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Governo Bolsonaro garante realização do Enem, mesmo com suspeitas de politização ideológica nas provas

Em plena efervescência do debate sobre a intromissão indevida do governo Bolsonaro na confecção das provas, para impor posições ideológicas de extrema-direita, os exames serão realizadas neste próximo domingo (21) e no domingo seguinte (28). Segundo funcionários, uma das intromissões é proibir que as provas do Enem se refiram ao período sanguinário da ditadura no Brasil como sendo ditadura militar

Presidente do Inep (no telão) diz para senadores que provas do Enem serão aplicadas no próximo domingo | Foto: Raquel de Sá/Senado

Mesmo com 37 pedidos de exoneração de funções comissionadas protocolados por servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), além de denúncias de intromissão política do governo Bolsonaro, que deseja aplicar nas provas do Enem uma visão estrábica do pensamento de extrema-direita do presidente, dirigente do Inep garante as provas para este domingo (21) e o próximo domingo (28). A afirmação foi feita pelo bolsonarista Danilo Dupas, atual presidente da instituição, durante audiência pública na Comissão Senado do Futuro (CSF) nesta última quarta-feira (17).

De acordo com a Agência Senado, o presidente da comissão e autor do requerimento para o debate, Izalci Lucas (PSDB-DF), assim como outros senadores, estão preocupados com a proximidade das provas do Enem 2021O exame tem quase 3,4 milhões inscritos. Izalci explicou que apresentou o requerimento para o debate na Comissão Senado do Futuro devido à urgência do assunto.

Já a Comissão de Educação (CE) reúne-se nesta quinta-feira (18), às 9h, quando o presidente do colegiado, Marcelo Castro (MDB-PI), deve propor a criação de um grupo de trabalho para averiguar as denúncias envolvendo o Inep. O senador disse na audiência da CSF que as exonerações de 37 funcionários do órgão de uma só vez representam “uma explosão, sinal de que algo muito estranho, extraordinário e surpreendente deve estar acontecendo”. Para Castro, é fundamental dar segurança e tranquilizar os estudantes quanto à aplicação e os resultados do Enem.

“Educação é coisa séria. O Inep está no quinto presidente somente neste governo; então, algo está ocorrendo fora dos trilhos e do esperado. As denúncias desses servidores nos preocupam ainda mais porque tudo o que a gente quer e busca é que a ciência seja deslocada ao máximo de questões ideológicas. Não podemos ficar calados ou indiferentes quanto a isso”, afirmou o senador.

Vinculado ao Ministério da Educação (MEC), o Inep é responsável por outras avaliações nacionais, como o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), e pela aplicação de exames internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), assim como por indicadores de qualidade da educação, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O Inep realiza ainda os Censos da Educação Básica e da Superior e diversos outros estudos voltados para a educação.

Fragilidade técnica e administrativa da atual gestão

Funcionários que atuam em funções ligadas à logística e ao desenvolvimento da aplicação do Enem atribuíram os pedidos de demissão à “fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima do Inep” e afirmam que “não se trata de posição ideológica ou de cunho sindical”. 

O bolsonarista Danilo Dupas se defendeu das acusações atribuindo as denúncias a uma questão trabalhista. Para ele, os servidores estão insatisfeitos quanto ao corte da Gratificação por Concursos e Cursos (GECC), paga para servidores que desempenham funções fora do rol original de competências. Outro ponto que, na opinião de Dupas, poderia ter motivado os pedidos de exoneração é a obrigação do retorno ao trabalho presencial. Fato esse desmentido e rechaçado pelos funcionários em nota.

“Não há risco”, diz bolsonarista do Inep

Segundo Dupas, “não há qualquer risco” quanto à aplicação do Enem no próximo domingo. Ele negou ter tido acesso às provas ou ao tema da redação. Conforme declarou, a realização do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), no último domingo (14), aconteceu sem intercorrências, “inclusive num contexto de pandemia de Covid-19”.

