusco de temperatura e mudança de salinidade, o padrão de circulação oceânica pode ser alterado. Isso pode trazer consequências muito graves para todos os continentes”. Segundo ele, a solução é pesquisar para investir em modelos de previsão. “O experimento é insubstituível porque traz a realidade”, completou.
Texto: Leandro Reis