Os municípios capixabas viveram epidemias concomitantes de dengue, chikungunya e zika, além da Covid-19, no primeiro semestre do ano passado. As implicações epidemiológicas das ocorrências simultâneas dessas doenças e os desafios diante do cenário estudado foram tema de um artigo publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, que tem como uma das autoras a professora do Departamento de Medicina Social e do Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas da Ufes Rachel Vicente.
Entre 1º de janeiro a 31 de julho do ano passado, foram registrados no Espírito Santo 44.614 casos de dengue, 8.092 de chikungunya, 3.138 de zika e 91.483 de covid-19. Mas os números das arboviroses podem ser ainda maiores devido ao cenário de pandemia do novo coronavírus, que afastou a população dos serviços médicos, adoeceu profissionais de saúde e comprometeu recursos laboratoriais e ambulatoriais.
Aedes aegypti X Covid-19
A professora lembra que as infecções virais transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti (imagem) já eram conhecidos problemas de saúde pública no Brasil com ocorrência simultânea. A pandemia da Covid-19 impôs desafios adicionais com epidemias sobrepostas, aumentando a demanda por serviços de saúde. Os sintomas das doenças em suas fases iniciais podem ser parecidos, como febre e mal-estar. Erros de diagnóstico podem atrasar o tratamento apropriado e a gestão epidemiológica.
O estudo levou em conta os dados oficiais de casos prováveis de dengue, chikungunya e zika e de casos confirmados de covid-19 notificados à Secretaria Estadual de Saúde, conforme critérios definidos pelo Ministério da Saúde. De acordo com o levantamento, a incidência ultrapassou 300 casos por 100 mil habitantes em 27 municípios para dengue e em quatro municípios para chikungunya. No caso da zika, foi maior que 100 para cada grupo de 100 mil habitantes em quatro municípios.
Região metropolitana e pólos regionais
A sobreposição das epidemias atingiu especialmente a região metropolitana e os pólos regionais de desenvolvimento econômico, por serem áreas de maior adensamento populacional e locais mais propícios para a existência de criadouros do mosquito Aedes aegypti. De acordo com Rachel Vicente, as epidemias concomitantes impõem ao Poder Público o desafio de manter um sistema de saúde em funcionamento nas suas diferentes frentes, incluindo laboratórios, atenção primária, hospitais e sistemas de vigilância epidemiológica.
A orientação inicial para que a população evitasse ir ao posto médico com sintomas leves de adoecimento e a estrutura laboratorial insuficiente para exames podem ter resultado numa subnotificação dos casos. “O esperado, levando em conta a tendência observada no final de 2019 e início de 2020, era que no ano passado tivéssemos ainda mais casos de dengue, chikungunya e zika. Dessa forma, a realidade pode ter sido muito pior do que o sistema de saúde conseguiu captar”, afirmou ela. Além disso, podem ter ocorrido coinfecções – dengue e covid-19, por exemplo –, mas possivelmente muitas não foram detectadas nesse cenário complexo.
Vicente destaca que é necessária uma política de Estado no sentido de manter em dia a vigilância epidemiológica e a vigilância ambiental, além de uma estrutura urbana adequada, com água encanada e coleta seletiva de lixo. “A população também tem que manter os cuidados nas residências. Nesse momento é uma situação preocupante porque temos ocupação de mais de 90% dos leitos hospitalares e de UTI, mas as arboviroses não deixaram de existir e a dengue, por exemplo, em alguns casos, demanda internação e hidratação intravenosa. Devemos ficar em alerta com esse sistema sobrecarregado”, afirmou.