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Judiciário independente é uma ingênua ilusão

Foto: Reprodução

por Francisco Celso Calmon

O direito é fruto da política, como a política é produto da correlação de forças na luta de classes.

O direito ergue-se predominantemente para a sustentação do sistema econômico e político, garantindo os privilégios e interesses das classes dominantes. E traz em suas entranhas contradições, consequências do movimento dialético da luta de classes, ou seja: as conquistas das classes subalternas, enquanto subsistem, estão em tensão com o poder dominante; sua manutenção, novas conquistas ou retrocessos, dependerá sempre da correlação de forças.

No ensejo da Páscoa podemos afirmar que o julgamento e condenação de Cristo fora político, como a condenação e posteriormente a absolvição de Lula o foi, pois, em última análise, todo julgamento é político.

Os adversários da luta dos contrários, inerente à sociedade e à natureza, simplesmente negam a dialética e deixam de contribuir para os saltos ulteriores de qualidade nesse processo, à medida que confundem mediação com conciliação nesse movimento.

Abrir mão de posições por conta da “unanimidade” e/ou do líder autocrático é um desserviço à evolução, acaba sendo, em última instância, uma posição conservadora.

O liberalismo concebe o direito como neutro e sinônimo de justiça, como se fosse uma configuração racional oposta à violência estatal da manutenção dos interesses do poder real dominante, quando na verdade o legaliza.

Marx e Engels dizem no Manifesto (que no dia 21/02 completou 174 anos): “O executivo do Estado moderno não é senão um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia”.

Lênin em o Estado e a Revolução: “Como o Estado nasceu da necessidade de refrear os antagonismos de classes, no próprio conflito dessas classes, resulta, em princípio, que o Estado é sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante que, também graças a ele, se torna a classe politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada”.

Os movimentos recentes da judicialização política e social pôs em evidência as estruturas e práticas jurídicas, por seus atores institucionais, como os magistrados e procuradores de justiça, trazendo à lume a natureza de classe, ou seja, a serviço de.

Compreende-se judicialização como recorrer ao Judiciário para dirimir questões políticas, que cabe aos partidos, as forças políticas, ao Legislativo ao Executivo, enfim a esses atores, nos templos da política, resolverem por meio dos instrumentos legítimos da democracia.  E, outrossim, como ativismo judicial que consiste no Judiciário fazer política, intrometer-se nas funções do Legislativo e do Executivo, mormente quando nem provocado foi. 

O trabalhador, da categoria que for, quando entra para os órgãos de Estado, não mais é pertencente a categoria profissional originária, passa a ser um agente (fardado, togado, engravatado, etc.) a serviço do poder estatal dominante da burguesia.

Apesar de ser muito conceituado nos meios jurídicos, a intromissão do ministro Gilmar Mendes, do STF, impedindo Lula de tomar posse como Ministro da Casa Civil do governo Dilma, atropelou monocraticamente uma decisão interna corporis do Executivo e mudou a história do país. É um caso emblemático para figurar na História e nunca esquecermos.

Lênin em sua obra “A revolução de outubro” afirmava que “são próprios dos democratas pequeno-burgueses a aversão pela luta de classes, os sonhos sobre a possibilidade de prescindir dela, à aspiração de atenuar e limar as suas arestas agudas; em “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, defende também “a necessidade de se estabelecerem acordos e compromissos com partidos reformistas”.

Como se observa, o eixo central é o da luta de classes, e nela é plausível acordos e atuações em várias frentes para assegurar a correlação de forças favorável às classes trabalhadoras, sem, entretanto, ultrapassar os princípios éticos e ideológicos.

A mediação dialética é uma categoria que os moralistas e anarquistas de esquerda costumam desprezar e muitos formuladores do peleguismo associam à conciliação.

Contrapor aos aparelhos ideológicos do sistema com o uso sistemático da agitação e propaganda das ideias e concepções socialistas, é fazer a luta ideológica para obter a hegemonia na sociedade. Por isso, não se despreza trincheiras, onde houver espaço, lá deve estar o combatente anticapitalista. Contudo, há de se precaver dos ativistas e acadêmicos pequeno-burgueses que se limitam a ter o direito como concepção e instrumento exclusivo e principal de luta.

