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Human Rights Watch aponta 3 municípios capixabas que impõem censura a escolas sobre gênero e sexualidade


São eles Guarapari, Marechal Floriano e Cachoeiro de Itapemirim, sendo que os dois primeiros instituíram leis medievais durante o governo Bolsonaro


Guarapari, Marechal Floriano e Cachoeiro de Itapemirim são os três municípios do Espírito Santo que praticam censura nas escolas ao ensino de sexualidade e educação sobre o gênero, segundo ONG internacional | Foto: Divulgação

Dos 78 municípios do Espírito Santo, Guarapari, Marechal Floriano e Cachoeiro de Itapemirim foram incluídos pela ONG internacional Human Rights Watch (HRW) entre os 20 municípios brasileiros onde há leis municipais em vigor que visam restringir a educação sobre gênero e sexualidade. Os dados constam no estudo “Tenho medo, esse era o objetivo deles”, divulgado na última semana. “Legisladores e outras autoridades públicas do Brasil, nos níveis federal, estadual e municipal têm usado de táticas legislativas e políticas nocivas para enfraquecer e até proibir a educação sobre gênero e sexualidade”.

De acordo com o levantamento feito pela HRW, em Guarapari continua em vigor a Lei municipal 4227/2018, que proíbe informações sobre orientação sexual, “ideologia de gênero” e doutrinação. Em Marechal Floriano há a lei municipal Marechal Floriano 1962/2018, proibindo “doutrinação” e “dogmatismo” em relação ao gênero. Essas duas legislações foram aprovadas já no primeiro ano de mandado do presidente Jair Bolsonaro (PL). Já em Cachoeiro de Itapemirim há a lei municipal 7136/2015, que proíbe a “doutrinação ideológica”.

Os três municípios capixabas citados no documento da ONG Human Rights Watch | Reprodução: Documento

“Violações de direitos humanos assolam o Brasil”

Na apresentação do documento, a ONG destaca em um tópico sobre o Brasil: “Violações crônicas de direitos humanos assolam o Brasil. Alguns policiais realizam execuções extrajudiciais, torturam detentos e abusam de crianças e adolescentes em conflito com a lei. Muitas prisões e cadeias brasileiras enfrentam problemas de grave superlotação, e a incapacidade das autoridades penitenciárias de manterem o controle sobre as prisões deixa os presos vulneráveis à violência, extorsão e recrutamento por facções criminosas”.

E prossegue: “Outros problemas em relação aos direitos humanos incluem a violência contra mulheres, as mortes de jornalistas e blogueiros por causa de seus trabalhos e a violência contra camponeses e lideranças indígenas envolvidos em conflitos de terra. Ainda, os responsáveis por abusos durante o regime militar, de 1964 a 1985, continuam a ser protegidos da justiça em virtude de uma lei de anistia de 1979, aprovada durante o regime.

Relatório

O relatório de 77 páginas, “‘Tenho medo, esse era o objetivo deles’, esforços para proibir a educação sobre gênero e sexualidade no Brasil” (clique nesse link anterior e baixe o documento na íntegra, em português) analisa 217 projetos de lei apresentados e leis aprovadas, entre 2014 e 2022, destinados a proibir explicitamente o ensino ou a divulgação de conteúdo sobre gênero e sexualidade, ou banir a chamada “ideologia de gênero” ou “doutrinação”, nas escolas municipais e estaduais. A Human Rights Watch também documentou um esforço político para desacreditar e restringir a educação sobre gênero e sexualidade, reforçada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, que tem pessoalmente amplificado essa mensagem para fins políticos, inclusive como recentemente em março de 2022. Leia a seguir a íntegra do relatório, caso não queira fazer o download no link acima, em arquivo PDF:]

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Legisladores devem revogar leis que violem direitos

“As tentativas de suprimir a educação integral em sexualidade no Brasil são baseadas em preconceito e prejudicam os direitos à educação e a não discriminação ”, disse Cristian González Cabrera, pesquisador da divisão de direitos LGBT da Human Rights Watch. “Os legisladores devem revogar leis e rejeitar projetos de lei que violem os direitos das crianças e adolescentes e garantir que todos se beneficiem da educação sexual de acordo com as leis brasileiras e internacionais”.

A Human Rights Watch entrevistou 56 professores de escolas públicas, especialistas em educação, representantes de secretarias estaduais de educação e organizações da sociedade civil. Entrevistas com 32 professores de escolas públicas de 8 estados do Brasil revelaram que eles tinham medo ou hesitavam abordar gênero e sexualidade em sala de aula devido aos esforços legislativos e políticos para desacreditar tal material.

Perseguição a professores

Professores disseram que que sofreram assédio por abordarem gênero e sexualidade, inclusive por representantes eleitos e membros da comunidade. Alguns professores enfrentaram processos administrativos por abordarem esse tema, enquanto outros foram intimados a prestar depoimento à polícia e outras autoridades.

No início de 2020, Alan Rodrigues, professor do ensino médio de uma escola pública do Rio de Janeiro, recebeu um e-mail anônimo após organizar com seus estudantes uma campanha contra a violência sexual: “Pare com a doutrinação dos alunos! Deixamos passar em 2019! Professores como vc deve [sic] morrer! Estamos de olho! Um aviso só!”. Alan Rodrigues afirma que tem recebido ameaças desde 2014 por abordar temas relacionados a gênero e sexualidade em sala de aula.

