Na contramão do objetivo da COP28, que visa maior proteção ao meio-ambiente e ao planeta, o governador Renato Casagrande (PSB) enviou mensagem à Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), para pedir a flexibilização nas concessões ambientais. Essa é uma das reclamações dos servidores do Iema, que acrescentam que o mesmo Projeto de Lei Complementar (PLC) 56/2023 ainda tira autonomia do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). Há ameaça de decretação de greve no Iema.
De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado do Espírito Santo (Sindipublicos), “em plena semana de realização da COP 28, quando o governador Renato Casagrande vai à Dubai discutir o meio ambiente, no Espírito Santo, a secretaria de meio ambiente, comandada por Felipe Rigoni, enviou à Assembleia o Projeto 56/2023 que estabelece novas regras para o licenciamento ambiental.”
Felipe Rigoni Lopes, citado pelo Sindipúblicos, é um político do União Brasil que foi derrotado nas eleições do ano passado, quando concorreu à reeleição para deputado federal. Como prêmio de consolação, ganhou do governador o cargo de secretário de Estado do Meio Ambiente, mesmo não tendo conhecimento na área ambiental, com um salário bruto de R$ 24.644,26. No último dia 27 de novembro, Rigoni recebeu R$ 13.526,78 para cobrir 6,25 diárias e transporte urbano em Dubai, entre 29 de novembro e 5 de dezembro, onde foi acompanhando a comitiva do Governo do Estado à COP28.
“Lei proposta sem diálogo com a categoria”, diz servidores do Iema
“O Iema é um órgão extremamente sucateado e quando o secretário fala de agilidade no licenciamento, simplificação, vemos isso nesse PL, de simplificar ao máximo e concentrar poder nesse conselho. Que além de tudo, ganhará Jetom para participar de reuniões. Isso é um escárnio com o servidor do licenciamento. Há anos pleiteamos uma remuneração justa, uma bonificação”, diz Silvana Coutinho, servidora do Iema.
”O Iema faz em menos tempo do que estabelece o Conama. Então não é sobre agilidade, não é sobre eficiência do licenciamento. O secretário nunca veio conversar com a gente. Esse projeto é para favorecer grupos fortes que já atuam aqui no Iema, na Seama. É uma sensação de desânimo, de inconformismo, por mais uma vez a gente ser deixado de lado da discussão de algo que nos afeta diretamente, afeta o meio ambiente porque a partir do momento que se fala em redução de prazos, se fala também em afrouxamento de critérios. Menos tempo de estudo, menos tempo de avaliação e aí, menos cuidado com o meio ambiente”, prossegue a servidora, segundo relato feito pelo Sindipúblicos.
A secretária-geral do Sindipúblicos, Silvia Sardenberg, faz a seguinte observação: “O Iema é um órgão importante no Espírito Santo. E mesmo assim ficou mais de 10 anos sem concurso público. Sendo que esse último não contemplou todas as vagas que estão vazias. Quer agilizar o licenciamento? Então que se façam outros concursos para servidores efetivos e que as empresas apresentem estudos bem feitos. Hoje esses são os dois gargalos do Iema. Falta gente e os estudos que chegam, para o processo de licenciamento, são muito ruins.”
Estudo da Assiema mostra a realidade atual do Iema
A Associação dos Servidores do Instituto Estadual do Meio-Ambiente e Recursos Hídricos (Assiema) fez um estudo detalhado sobre o que é o Iema, na atual gestão do político Rigoni e do PLC 56/2023 enviado à Assembleia com a assinatura do governador. Conforme Lei Complementar n.º 248/2002, o IEMA é uma autarquia pertencente à administração indireta, responsável por planejar, coordenar, executar, fiscalizar e controlar as atividades potencialmente poluidoras e promover a proteção e conservação dos recursos naturais.
