O Estado do Espírito Santo está entre os estados brasileiros com maiores taxas de infecção pelo vírus da hepatite B (HBV) no país. A prevalência da hepatite B crônica é cerca de três vezes maior do que a média nacional, que está em torno de 0,5% da população com predomínio do componente familiar na transmissão do HBV. Essa foi a conclusão de uma pesquisa desenvolvida por pesquisadores da Ufes e pesquisadores convidados.
Com o título Hepatitis B vírus genotypes and subgenotypes and the natural history and epidemiology of hepatites B (Genótipos e subgênitos do vírus da hepatite B e a história natural e epidemiologia da hepatite B), o estudo realizou uma análise descritiva dos aspectos demográficos, epidemiológicos, laboratoriais e clínicos de 587 pacientes crônicos de HBV acompanhados no Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam). A investigação foi publicada nos Annals of Hepatology Science Direct Elsevier.
Os objetivos do estudo foram caracterizar os genótipos (variedade genética viral) do vírus da hepatite B, sua distribuição nas macrorregiões de saúde do estado e avaliar associação entre esses fatores virológicos e aspectos clínicos e epidemiológicos do indivíduo e fases da doença.
A professora do Departamento de Clínica Médica do Centro de Ciências da Saúde (CCS) e chefe do Serviço de Doenças Infecciosas do Hucam, Tania Reuter, coordenou o estudo e contou com a colaboração de médicos subinvestigadores do Hospital Universitário Ulisses Duque, José Américo Carvalho e Waltesia Perini; da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (Emescam), Marcello Queiroz; e da Universidade de São Paulo (USP), João Renato Pinho.
Até o momento, o estudo é o mais longo e com maior amostragem de pacientes com fatores de hepatite B realizado no Brasil. Foram 12 anos de seguimento no ambulatório de hepatites virais do Serviço de Infectologia do Hucam, entre julho de 2005 e julho de 2017. Dados demográficos (idade, sexo e cidade de nascimento), epidemiológicos, laboratoriais e clínicos foram extraídos de consultas médicas descritas nos prontuários durante todo o período de acompanhamento.
Resultados
Dos 587 participantes do estudo, 270 tiveram amostra sanguínea coletada disponível e com DNA do VHB detectável. Em 202 dessas amostras, foi possível amplificar e sequenciar o genoma do HBV para caracterizar os genótipos e subgenótipos. Considerando apenas os pacientes do Espírito Santo, o estudo indicou que 61,9% são provenientes da região metropolitana; 8,4%, do norte; 17,4%, da região central; e 12,2%, do sul do estado.
De acordo com os pesquisadores, o genótipo A foi o mais prevalente nos pacientes analisados, com 65,3% dos casos, seguido pelos genótipos D (32,7%) e F (2%). Essa predominância, conforme o estudo, pode se correlacionar com imigração de negros africanos trazidos durante o período colonial da escravidão (século XVI-XIX) e imigrantes europeus, principalmente italianos (no século XIX e início do século XX).
“É importante ressaltar que esses genótipos foram introduzidos há vários séculos e que, em uma população altamente miscigenada como a nossa, tenha contribuído na formação de clusters específicos, tanto em amostras de indivíduos de diferentes regiões do estado quanto em diferentes regiões do Brasil”, explica a professora Tânia Reuter.
O estudo observou ainda que a transmissão de mãe para filho (chamada vertical) ocorrida durante a gravidez ou no parto foi o mecanismo mais frequente na transmissão do HBV. “Essa é uma das principais razões para o Espírito Santo apresentar mais casos de hepatite B do que outros estados. Por isso, o pré-natal seguro é importante como medida de prevenção da transmissão do vírus da hepatite B. Antes dos anos 90, ainda não era obrigatório testar a grávida para HIV, hepatite B e C, e sífilis. Atualmente, o teste é realizado no primeiro e no último trimestre da gestação para evitar essa transmissão vertical”, conclui a pesquisadora.
Em seguida, vêm a transmissão entre pessoas residentes no mesmo domicílio, compartilhamento de agulhas a partir do uso de drogas injetáveis ou inalatórias, transfusão sanguínea e relações sexuais.
Os participantes da pesquisa alertam que a infecção pelo HBV é um grande problema de saúde pública no Brasil. Em algumas áreas ou países, a transmissão vertical e a intrafamiliar são o principal modo de propagação da doença. “Mesmo após mais de duas décadas de implementação da vacina contra o HBV, estudos epidemiológicos como o nosso, realizados em algumas regiões do Brasil, ainda evidenciam um forte componente familiar na transmissão do HBV. A pesquisa apontou que a transmissão vertical e intrafamiliar é a principal responsável pelos casos registrados no Espírito Santo”, ressaltam os pesquisadores.
Sobre a doença
A hepatite B é uma doença infecciosa que agride o fígado e está presente no sangue e em secreções sexuais. A transmissão da doença ocorre por meio do sangue e de fluidos genitais, por isso é também considerada uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST). O vírus da HBV afeta mais de 270 milhões de pessoas em todo o mundo, com cerca de 78 mil mortes a cada ano por complicações da doença como cirrose e câncer no fígado. Segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), entre os anos de 1999 e 2021, foram confirmados 16.333 casos de hepatites virais no Espírito Santo.
Apesar de ainda não ter cura, a hepatite B pode ser prevenida, principalmente por meio da vacinação, do uso de preservativo nas relações sexuais e do não compartilhamento de seringas, agulhas, material de manicure e pedicure, além de outros instrumentos perfurocortantes ou objetos de higiene pessoal que possam ser meios de disseminação da doença. Há também as pessoas que têm o vírus, mas a doença ainda não evoluiu e são considerados portadores do HBV com a doença inativa. Nessa situação, o indivíduo necessita de acompanhamento médico e controle laboratorial regularmente.