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Justiça Federal confirma denúncia contra torturador do regime militar acusado de estrupro na “Casa da Morte” após 50 anos

A Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), era um centro de torturas e assassinatos usados pelo Exército | Foto: Comissão da Verdade

Cinquenta anos depois, a Primeira Seção Especializada do TRF2 confirmou nesta última segunda-feira (1º), por maioria, a decisão da Corte que tornou réu o sargento Antonio Waneir Pinheiro de Lima, acusado de sequestrar, manter em cárcere privado e estuprar Inês Etienne Romeu, durante a ditadura militar em 1971. Militante da organização VAR-Palmares, que lutava contra o regime militar (1964 – 1985), e falecida em 2015 de causas naturais, ela é reconhecida como a única sobrevivente da chamada Casa da Morte, em Petrópolis, na Região Serrana fluminense, um centro clandestino de detenção mantido pelos órgãos de repressão do regime.

A casa da morte está localizada em Petrópolis (RJ), na rua Arthur Barbosa, 668, atualmente rua Arthur Barbosa, 50 e fica no alto de um morro do Bairro Caxambu e de propriedade do empresário alemão Mario Lodders, um simpatizante da ditadura militar que a cedeu a casa ao Exército para praticar torturas e assassinatos. A propriedade foi montada após a ordem do então ministro do Exército Orlando Geisel ao Centro de Informações do Exército (CIEx), de que todos os presos políticos banidos anteriormente do país deveriam ser assassinados se fossem capturados novamente em território brasileiro.

Mérito

No julgamento da Primeira Seção Especializada foi apreciado e negado um recurso de embargos infringentes apresentado pela defesa de Antonio Waneir, conhecido como Camarão, contra decisão anterior do próprio TRF2, que já havia recebido a denúncia apresentada à Justiça Federal em 2018 pelo Ministério Público Federal (MPF), tornando o sargento réu. O relator dos embargos é o desembargador federal Marcello Granado, que proferiu o voto condutor do julgamento. O mérito da ação penal será julgado pela Justiça Federal de Petrópolis.

Segundo informações dos autos, Inês Etienne Romeu foi levada a força e mantida por seis meses na Casa da Morte, até ser transferida, em novembro de 1971, para o Presídio Talavera Bruce, no Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1979, quando foi solta.

No primeiro julgamento que recebeu a denúncia contra o agora réu, realizado pela Primeira Turma Especializada em agosto de 2019, a desembargadora federal Simone Schreiber, que apresentou o voto vencedor naquela sessão, entendeu pela existência de indícios suficientes de autoria e materialidade dos fatos.

Torturador Antonio Wanier Pinheiro de Lima, o Camarão, acusado de crime contra a humanidade | Foto: Comissão da Verdade

Crime contra a humanidade

Na ocasião, a magistrada também concluiu que a Lei da Anistia (Lei nº 6683, de 1979), embora tenha sido declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, viola disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), da qual o Brasil é signatário. Além disso, a desembargadora lembrou que o Estatuto de Roma, do qual o Brasil igualmente é signatário, estabelece que os crimes contra a humanidade não são alcançados pela prescrição e nem pela anistia e observou que, em decorrência desse acordo, foi decretada e sancionada a Lei nº 12.528, de 2011, que instituiu a Comissão Nacional da Verdade.

Nascida em 1942 em Pouso Alegre, Minas Gerais, Inês Etienne integrou a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), organização de extrema esquerda que sequestrou o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, em 1970, no Rio de Janeiro, da qual também fez parte a ex-presidenta Dilma Rousseff. A militante foi detida em maio de 1971 em São Paulo e trasladada para a Casa da Morte, no Rio, mas não sem resistência de sua parte: chegou a se jogar diante de um ônibus quando a transferiam de uma cidade para outra.

Depois de 96 dias de torturas, estupros e humilhações, “estava destroçada, doente, reduzida a um verme, obedecia como uma autômata”, contou Inês depois. Durante o sequestro, tentou suicidar-se outras duas vezes. Os torturadores liberaram-na depois de três meses, acreditando que, após as sessões de tortura e o cativeiro, ela abandonaria a luta armada e chegaria, inclusive, a colaborar com o regime militar —Inês fingiu que aceitaria tornar-se informante de seus captores.

Inês foi sequestrada em São Paulo no dia 5 de maio de 1971, aos 28 anos, e levada à Casa da Morte, onde, de acordo com seu relato, foi torturada e estuprada pelo sargento reformado. Em depoimento,  Lima disse que era apenas o caseiro do imóvel e que esteve com Inês —que ficou detida durante três meses—, mas negou o crime.