     A democracia é o regime da convivência entre os contrários. Os quais demandam e lutam pelos seus interesses, preferencialmente por meio da dialógica, consoante às regras do Estado de direito, ou seja, subordinada às leis do país.

    Nessa contenda dialética, há vencedores e perdedores, que devem aceitar o resultado de cada batalha, sem se portar como se fosse uma guerra final, e, sim, contínua e civilizada luta política. É nesse sentido que o Estado de Direito é o contraponto ao Estado autoritário, e o direito, em tese, impede que seja ultrapassado os seus limites.

   Contudo, a lei não efetiva a justiça, inclusive por ser uma quimera a suposta universalidade a todos os cidadãos.

Fidel Castro em “Biografia A Duas Vozes”, faz uma declaração autocrítica, simples e direta: éramos ingênuos por acreditar que estabelecer a igualdade total e absoluta diante da lei poria fim à discriminação.

Nesta quadra em que as forças democráticas fazem movimentos de colaboração para a vitória do Lula no primeiro turno, e, por via de efeito, ocorre empoderamentos de grupos, é necessário a Esquerda demarcar seu lugar histórico, a salvo de arrivistas e surfistas de ondas alheias.

    Os erros dos governos Dilma e Lula na economia e no direito, com escolhas absolutamente erradas, não podem nem de longe ser repetidos.

   Se as escolhas para as áreas da economia e da justiça tivessem sido acertadas, provavelmente não haveria o golpe de 2016.

  Se as indicações para os Tribunais superiores e especialmente para o STF tivessem sido outras, com certeza não teria havido o golpe “com o STF e tudo o mais”.

  Foi perdida uma oportunidade única e histórica para compor um Judiciário garantista, imparcial e de viés progressista. Perda, sublinha-se, IRREPARÁVEL.

  Política em sentido estrito é da competência de profissionais com experiência no seu exercício, é economia política, é direito político.

Conselheiros têm tantos quanto técnicos de futebol, o passado nos deixa intranquilos, pois foram indicações cheias de verdade que levaram às escolhas  erradas, como neste momento podem estar ocorrendo nas aurículas do Lula.

  No Brasil, não é somente ingenuidade, há também os óculos ideológicos incutindo a concepção bonapartista de Estado.

   A arquitetura da Justiça no país está implodindo: O Judiciário querendo ser poder moderador, sem o ser constitucionalmente; o Ministério Público um poder sem controle, a PGR faz o jogo do rato e do gato com o Judiciário, com o Executivo e com o Legislativo, escancaradamente servil ou inimiga de quem está no comando do Executivo, dependendo da conjuntura, brinca de esconde-esconde com o STF.

À DP e a OAB, que compõem também o sistema de Justiça, faço a seguinte consideração:  a Defenderia Pública necessita atuar independente de ser provocada e a OAB carece historicamente de ser fidedigna ao artigo 44 dos Estatutos da Ordem, de defesa da democracia e dos DHs, porque contrariando-o apoiou o golpe de 1964 e o de 2016.

Com os ventos soprando favorável à mudança no país, muitos que apoiaram o impeachment da Dilma, já estão posando de democratas e até mesmo de esquerdistas.

    Correndo por fora e se intrometendo estão as FFAA, no vai e volta na tentativa de manter a sua tutela sobre a República e comprovando uma vez mais que não reúnem preparo e competência gerencial e política para administrar o país. Atualmente uma parte delas sofre de impotência para a função.

   É muita balbúrdia para um Estado recém tornado democrático na forma da lei, e um pouco longe de ser e ter sustentação na realidade.  Num horizonte não muito distante haverá a necessidade de uma Constituinte.

   As ilusões alimentam sonhos, mas as verdades fomentam ações certeiras.

   Nenhuma família sem moradia, nenhum trabalhador sem emprego, nenhum brasileiro sem comida

Francisco Celso Calmon, coordenador do canal pororoca e ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça