A mudança abrupta de seis ministros do presidente Jair Bolsonaro, com foco no Ministério da Defesa, foi motivo de ampla repercussão na imprensa européia, segundo uma síntese feita pela Rádio France Internacional (RFI). O jornal francês Le Monde já chama atenção no título de sua matéria onde afirma que “Jair Bolsonaro surpreende ao reformar seu governo, destacando que, das seis mudanças de ministros, apenas a saída do chefe da diplomacia brasileira, Ernesto Araújo, era esperada”.
E completa, no texto, dizendo ter sido um “fiasco” a atuação do presidente na política contra o coronavírus, que já matou cerca de 314 mil pessoas no Brasil. O Le Monde ainda diz que a saída de Araújo do Itamaraty tornou-se inevitável com a chegada de Joe Biben à presidência dos Estados Unidos. “O ex-chanceler, um trumpista de coração, antichinês, adepto de teorias da conspiração e negacionista, representava a ala mais obscurantista do poder bolsonarista”, assinalou. O jornal francês destaca que a mudança mais importante ocorre na Defesa.
Militares
“Ao demitir o ministro da Defesa [Fernando Azevedo e Silva], Bolsonaro quis enviar um sinal ao comandante do Exército, Edson Pujol, e aos militares moderados, que resistem a seus impulsos autoritários”, analisou o Le Monde. “O tiro de advertência foi recebido pelos oficiais superiores, surpresos e furiosos”, relatou o periódico, contando que “Pujol convocou uma reunião de cúpula de altos oficiais militares brasileiros, dando a entender à imprensa que uma renúncia coletiva estava sobre a mesa”. “Entre os generais e o capitão, a guerra parece declarada”, observou a reportagem.
O jornal Le Figaro também destacou a atuação vergonhosa de Ernesto Araújo à frente da diplomacia brasileira, acrescentando que as mudanças anunciadas ontem também trazem um novo chefe à Casa Civil e uma terceira mulher ao governo, de um total de 22 ministros, a deputada Flávia Arruda, que assume a Secretaria da Presidência.
Para o diário espanhol El País, a saída dos ministros das Relações Exteriores e da Defesa abre a maior crise do governo Bolsonaro em meio à pandemia. Araújo é apontado como o maior responsável pelo fato de o país não ter conseguido comprar na China e em outros mercados uma quantidade suficiente de imunizantes para uma vacinação em massa que permita uma certa recuperação econômica. A publicação espanhola atribuiu o afastamento do general Fernando Azevedo, entre outros motivos, às declarações de um subordinado à imprensa sobre os benefícios do isolamento social, o uso de máscara e a previsão de uma terceira onda da epidemia.
Pandemia X Bolsonaro
El País afirma que a gestão da pandemia começa a afetar a política de Bolsonaro, que ainda mantém o apoio de um terço do eleitorado brasileiro. E que o retorno de Lula à cena, após ter sido reabilitado politicamente com a anulação das sentenças, também contribuiu para acelerar o questionamento do atual governo, que alimenta a crescente insatisfação das elites econômicas.
Já o jornal italiano La Repubblica lembrou a insatisfação dos governadores de 16 dos 27 estados brasileiros, que recentemente expressaram por carta sua “indignação” com a crescente “onda de agressões” e incitamento à violência, “por meio da divulgação sistemática de notícias falsas destinadas a criar instabilidade institucional no país”.