O presidente do Inep informou que a elaboração das provas teve o monitoramento do ministro da Educação, o bolsonarista evangélico Milton Ribeiro, e de uma “robusta equipe técnica”. Dupas afirmou ainda que as denúncias referentes ao instituto não correspondem à realidade e que “os servidores que pediram exoneração representam 10% do total de funcionários da entidade e podem ser substituídos por outros igualmente competentes”. 

“Estamos preparados (para o Enem), em contato com todas as entidades envolvidas na aplicação dos testes e prontos para quaisquer eventualidades. Não houve interferência na prova, não li [o tema da] redação, estamos resguardando todos os processos, não só do Enem, mas de todos os exames”, declarou. Izalci pediu esclarecimentos quanto a possíveis interferências do governo no Enem e quanto a problemas de logística devido à demissão em massa dos servidores do Inep que, segundo o senador, poderiam prejudicar o andamento das provas.

“Cara de Bolsonaro nas provas do Enem”

Dupas negou haver intervenção do Palácio do Planalto no assunto, declarando que “a cara da nossa gestão é seriedade e transparência”. Ele também respondeu que 28 unidades do Exército brasileiro armazenam os pacotes de provas.

A senadora Maria Elisa (MDB-RO) ponderou que os servidores do Inep prestam grande serviço à pátria. Ela considerou fundamental acalmar os estudantes inscritos para o Enem e declarou que a logística está pronta. Para a parlamentar, apesar da perda de gratificação, os funcionários do instituto continuarão prestando “um bom serviço à nação, independentemente de se houve ou não constrangimentos”.

Presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação, o deputado federal Israel Batista (PV-DF) disse que o Enem precisa ser protegido e que o Congresso Nacional exige respostas. Ele ressaltou a preocupação com a falta de explicações claras do Inep sobre as acusações. E avaliou que a participação de Danilo Dupas em audiência da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados em 10 de novembro não foi suficiente para esclarecer as dúvidas dos parlamentares. Para Israel, é fundamental o Senado investigar o assunto.

“Não é um debate de servidores contra a direção por causa de gratificação. Esse tensionamento começou em 2019 e nada tem a ver com gratificação. Estão se queixando de interferências amplamente defendidas pelo alto escalão do governo, inclusive o presidente da República. O Enem é uma prova que precisa ter a cara do Brasil. É uma política de Estado e não de um governo. Traz uma parte do país para os grandes debates públicos. Uma educação transformadora é constitucional”.

Denúncias de fragilidades

Presidente da Associação dos Servidores do Inep (Assinep), Alexandre Retamal disse que a fragilidade técnica da presidência do instituto ficou comprovada quando da participação de Danilo Dupas na audiência da Comissão de Educação da Câmara. Retamal observou que o presidente deixou de responder questões apresentadas pelos parlamentares e demonstrou insegurança ao tratar dos assuntos referentes ao órgão em diversos momentos da reunião.

Retamal disse ter ouvido relatos sobre assédio moral no instituto e informou que está reunindo provas das denúncias, como a de que um chefe de gabinete do órgão teria feito entrevistas individuais com todos os funcionários, pedindo detalhes sobre o que compete a cada um, tendo dado tratamento diferenciado a servidoras terceirizadas “por sua condição de mulheres”. O servidor afirmou, no entanto, que não poderia descrever a interferência da presidência do Inep na aplicação do Enem, por ser lotado em outro setor.

“Seria leviano falar, não posso fazer acusações ou insinuações daquilo que não tenho comprovação para falar”. Ao pedir que o Congresso Nacional dê prioridade à situação do Inep, Alexandre Retamal apelou aos parlamentares a análise da PEC 27/2021, da senadora Leila Barros (Cidadania-DF). A proposta de emenda à Constituição pretende transformar o Inep, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em instituições permanentes de Estado, na intenção de dar mais proteção legal a esses órgãos.

Ministro bolsonarista da Educação foi à Câmara dos Deputados para negar ingerência ideológica nas provas | Foto: Cléia Viana/Câmara

Ministro bolsonarista nega intromissão nas provas

Nesta mesma quarta-feira (17), o ministro bolsonarista da Educação, o pastor evangélico Milton Ribeiro compareceu à reunião da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (17) e negou interferência do governo nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mas deputados da oposição reiteram as acusações de ingerência ideológica no exame. As informações são da Agência Câmara de Notícias.

A comissão discutia quatro requerimentos de convite ou convocação do ministro para explicar a declaração do presidente da República, Jair Bolsonaro, de que o Enem terá a “cara do governo” e os pedidos de exoneração de funcionários do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira (Inep), responsável por elaborar e organizar o Enem. Mas o ministro chegou à comissão espontaneamente antes que os requerimentos fossem votados.

“O Enem tem a cara do governo, no sentido de competência, honestidade, seriedade, essa é a cara do governo, é a cara do nosso governo. Nós não temos nenhum ministro preso, nós não temos nenhum caso de corrupção, é isso que é importante”, disse Milton Ribeiro.“Com relação à prova do Enem, a possibilidade de qualquer interferência está totalmente fora da história, fora de contexto”, garantiu o ministro, ressaltando que, por uma questão de hierarquia, ele podia ter pedido acesso às provas, mas não o fez.

“Eu não posso achar anormal o ministro da Educação ter acesso, mas eu abri mão disso, considerando as polêmicas que poderia gerar. Em nenhum momento, houve interferência na qualidade e na quantidade, porque essas questões fazem parte de um banco de questões que já havia sido preparado em outras gestões. Nós só tivemos uma comissão que escolheu as questões”, completou.

O ministro bolsonarista pediu “paciência” aos deputados para verificar as questões após a realização das provas, marcadas para os dias 21 e 28 de novembro, e se ofereceu para voltar à comissão depois disso caso, seja apontada alguma questão ideológica no Enem. Segundo ele, o exame vai ser técnico, mas não vai ter questões peculiares a guetos ideológicos. “A hora que eu coloco questões que são peculiares a determinados guetos ideológicos ou pensamentos numa prova do Enem que atinge 3 milhões, 4 milhões, 5 milhões, eu estou dando uma primazia para um grupo que está acostumado a uma determinada linguagem e prática em detrimento de uma grande maioria do povo brasileiro, que não conhece esse tipo de linguajar e palavras-chaves”, afirmou.

Exoneração de servidores

Nos últimos dias, 37 servidores pediram exoneração de seus cargos em comissão no Inep, alegando fragilidade técnica e administrativa na gestão e inaptidão do presidente do órgão, Danilo Dupas. Também foram relatados casos de assédio moral por parte dele. O ministro, no entanto, atribuiu os pedidos de exoneração a um “ruído” em relação ao recebimento da chamada Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso (GECC) pelos servidores que elaboram as provas do Enem.

De acordo com o pastor que ocupa o cargo de ministro, esses servidores recebem salário, gratificação por Direção e Assessoramento Superior (DAS) e a GECC. Ribeiro explicou, porém, que existem alguns servidores cuja função e descrição dos cargos que exercem já contempla a montagem da prova. “A que título deveriam ganhar mais R$ 40 ou R$ 50 mil anuais do erário público somando-se a seus salários?”, questionou. Segundo ele, em média, esses servidores ganham R$ 36 mil anuais de GECC, mas alguns chegaram a receber R$ 70 mil ao ano.

“A parte mais doída do ser humano é o bolso. Se estivessem de fato interessados na educação, após o Enem me procurariam ou fariam um movimento, mas não agora”, criticou. “Tentaram colocar em risco a realização do Enem, que graças a Deus vai acontecer com toda a segurança”, garantiu Milton Ribeiro. Ele informou que foi instalada no Inep uma diretoria de governança para averiguar quem deve receber a GECC e que só vai avaliar os pedidos de exoneração após as provas.