Assim, antes de adentrarmos à discussão de problemas específicos da submissão deste Projeto de lei, é cabível ilustrar a situação do órgão ambiental estadual, para ciência da sociedade capixaba, conforme abaixo:
• O Iema conta ainda hoje com um quadro técnico defasado para realizar as ações de licenciamento ambiental, gestão de unidades de conservação, combate a acidentes, fiscalização e educação ambiental, exercendo estas atividades em aterros sanitários, pastagens, matas fechadas, áreas brejosas, pedreiras, topo de morros, sítios industriais e portuários e estradas,sem ao menos contar com equipamentos de proteção individual para autoproteção de sua integridade física, saúde e segurança, ficando expostos a toda sorte de vulnerabilidades;
• O último concurso realizado disponibilizou apenas UMA vaga para biólogo para atuar no órgão estadual de MEIO AMBIENTE. Nesse mesmo certame, não foi solicitada NENHUMA vaga para geógrafo, uma formação altamente gabaritada para atuar em vários setores do órgão ambiental, pois é capacitada a avaliar os componentes solo, águas, fenômenos climáticos, relevos e vegetações e a sócioeconomia. Se fosse real o interesse de alavancar a capacidade de resposta do IEMA, teria se investido em um concurso condizente com as necessidades do órgão;
• Até o mês de setembro do corrente ano, o valor da diária destinada a indenizar o servidor pelas despesas extraordinárias de alimentação e pousada no ES era de R$112,00 reais. O IEMA, para a prestação de serviços especializados para a sociedade, tem a particularidade de realizar constantes viagens com destino a todas as regiões do estado e esta defasagem nos valores por vezes levou os servidores a se aglomerarem em quartos e ou a se deslocarem para cidades mais baratas, após um dia de trabalho sob o sol ou em ambientes pouco salubres, novamente expondo todos às riscos totalmente evitáveis;
• O número baixo de servidores efetivos leva a necessidade de constantes contratações em caráter de designação temporária, causando baixa retenção de conhecimento no órgão e vulnerabilidades diversas;
• Não há investimento massivo em qualificação do servidor, a participação em congressos e cursos são limitadas a uns poucos “selecionados”, levando o interessado a investir por conta própria na melhoria continuada em sua formação para refletir na prestação do serviço à sociedade. Somente os cursos da ESESP não são suficientes para capacitar o servidor frente às constantes mudanças de tecnologia, de legislação e de boas práticas internacionais de gestão ambiental;
• Até meados de 2023, a frota de veículos utilizados para as atividades fora da sede era reduzida, antiga e apresentava problemas mecânicos frequentes, expondo os servidores a riscos de vida;
• A sede do órgão possui infraestrutura deficiente, antiga, com constantes panes elétricas, falta de água e instabilidade de rede;
• Em 21 anos, vimos ser contratados os sistemas de gestão ambiental SISLAM e CONECTA MEIO AMBIENTE, cujos investimentos financeiros foram significativos, mas os sistemas apresentaram funcionalidade questionável, e a resolução dos problemas não estava no escopo do contrato, sendo então abandonados pelas gestões do IEMA;
• A significativa baixa qualidade dos estudos ambientais apresentados ao órgão licenciador demanda a solicitação de informações complementares, impactando nos tempos de atendimento do requerimento de licenças;
• Inexistência de banco de dados com informações ambientais, o que traria facilidades para os requerentes e o corpo técnico;
• É praxe o requerente entrar com consulta junto ao IEMA já em fase adiantada do planejamento do projeto, com parcerias e investidores abordados e financiamentos com prazos em andamento, desconsiderando que existe todo um rito legal para a obtenção de licença ambiental, demandando estudos, vistorias, análise documental, audiências públicas e consulta à órgãos intervenientes do licenciamento;
• A rotatividade da categoria de trabalhadores que atuam na área meio do IEMA (manejando procedimentos administrativos, legislação, sistemas de controle de entrada e saída de documentos e fluxos processuais) implica, para a organização, na perda de saberes, na necessidade de adequação aos tempos de treinamento de novos funcionários, em retrabalho e acumulação de tarefas para as chefias imediatas, trazendo forte impacto na rotina operacional do órgão, uma vez que estes servidores desenvolvem tarefas fundamentais, táticas e inerentes ao órgão.
Isto posto, passemos ao referido Projeto de Lei.
PL N.º 56/2023
Diante da protocolização do PL junto à Casa de Leis na data de 27/11/23, o prazo para a leitura e discussão do mesmo é exíguo, o que possivelmente prejudicará a sua adequada avaliação. Os pontos elencados abaixo são fruto de uma força-tarefa entre os servidores, em face de não termos acesso prévio ao conteúdo deste projeto.
CAPÍTULO II | Art. 2º | Inciso XXIV | O Estudo de conformidade ambiental não existe na literatura especializada e nem na legislação, o que provavelmente fere as boas práticas de gestão ao não se utilizar de um conjunto de ações comprovado, recomendado e aprovado, o que é ainda mais temeroso se for em substituição de um estudo robusto como um EIA, conforme é proposto no PL. A palavra conformidade prevê uma adequação de algo já existente, o que não é o caso, via de regra, de empreendimentos sujeitos a EIA/RIMA. |
CAPÍTULO IV | Art. 4º | §6º | Neste inciso consta a licença ambiental por adesão e compromisso, que será emitida sem qualquer análise técnica prévia, e que constatadas irregularidades ou impactos, o órgão ambiental poderá suspender a licença, mas não poderá interditar a atividade até conclusão da defesa, o que pode comprometer a qualidade ambiental local, trazendo danos que poderiam ser mitigados ou evitados, se a atividade fosse suspensa pela autoridade ambiental. |
