Todas as operadoras que fornecem internet já foram notificadas para bloquear o aplicativo
A Justiça Federal do Espírito Santo determinou, nesta tarde, o aumento da multa diária de R$ 100 mil para R$ 1 milhão e a suspensão temporária das atividades do aplicativo de mensagens Telegram no Brasil. A decisão, do juiz Wellington Lopes da Silva, da 1ª Vara Federal de Linhares (ES), foi proferida após o aplicativo não fornecer informações solicitadas a respeito de grupos neonazistas atuantes no Telegram.
A decisão, da Vara Federal de Linhares, considerou que o Telegram, que havia sido intimado para fornecer os dados “de todos os usuários” do canal “Movimento Anti-Semita Brasileiro” e do chat “(suástica) Frente Anti-Semita (suástica)”, principalmente do(s) seu(s) administrador(es), não cumpriu a determinação judicial.
Telegram não entregou a íntegra dos dados solicitados
Wellington Lopes da Silva havia pedido informações sobre os usuários de um canal antissemita e um chat com o mesmo teor, que propagavam conceitos e símbolos neonazistas. Os dados solicitados compreendiam os nomes dos usuários dos grupos, CPF, foto do perfil, e-mail, endereço, dados bancários cadastrados, entre outros. As informações repassadas à Justiça, no entanto, foram consideradas insuficientes.
A empresa cumpriu apenas parcialmente a ordem judicial, diz o magistrado em sua decisão, limitando-se a fornecer as informações do administrador e não de todos os usuários do canal e do grupo (chat), com a justificativa de que isso seria impossível, uma vez que o grupo (chat) já havia sido excluído, o que não foi considerado justificativa razoável para o descumprimento da ordem judicial.
Dessa forma, entendeu o juiz na decisão que ficou “evidente o propósito do Telegram de não cooperar com a investigação em curso (relativa a fato em tese criminoso do mais elevado interesse social)”. Por esse motivo, a multa anteriormente estipulada foi aumentada para R$ 1 milhão “por cada dia de atraso no cumprimento fidedigno da decisão anteriormente proferida ou 5% (cinco por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no exercício de 2022, o que for menor, sem prejuízo de uma ulterior majoração, caso persista o inadimplemento”, afirmou.
Quanto à “sanção de suspensão temporária das atividades do Telegram no Brasil”, esta “é medida que pode ser efetivada desde logo nestes autos, por meio da expedição dos ofícios às empresas referidas na parte final (…) da decisão do evento 9”.
Flávio Dino
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, comentou o assunto. Para ele, a atuação de grupos antissemitas é parte da estrutura de violência contra crianças e adolescentes no Brasil.
“A Polícia Federal pediu e o Poder Judiciário deferiu que uma rede social que não está cumprindo as decisões, no caso o Telegram, tenha uma multa de R$ 1 milhão por dia e suspensão temporária das atividades, exatamente porque há agrupamentos denominados Frentes Antissemitas ou Movimentos Antissemitas atuando nessas redes e nós sabemos que isso está na base da violência contra nossas crianças e nossos adolescentes”.
Ofício da PF
Em um ofício enviado ao juiz da 1ª Vara Federal de Linhares, o delegado da Polícia Federal, Leopoldo Soares Lacerda, onde pede o afastamento do sigilo do canal do Telegram “Movimento Anti-Semita Brasileiro” e do chat “卐 Frente Anti-Semita 卐”enumera a dificuldade que o aplicativo proporciona às autoridades:
Com os recursos de mascaramento dos usuários acima citados, o aplicativo Telegram é considerado um ambiente inatingível para as autoridades estatais e, em razão disso, atraente para quem pretende cometer ilícitos, seja buscando informações de como executar algum ato criminoso, seja com compartilhamentos de materiais nefastos e discursos e imagens de ódio ou mesmo publicações de ameaças que causam distúrbio social. O cenário é ainda pior, pois o acesso a esses conteúdos ilícitos não possui qualquer filtro para menores de idade.
