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Ex-ministro Jungmann adverte STF para preparativos de Bolsonaro para uma guerra civil

O ex-ministro da Defesa e Segurança Pública, Raul Jungmann, enviou uma carta aberta aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para alertar sobre os preparativos do presidente Jair Bolsonaro em promover uma guerra civil. Na carta, ele afirma que os recentes decretos do presidente Bolsonaro ampliando o acesso a armas à população são “um nefasto processo” que gera “iminente risco de gravíssima lesão ao sistema democrático”.

No texto, Jungmann afirma que  “é inafastável a constatação de que o armamento da cidadania para ‘a defesa da liberdade’ evoca o terrível flagelo da guerra civil, e do massacre de brasileiros por brasileiros, pois não se vislumbra outra motivação ou ou propósito para tão nefasto projeto”.

Armando a população

O ex-ministro pede que o STF rejeite as iniciativas. O PSB e o PT já foram ao Supremo questionar a legalidade dos mesmos decretos. “É inafastável a constatação de que o armamento da cidadania para ‘a defesa da liberdade’ (o argumento de Bolsonaro) evoca o terrível flagelo da guerra civil, e do massacre de brasileiros por brasileiros, pois não se vislumbra outra motivação ou propósito para tão nefasto projeto”, diz o ex-ministro em trecho de sua carta. Leia a íntegra da carta aberta dirigida ao Supremo Tribunal Federal pelo ex-ministro da Defesa e Segurança Pública Raul Jungmann:

“Sr. presidente e srs. ministros do Supremo Tribunal Federal,

Dirijo-me a essa egrégia corte na dupla condição de ex-ministro da Defesa Nacional e da Segurança Pública, com o objetivo de alertar para a gravidade do nefasto processo de armamento da população, em curso no Brasil.

É iminente o risco de gravíssima lesão ao sistema democrático em nosso país com a liberação, pela Presidência da República, do acesso massificado dos cidadãos a armas de fogo, inclusive as de uso restrito, para fins de “assegurar a defesa da liberdade dos brasileiros” (sic), sobre a qual inexistem quaisquer ameaças, reais ou imaginárias.

O tema do armamento dos cidadãos, até aqui, foi um assunto limitado à esfera da segurança pública em debate que se dava entre os que defendiam seus benefícios para a segurança pessoal e os que, como nós, e com base em ampla literatura técnica, afirmávamos o contrário —seus malefícios e riscos às vidas de todos.

Ao transpor o tema da segurança pública para a política, o Executivo incide em erro ameaçador, com efeitos sobre a paz e a integridade da nação, pelos motivos a seguir. Em primeiro lugar, viola um dos principais fundamentos do Estado, qualquer Estado, que é o de deter o monopólio da violência legal em todo o território sobre a sua tutela, alicerce da ordem pública e jurídica e da soberania do país.

Em segundo lugar, pelo fato de que as Forças Armadas são a última ratio sobre a qual repousa a integridade do Estado nacional. O armamento da população proposto —e já em andamento—, atenta frontalmente contra o seu papel constitucional, e é incontornável que façamos a defesa das nossas Forças Armadas. Em terceiro, é inafastável a constatação de que o armamento da cidadania para “a defesa da liberdade” evoca o terrível flagelo da guerra civil, e do massacre de brasileiros por brasileiros, pois não se vislumbra outra motivação ou propósito para tão nefasto projeto.

Ao longo da história, o armamento da população serviu a interesses de ditaduras, golpes de Estado, massacre e eliminação de raças e etnias, separatismos, genocídios e de ovo da serpente do fascismo italiano e do nazismo alemão.

No plano da segurança pública, mais armas invariavelmente movem para cima as estatísticas de homicídios, feminicídios, sequestros, impulsionam o crime organizado e as milícias, estando sempre associadas ao tráfico de drogas.

Por essas razões, Estados democráticos aprovam regulamentos rígidos para a sua concessão aos cidadãos, seja para a posse e, mais ainda, para o porte. Dramaticamente, srs. ministros, estamos indo em sentido contrário à vida, bem maior tutelado pela lei e nossa Constituição, da qual sois os guardiães derradeiros.

Em 2018, pela primeira vez em muitos anos, revertemos a curva das mortes violentas, por meio de um amplo esforço que culminou com a lei do Susp (Sistema Único de Segurança Pública), que permanece inexplicavelmente inoperante. Hoje, lamentavelmente, as mortes violentas voltaram a subir no corrente ano e no ano anterior, enquanto explodem os registros de novas armas em mãos do público: 90% a mais em 2020, relativamente a 2019, o maior crescimento de toda série histórica, segundo dados da Polícia Federal.

Com 11 milhões de jovens fora da escola e do trabalho, os “sem-sem”, vulneráveis à cooptação pelo crime organizado, a terceira população carcerária do planeta (862 mil apenados, segundo o Conselho Nacional de Justiça), um sistema prisional controlado por facções criminosas, polícias carentes de recursos, de meios e de ampla reforma, mais armas em nada resolvem o nosso problema de violência endêmica —antes a agravam e nos tornam a todos reféns.

Está, portanto, em vossas mãos, em grande parte, impedir que o pior nos aconteça. Por isso apelamos para a urgente intervenção desta egrégia corte, visando conjurar a ameaça que paira sobre a nação, a democracia, a paz e a vida.

Lembremo-nos dos recentes fatos ocorridos nos EUA, quando a sede do Capitólio, o Congresso Nacional americano, foi violada por vândalos da democracia. Nossas eleições estão aí, em 2022. E pouco tempo nos resta para afastar o inominável presságio.

Respeitosamente, Raul Jungmann”