Policiais militares (PMs) do Comando de Operações Especiais (COE) e alunos do Curso de Formação de Oficiais (CFO) participaram de um estudo desenvolvido por pesquisadores da Ufes que analisou, de maneira inédita, a percepção da imagem e da dimensão corporal dos agentes de segurança pública do estado do Espírito Santo. A pesquisa concluiu que o uso de fardamentos e equipamentos de proteção individual (EPIs), como coletes à prova de balas, armas e coturnos, alteram a percepção da imagem do próprio corpo, o que pode ocasionar situações de perigo durante operações policiais em ações de camuflagens e ocultações.
A ideia para o desenvolvimento do estudo surgiu após a professora do Departamento de Desportos (DD) Roberta Rica assistir a uma palestra cuja temática versava sobre como a imagem corporal pode impactar a vida das pessoas. “Embora esse conceito seja frequentemente discutido no contexto dos transtornos alimentares, é inovador aplicá-lo em diferentes áreas, especialmente para compreender a dinâmica profissional de policiais”, pontua.
Estudo
O estudo, intitulado A percepção da imagem e dimensão corporal de militares de Vitória – ES, foi dividido em duas etapas. Na primeira, Rica analisou a imagem corporal dos militares da COE com e sem farda. “Nos nossos resultados, utilizando a farda operacional, os militares percebiam seus ombros, cintura e quadril maiores do que comparado às médias sem a farda. Ou seja, eles perceberam o tamanho dessas regiões corporais maiores do que realmente eram”, avalia Rica.
Ao analisar a percepção do tamanho total do corpo, 81% dos agentes foram classificados como hipoesquemáticos, isto é, perceberam seus corpos menores do que realmente eram. Por outro lado, sem o fardamento, Rica observou que os agentes tiveram melhor imagem corporal, o que levou a pesquisadora a concluir que os EPIs podem alterar a percepção da imagem corporal.
Em um segundo momento, ao analisar os alunos do CFO trajando uniformes de treinamento físico militar (que inclui camiseta, bermuda e tênis), o estudo mostrou que 31% dos militares possuíam imagem corporal adequada. “Chamou-me a atenção o fato de que a maioria (63%) se perceberam menores comparado aos policiais do COE sem a farda (74%)”, ressalta Rica.
De acordo com ela, o problema desta percepção menor do próprio corpo pode estar relacionado ao fato de que os policiais, muitas vezes, pensam que estão abrigados, mas, como estão com a percepção alterada, ficam, na verdade, expostos, colocando em risco a própria integridade física. “Técnicas como camuflagem e ocultação são frequentemente empregadas em operações policiais especiais ou táticas, em que a discrição e a segurança são fundamentais para alcançar os objetivos da missão. Se o policial se percebe menor do que ele realmente é, esta ocultação pode ser prejudicada e expor o policial a riscos desnecessários”, salienta.
Imagem corporal
Rica define a imagem corporal perceptual como um componente sensorial, no qual o responsável é o sistema visual. Assim, trata-se da percepção da dimensão corporal e de suas relações no espaço:
“A relação entre imagem corporal e policiais militares é multifacetada e impactante, desempenhando um papel importante em suas vidas, podendo ser influenciada por fatores sociais, culturais e individuais. Os policiais militares precisam estar em boa forma física para realizar suas funções de maneira eficaz e isso pode criar pressão para manter um certo padrão de condicionamento físico e, consequentemente, influenciar sua percepção sobre o próprio corpo”.
Segundo ela, uniformes e equipamentos utilizados pelos PMs, como colete balístico; cinto tático; coldre de perna; 12 armas com seus carregadores principais e sobressalentes municiados; faca; coturnos; algemas; rádio comunicador; e lanterna, podem alterar a percepção do próprio corpo, além de gerar desconforto físico.
“Temos também na profissão expectativas sociais e profissionais, pois existe uma pressão sobre os policiais militares para manter a imagem de força, coragem e profissionalismo. Isso pode levar a uma preocupação com a aparência física e à adoção de comportamentos prejudiciais à saúde, como dietas extremas e uso de substâncias para melhorar o desempenho físico”, explica.
Para Rica, o estresse e as demandas emocionais da profissão policial podem, também, impactar negativamente a autoimagem e a saúde mental destes agentes, podendo causar problemas como ansiedade, depressão e distúrbios alimentares: “É essencial promover uma cultura de apoio à saúde mental dentro das forças policiais, reconhecendo e abordando os desafios específicos relacionados à imagem corporal para garantir o bem-estar holístico dos policiais”.
Grupo de estudos
A pesquisa de Rica tem relação direta com seus trabalhos como pesquisadora do Grupo de Estudo Fisiologia Translacional Aplicada à Saúde, Esporte e Rendimento Humano. Coordenador do grupo, o professor do DD Danilo Bocalini acredita que investigações sobre imagem corporal com diferentes abordagens, como esta, contribuem significativamente nas relações humanas: “Ações como permanecer em posições inadequadas em viaturas e durante as atividades administrativas, a sobrecarga imposta pelos EPIs, bem como situações de confronto, pode ser influenciada por alterações na percepção da imagem corporal”.
O Grupo de Estudo Fisiologia Translacional Aplicada à Saúde, Esporte e Rendimento Humano está vinculado ao Laboratório de Fisiologia e Bioquímica Experimental (Labife/Ufes), coordenado pelo professor do DD André Leopoldo. O grupo conta com professores e estudantes da Ufes, além de pesquisadores de outras instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais. As pesquisas têm o objetivo comum de monitorar indicadores biológicos, comportamentais, psicológicos, perceptuais e ocupacionais relacionados à saúde de agentes de segurança pública do Espírito Santo.
A Comissão Permanente de Atenção à Saúde dos Profissionais de Segurança Pública, Defesa Social e Justiça do Espírito Santos (Copas), coordenada pelo pesquisador da Ufes Pedro Ferro, apoia as atividades do grupo.
Texto: Adriana Damasceno