O ambiente é tão seguro para ocultação das identidades dos seus usuários que o aplicativo concorre com o também preocupante ambiente proporcionado na dark web, porém, com o atrativo de ser um aplicativo simples e de fácil manuseio para quem não detém maiores conhecimentos de informática, o que seria necessário para a utilização da deep web.
É por tais motivos e comportamento da empresa fornecedora do serviço que o aplicativo já foi alvo de suspensão em 11 países, inclusive na própria Rússia, país originário do Telegram (hoje a empresa está sediada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos).
Aplicativo permite que nome do administrador fique oculto
O delegado ainda diz no ofício encaminhado ao juiz federal, que a partir de 2020, com a atualização da versão V7.1.1 do Telegram, é possível que o administrador de canal e de chat permaneçam ocultos para os demais usuários, ou seja, utilizando-se desse recurso, os demais integrantes do grupo não saberão que são os administradores que aparecerão com o mesmo nome do canal ou chat.
“Enfim, as barreiras disponibilizadas pelo aplicativo para ocultar a identidade do usuário são diversas”, diz a autoridade federal antes de fazer a seguinte enumeração:
i. O nome de usuário, assim como o nome (apelido) do perfil, pode ser uma criação de uma sequência de caracteres aleatórios diferente do verdadeiro nome da pessoa;
ii. Possibilidade de ocultar o número da linha telefônica vinculada à conta criada, assim, somente o nome (apelido) e nome de usuário ficam visíveis para os demais usuários;
iii. Possibilidade de somente o nome (apelido) – que pode ser qualquer combinação de caracteres – ficas visível para os outros usuários;
iv. Possibilidade de ocultação do administrador de grupos (chats), como no presente caso
Resposta do Telegram à Justiça
De acordo com novo oficio enviado pelo delegado ao juiz federal de Linhares nesta última terça-feira (25), como resposta à ordem judicial, às 12h33 do dia 21 de abril último o Telegram informou o seguinte:
“Com base nas novas informações prestadas, o Telegram conseguiu identificar que o canal “Movimento Anti-Semita Brasileiro” (https://t.me/antissemitabr) já havia sido objeto de solicitação anterior feita ao Telegram pela Polícia Federal de São Paulo sob número de referência 2023.0024486-SR/PF/SP. No momento dessa solicitação, recebida em 10 de abril de 2023, o canal estava ativo e os dados do administrador foram obtidos. Assim, apesar do canal já ter sido deletado, os seguintes dados estão disponíveis para o administrador do grupo “Movimento Anti-Semita Brasileiro” (https://t.me/antissemitabr):
•Usuário: #6129271951
•Telefone: +51969506146
•IP: 190.236.6.11, 11 Apr 2023, 4:16:36, UTC+0”
“Quanto ao canal [grupo] ] “卐 Frente Anti-Semita 卐”, com base no ID fornecido (ID 1586278133), foi possível identificar que o grupo já foi deletado. Assim, para recuperar dados privados de seu administrador, é necessário o seu número de telefone”, completou o aplicativo.
“A despeito da resposta dentro do prazo, as informações fornecidas não atendem à ordem judicial. Salienta-se que a determinação era para que o Telegram encaminhasse os dados cadastrais de todos os integrantes do canal e do grupo de chat. Com relação ao telefone e IP de acesso do administrador do canal fornecidos, trata-se de dados localizados no exterior, necessitando-se de cooperação jurídica internacional. Interessante observar que, mesmo que o canal tenha sido deletado (ou inativado), o Telegram forneceu tais dados por ele armazenados”, disse o delegado Leopoldo Soares Lacerda no relato feito ao juiz através de ofício.
O magistrado retirou o sigilo das peças abaixo, atendendo ao pedido da PF:
Telegram-Evento-1Telegram-Evento-9
Telegram-Evento-20
Telegram-Evento-25