Entre o Brasil e a França há uma distância muito grande. Enquanto a França acabou de incluir a garantia do aborto em sua Constituição, no Brasil, ainda muito ligado à questões religiosas, mantém viva a discussão de criminalizar as mulheres que utilizam a prática do aborto, mesmo sendo elas as donas de seus próprios corpos
Enquanto o Brasil, sob motivos religiosos, ainda discute criminalização do aborto, a Constituição da França foi atualizada nesta semana para acrescentar inclusão do direito à interrupção voluntária da gravidez. Ainda nesta última terça-feira (5), após a França ter dado um passo a frente, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, ministro Luís Roberto Barroso, ainda teve de criticar a criminalização do aborto em geral. “Má política pública”, disse Barroso.
Nesta última segunda-feira (4), a França entrou para a História, após os senadores e deputados franceses, reunidos solenemente em congresso no Palácio de Versalhes, terem aprovado o texto com 780 votos a favor e 72 contra, assegurando a maioria de três quintos necessária para o efeito. Os politicos de esquerda aplaudiram de pé. A direita mostrou-se mais discreta. Assim foi aprovada a inclousão do artigo 34.º da Constituição francesa, onde é dada a “garantia da liberdade das mulheres de recorrer à interrupção voluntária da gravidez.”
Pressão das igrejas no Congresso brasileiro
No Brasil, não são só as igrejas evangélicas que fazem pressão contra o aborto, já que dentro da Igreja Católica também há o mesmo tipo de pressão contrária. “O aborto é uma coisa indesejável, que deve ser evitado. O papel do Estado é impedir que ele aconteça, na medida do possível, dando educação sexual, dando contraceptivos, amparando a mulher que deseje ter o filho, mas colocá-la na cadeia, se viveu esse infortúnio, não serve para absolutamente nada, é uma má política pública a criminalização”, disse Barroso, segundo relato da Agência Brasil.
De acordo com a Rádio France Internacional (RFI), depois da aprovação, as reações multiplicaram-se. O presidente francês Emmanuel Macron recorreu ao X (antigo Twitter) para saudar o “orgulho francês” e dizer que o ato foi uma “mensagem universal”. O chefe da Organização Mundial da Saúde aplaudiu “a decisão da França de garantir os direitos das mulheres e salvar as suas vidas”, escreveu Tedros Adhanom Ghebreyesus na antiga rede social Twitter, acrescentando que “o aborto seguro é parte dos cuidados de saúde”.
A reação do Vaticano contra era aguardada. Em um comunicado da Academia Pontifícia para a Vida, o Vaticano reiterou a sua oposição a qualquer “direito de suprimir uma vida humana”, durante esta votação histórica. Mas, a posição das igrejas não sintoniza com os desejos das mulheres, que são as donas de seus corpos e possuem a liberdade de fazer o que achar melhor.
O debate no Brasil
As declarações de Barroso foram feitas na abertura da sessão desta última terça-feira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde o presidente do STF também é dirigente. Segundo a Agência Brasil, o ministro quis registrar o que já foi feito e o que ainda resta por fazer na conquista de direitos pelas mulheres, diante do Dia Internacional da Mulher, a ser celebrado na próxima sexta-feira (8).
Barroso acrescentou que é possível ser contra o aborto, mas que isso não significa que se deva prender as mulheres “que passam por esse infortúnio”. Ele acrescentou ainda ser necessário avançar na conquista de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, e que isso deve ser feito “na velocidade máxima possível”.
A declaração ocorre após Barroso ter dito, em dezembro, que não deve pautar o julgamento sobre aborto no curto prazo no Supremo, onde é responsável por montar a agenda de julgamentos. Segundo o ministro, o debate sobre a questão ainda não está amadurecido no país para poder ser retomado pela Corte.
Em setembro do ano passado, a então presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, pautou a ação sobre o assunto e votou, poucos dias antes de se aposentar, a favor de descriminalização até a 12a semana de gestação.
O julgamento, que ocorria no plenário virtual, foi então interrompido por um pedido de destaque (remessa ao plenário físico) feito pelo próprio Barroso, que assumiu a presidência do Supremo em seguida.