Governos estaduais usam o equipamento para monitorar opositores, invadindo aparelhos celulares remotamente e sem autorização judicial
Encerrou nesta última sexta-feira (31) o prazo de 15 dias que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, deu para o Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES) e dos demais Estados brasileiros a dar informações sobre licitações, compras ou contratações de ferramentas de monitoramento secreto (softwares espiões) de aparelhos de comunicação pessoal, como celulares e tablets. O Espírito Santo é um dos Estados que comprou o First Mil, da empresa israelense Cognyte (ex-Verint), com o intuito de bisbilhotar opositores políticos, jornalistas e até juízes.
O ministro Zanin atendeu à solicitação da procuradora da República Elizeta Maria de Paiva Ramos, feita através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.143, onde é questionada “a ausência de regulamentação do uso desses programas por órgãos públicos.”
Inicialmente a Procuradoria Geral da República (PGR) havia enviado a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 84, em que aponta ausência de atuação normativa do Congresso Nacional na regulamentação da matéria. Posteriormente, a ação foi convertida na ADPF 1.143 a pedido da própria Procuradoria-Geral da República.
“Vigilância remota e invasiva de dispositivos móveis”, diz a PGR
O órgão alega que essas tecnologias vêm sendo utilizadas por serviços de inteligência e órgãos de repressão estatais para vigilância remota e invasiva de dispositivos móveis, sob o pretexto de combate ao terrorismo e ao crime organizado. O ministro explicou que tais produtos compreendem, mas não se limitam, a ferramentas como o Pegasus, Imsi Catchers (como o Pixcell e o G12) e, também, programas ou aplicativos que rastreiam a localização de alvos específicos, como o First Mile e o Landmark.
“Na hipótese de serem identificados processos administrativos versando sobre a aquisição ou contratação de tais produtos, solicita-se a remessa, no mesmo prazo, de relatórios, orientações ou decisões proferidas”, destacou Zanini.
Em janeiro deste ano, o relator solicitou informações ao Congresso Nacional e encaminhou os autos para manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) e da PGR. Em abril, determinou a realização de audiência pública com a finalidade de obter informações técnicas e empíricas sobre o tema, marcada para os dias 10 e 11 de junho.
Inviolabilidade da vida privada
No fundamento da ADPF 1.143, a procuradora diz nas páginas 12 e 13 do documento que a “Constituição Federal de 1988 inseriu no rol dos direitos e das garantias fundamentais a inviolabilidade da intimidade e da vida privada das pessoas (art. 5º, X) e consolidou a garantia de proteção a diferentes espécies de comunicação pessoal, escrita ou oral (art. 5º, XII), tutelando ‘em primeira linha, o processo comunicativo intersubjetivo, no sentido da reserva das comunicações pessoais em face do conhecimento pelo Estado ou por terceiros, independentemente da maior ou menor importância do conteúdo da comunicação”. Pretendeu os preceitos constitucionais evitar a interferência de terceiros no processo comunicativo estabelecido entre os interlocutores”, assinalou Elizeta Ramos.
“Consta do voto do Min. Relator Gilmar Mendes tema vinculado à presente ação, que vem a ser justamente a necessidade de se evitar a existência de um “Estado espião”: Esses avanços tecnológicos são importantes e devem ser utilizados para a segurança pública dos cidadãos e a elucidação de delitos . Contudo, deve-se ter cautela, limites e controles para não transformar o Estado policial em um Estado espião e onipresente, conforme descrito por George Orwell em seu livro ‘1984’, prosseguiu.
“Entre os softwares e ferramentas supostamente negociados, estariam o Pegasus, capaz de infectar aparelho celular e tomar seu controle sem o conhecimento ou, mesmo, nenhuma interação por parte do usuário, bastando, para a infecção do equipamento, que o operador da ferramenta saiba algum dado identificador relacionado ao alvo (número de telefone, e-mail, nome de usuário em rede social); a ferramenta Pixcell, que tem a capacidade de obter toda a comunicação do celular alvo, a partir da simulação de uma estação rádio base; o software Hermes, voltado à coleta de dados de pessoas de interesse, de forma indetectável, na rede aberta e na deep web; a ferramenta Landmark, que permite localizar qualquer pessoa em tempo real, bastando o fornecimento do número de acesso telefônico; o programa Storm, voltado à extração de dados mantidos em nuvens sem deixar rastros, entre outras ferramentas similares”, narrou a procuradora da República no documento enviado ao STF.
O que o First Mile faz contra o cidadão
O FirstMile é um software israelense de alta tecnologia utilizado por governos de vários países, com o intuito de monitorar o comportamento de seus opositores. O software não é comercializado a pessoas comuns, apenas a governos. O FirstMile permite monitorar, sem autorização judicial, cerca de 10 mil celulares por um período de um ano, fornecendo a localização do aparelho em tempo real, apenas inserindo o número do telefone do opositor político no software de inteligência.
O software permite o total controle do celular, tablet ou computador a ser monitorado, permitindo ler os e-mails, todos os dispositivos eletrônicos de informática, como telefonia, de conversas em aplicativos, de produção de fotos e vídeos de forma remota, e até a obtenção de informações documentadas hospedadas em servidores em nuvens.