§8º | Hoje, as discussões e elaboração das normativas sobre os enquadramentos das atividades de potencial poluidor são feitas por quem opera a política ambiental, ou seja, é discutido entre os setores do IEMA que compõem as gerências de licenciamento. No PL, toda a definição ficaria a cargo do conselho. | ||
CAPÍTULO VIII | ART. 10 | §1º | Os prazos praticados atualmente no IEMA obedecem ao disposto no Art. 14 da Resolução CONAMA 237/97 e os prazos propostos no PL já são reduzidos em face aos atuais. Neste parágrafo consta a previsão do conselho reduzir ainda mais os prazos de análise estabelecidos no caput, o que é absurdo, visto que na prática, |
uma equipe técnica reduzida terá que lidar com prazos ainda mais enxutos, o que impede uma análise mais criteriosa dos requerimentos, comprometendo o cuidado com o bem ambiental. Esta possibilidade de redução dos prazos tende a ser uma arbitrariedade, pois os critérios para estabelecer o prazo serão aleatórios e ao bel prazer do Conselho. | |||
§4º | NO IEMA, existem processos que se constituem em “passivos”, ou seja, processos que estão no aguardo de análise e manifestação pelo órgão ambiental, cujo prazo para resposta está exaurido. De acordo com este parágrafo, eles irão migrar para o conselho que iria então proceder com a análise e emissão da licença requerida, usurpando a função dos técnicos investidos ao cargo por meio de concurso. | ||
§ 6º | Conforme a Instrução Normativa IEMA 15/2020 que dispõe sobre o enquadramento das atividades potencialmente poluidoras e/ou degradadoras do meio ambiente com obrigatoriedade de licenciamento ambiental no IEMA, são mais de 350 atividades passiveis de licenciamento. Para o efetivo controle ambiental dessas atividades é fundamental o conhecimento dos processos produtivos de cada empreendimento, visando correto entendimento de todos os impactos ambientais gerados e respectivas medidas de controle ambiental adequadas a cada caso, bem como conhecimento das legislações existentes acerca de cada atividade. O IEMA conta com um quadro de servidores reduzidos e, portanto, realizar o licenciamento por uma equipe e o controle ambiental por outra, significa que as duas equipes terão que ter capacitação e desprender tempo para estudar a mesma tipologia de atividade, bem como gerar mais despesas com vistorias às áreas dos empreendimentos. Diante do exposto, entendemos que tal proposta não traz nenhum benefício ao licenciamento e controle ambiental, principalmente no cenário atual em que todo o esforço de busca de aprendizagem é unilateral, ou seja, do servidor técnico responsável pela análise. | ||
CAPÍTULO X | Art. 14 | Neste artigo coloca-se que “poderá” ser precedida de participação popular, deixando implícito que a Audiência Pública não será obrigatória nos processos submetidos com EIA/RIMA. A audiência pública é um instrumento de participação pública no processo de licenciamento ambiental, que tem como objetivo maior a transparência do projeto e seus impactos no território pretendido pelo empreendedor no estudo apresentado. Sabe-se, com base na bibliografia internacional, que a inexistência de canais transparentes de participação pública, associado a falta de informação no processo de licenciamento pode decorrer em situações conflituosas em torno da geração dessa expectativa de desenvolvimento regional. |
Um dos princípios básicos de boas práticas internacionais da Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, é que o processo de AIA deve providenciar oportunidades adequadas para informar e envolver os públicos interessados e afetados, devendo suas contribuições e as suas preocupações seres explicitamente consideradas na documentação e na decisão. | |||
CAPÍTULO XI | ART. 15 | O artigo 15 do PL determina quais são as medidas compensatórias consideradas em condicionantes de licenciamento, desprezando o componente sócioeconomia, ferindo assim a constituição do estado do Espírito Santo, seção IV, Art. 187, § 2º, incisos I e II, que dispõe que o empreendimento deverá prever recursos para o e enfrentamento de impactos causados no território, no tocante a pressão junto aos equipamentos socio comunitários. | |
CAPÍTULO XX | ART. 24 | Cria o Conselho de gestão ambiental, composto UNICAMENTE por autoridades e pessoas de notório saber, excluindo outros interessados da sociedade civil;A Lei Complementar 152/99 cria os CONSEMAS Estadual e Regionais (CONREMA’s), que são instâncias constituídas paritariamente por representantes da sociedade civil organizada, representativa da Comunidade; por órgãos de classe representativos do setor empreendedor, e por representantes da administração pública. A criação do Conselho de gestão sequestra as atribuições do CONSEMA/ CONREMAS e o PL não informa como será o relacionamento entre eles. Ainda cabe destacar que, se coexistirem os dois conselhos, a premissa de imprimir agilidade ao licenciamento ambiental cai por terra, por estar criando uma nova instância de deliberação; | |
§3º | A criação de JETOM para a participação de autoridades – cujo salários são expressivos – em reuniões é um escárnio, pois os servidores estão a anos pleiteando uma forma de remuneração variável, bonificações para realização de entregas a maior no licenciamento, como já ocorre em algumas prefeituras e até hoje não logramos êxito. | ||
CAPÍTULO XXI | ART. 31 | Novamente a premissa de imprimir agilidade ao licenciamento ambiental cai por terra, por se estar criando uma nova instância de deliberação;O conselho técnico superior, sequestra as competências dos cargos dos órgãos licenciadores/autorizativos (IEMA, AGERH, IDAF), desconsiderando os saberes constituídos por anos de experiência dos servidoresCria uma casta superior nos órgãos, causando desmotivação e conflito no ambiente laboral. |
Serviço:
Leia a íntegra do PLC 56/2023 clicando neste link.