O deputado Israel Batista (PV-DF) acusou o ministro de desviar o assunto. Segundo ele, o foco da questão não é a gratificação. “Senhor ministro, por que o presidente do Inep, durante a montagem das provas do Enem, criou uma comissão de montagem paralela, com pessoas sem experiência nessa atividade, e por que, quando tivemos acesso à lista sugerida, o presidente resolver amputar a ideia, tirar e voltar atrás?”, perguntou.

“O que a gente quer saber é por que no dia 2 de setembro de 2021 um agente da Polícia Federal entrou no ambiente seguro do Inep para realizar uma vistoria sem o conhecimento dos gestores do ambiente e da diretoria, que estava usando o ambiente para montagem das provas do Enem. Não inventa GECC, ministro, é disso que estamos falando”, completou Israel Batista.

Troca de questões

Diversos deputados questionaram o ministro se houve troca de questões do Enem. “O que vem se falando aqui é que 24 questões foram retiradas, 13 foram reincluídas e 11 foram eliminadas”, disse o deputado Ivan Valente (Psol-SP), citando matérias jornalísticas com essas informações.

“Eu não participo diretamente da escolha das questões. A sala onde é feita a escolha das questões do Enem é secreta, só algumas pessoas podem ter acesso. A entrada de um policial federal nesta sala se deveu a um aumento de espaço que nós fizemos, estava muito apertada. O polícia federal não foi olhar questões. A seleção de questões é feita pela diretoria própria, de maneira colegiada. Foram eles que decidiram”, respondeu o ministro.

“Quero reafirmar que nós não tivemos acesso a nenhuma questão, nós não pedimos para retirar ou colocar nada, nem eu nem o presidente da República, nem o presidente do Inep”, reforçou Ribeiro acrescentando que o presidente do Inep autorizou a presença da PF no órgão.

Ingerência ideológica

O líder do PSB, Danilo Cabral (PE), afirmou que o ministro subestima a inteligência dos parlamentares ao tentar a reduzir a crise no Inep à questão da gratificação. “Ontem, nós demos entrada em representação no Tribunal de Contas da União para que instale auditoria para verificar as denúncias que foram apresentadas pelos servidores de assédio moral, quebra do sigilo, vazamento de informações, controle político ideológico da instituição e do Enem, precariedade na gestão técnica e de eficiência do ponto de vista da logística, e pedimos de imediato o afastamento do presidente Danilo Dupas”, informou o líder.

A intenção, segundo ele, é restabelecer a normalidade no Inep antes das provas do Enem. Cabral disse ainda que entrou com representação no Ministério Público Federal para apurar indícios de prática de improbidade administrativa por parte do ministro. “Vossa Excelência disse que não teve ingerência político-ideológica, mas no dia 3 de junho o senhor, em entrevista à CNN, disse que queria ter acesso antecipado à prova do Enem para evitar o que definiu como questões de cunho ideológico”, alegou, citando ainda as declarações do presidente da República de que o Enem teria a cara do governo.

“O que é uma prova ter a cara de um governo? É não abordar questões de gênero? É não abordar questões relativas à consciência negra?”, perguntou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), solicitando em seguida que a Comissão de Educação faça uma diligência no Inep. A presidente da comissão, deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), informou que foi criado um grupo de trabalho misto, composto por quatro deputados titulares e quatro suplentes e quatro senadores titulares e quatro suplentes, para acompanhar a realização do Enem.

Número de inscritos

A deputada Rosa Neide (PT-MT) informou que enviou pedido de informação à Polícia Federal e ao MEC sobre a presença da PF no espaço de elaboração da prova no Inep. Além disso, enviou pedido de informação ao Conselho Nacional de Educação para que se posicione sobre o ocorrido e entrou com ação no Ministério Público do Trabalho para discutir o assédio moral aos servidores do Inep, entre outras ações.

Rosa Neide afirmou que o presidente do Inep, que compareceu à Comissão de Educação na semana passada, não respondeu propriamente a nenhum dos questionamentos feitos pelos deputados e apontou diminuição no número de inscritos do Enem em relação a provas anteriores. O ministro respondeu que falará sobre o número de inscritos após a realização do exame. “Quero saber quantos de fato vão fazer a prova”, disse.