“Doutrinação”

Virginia Ferreira, professora de inglês de uma escola pública de Vinhedo, no estado de São Paulo, foi acusada por servidores municipais de “doutrinação” e “prejuízos ao aprendizado dos alunos” após pedir a seus estudantes do oitavo ano que pesquisassem sobre feminismo e violência de gênero em celebração ao Dia Internacional da Mulher em 2019. Virginia Ferreira disse ter enfrentado dois anos de processos disciplinares e ameaças nas redes sociais e postagens com o objetivo de desacreditá-la profissionalmente.

Professores e especialistas em educação dizem que as leis e projetos de lei, o discurso político e o assédio criam um “efeito inibidor” na disposição de alguns professores de tratarem sobre o tema de gênero e sexualidade em sala de aula.

Damares Alves, que deixou o cargo de ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos em março de 2022 para concorrer nas próximas eleições, atacou a educação sobre gênero e sexualidade, condenando o que chamou de “doutrinação” e “sexualização” das crianças.

“Retórica discriminatória”

Ministros da Educação do governo Bolsonaro têm empregado uma retórica discriminatória com o objetivo de desacreditar a educação sobre gênero e sexualidade. Milton Ribeiro, que renunciou em março após denúncias de corrupção, disse que a educação sobre gênero e sexualidade é um “incentivo” para que os jovens façam sexo. Ribeiro disse ainda que as crianças homossexuais vêm de “famílias desajustadas”. Seus antecessores têm um histórico de comentários semelhantes.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisões históricas derrubando oito leis que proibiam a educação sobre gênero e sexualidade. O STF considerou que as proibições violavam os direitos à igualdade, à não discriminação e educação, entre outros. Pelo menos quatro casos semelhantes aguardam julgamento.

Intimidações de Bolsonaro

O STF tem servido como um importante órgão de contenção dessas propostas legislativas, mesmo quando o governo Bolsonaro tem buscado intimidar o Tribunal e ameaçado e insultado ministros do Supremo, segundo a Human Rights Watch. Mas algumas câmaras municipais continuam a aprovar leis que proíbem a educação sobre gênero e sexualidade.

Em março de 2022, por exemplo, a cidade de Sinop, no Mato Grosso, aprovou uma lei proibindo professores de divulgarem informações sobre “ideologia de gênero”, orientação sexual e direitos sexuais e reprodutivos em todas as escolas municipais.

Escola municipal de Guarapari onde o ensino sob a inspiração medieval da Santa Inquisição é ministrado | Foto: PMG

Grupos conservadores

No Brasil, grupos conservadores e autoridades públicas eleitas têm empregado a retórica da “ideologia de gênero” para alimentar alegações de “doutrinação” de crianças e adolescentes nas escolas com ideais “políticos” e “não neutros” relacionados a gênero e sexualidade. Ao alimentar o medo de que as crianças e adolescentes estejam correndo algum risco, esses grupos usam a educação como plataforma política entre segmentos conservadores da população.

A legislação e as diretrizes educacionais brasileiras, tanto em nível federal quanto estadual, exigem a educação sobre gênero e sexualidade. De acordo com o direito internacional, o direito das crianças à educação integral em sexualidade é um elemento essencial do direito à educação. Em sua essência, a educação integral em sexualidade consiste na oferta de um currículo de ensino apropriado a cada idade, com conteúdos afirmativos e cientificamente precisos, que possam ajudar a promover práticas seguras e informadas visando prevenir a violência baseada em gênero, desigualdade de gênero, infecções sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada.

Altos níveis de violência

Os altos níveis de violência de gênero no Brasil, incluindo violência contra mulheres, meninas e pessoas LGBT, são um indicador da necessidade urgente dessa educação nas escolas, disse a Human Rights Watch. Estudos e especialistas em educação associam a educação integral em sexualidade a vários resultados positivos na vida dos jovens, como o adiamento do início das relações sexuais e aumento do uso de preservativos e contraceptivos, maior conhecimento sobre proteção contra violência sexual e de gênero e atitudes positivas em relação a equidade e diversidade de gênero.

Legisladores em todos os níveis de governo devem imediatamente retirar rejeitar projetos de lei ou revogar leis que violem os direitos de estudantes de aprender sobre gênero e sexualidade, disse a Human Rights Watch. As autoridades nos níveis federal, estadual e municipal deveriam deixar de politizar a educação sobre gênero e sexualidade ou usá-la como uma estratégia para ganho político.

Educadores devem ter garantias no ensino

O Ministério da Educação e as secretarias estaduais e municipais de educação deveriam seguir as leis e diretrizes existentes, as decisões do STF e as normas internacionais de direitos humanos que protegem o direito à educação integral em sexualidade. Isso deve incluir a garantia de que os gestores escolares, professores e outros funcionários da escola compreendam e se sintam apoiados no ensino e na realização de atividades destinadas a expandir o conhecimento sobre esse tópico. “Em última análise, o uso indevido da educação sobre gênero e sexualidade como arma política afeta mais direta e negativamente os professores e os jovens brasileiros, justamente aqueles que mais precisam de informação”, disse González. “O Brasil deve concentrar seus esforços em garantir que todos os jovens tenham informações adequadas e inclusivas sobre gênero e sexualidade, essenciais para que possam viver uma vida saudável e segura”.