Caso seja sancionado pelo prefeito de Vitória, a rua que homenageia Aristeu Aguiar, o responsável pelo Massacre da Praça do Carmo, em 13 de fevereiro de 1930, terá que ter o nome mudado no primeiro dia em que entrar em vigor. Aguiar mandou matar participantes de um comício, deixando cinco mortos e dezenas de feridos. Caso a lei não retire a homenagem a Aristeu Aguiar, a nova legislação entrará em descrédito
O recém aprovado projeto de lei 115/2021 da Câmara de Vereadores de Vitória (ES), que tem como finalidade a proibição de denominação de logradouros públicos com o nome de pessoas que foram condenadas por corrupção e por condenados pela prática de atos de lesa-humanidade e crimes de tortura, entre outros, terá seu desafio no primeiro dia que entrar em vigor. Segundo ao Legislativo municipal, “o projeto foi aprovado, mas ainda segue para sanção ou não do prefeito”. Em Vitória, há o nome de uma rua, cujo homenageado é o responsável pelo Massacre da Praça do Carmo, em 1930.
Vários vereadores, em diversas legislaturas, tentaram e não conseguiram tirar o nome da Rua Aristeu Aguiar, que fica localizada entre os fundos do Supermercado São José e a lateral do Banco Itaú, no Centro Histórico de Vitória. Por coincidência, o nome do autor do massacre que ocorreu em Vitória (ES), na noite do dia 13 de fevereiro de 1930, abalou o Brasil. Foi a manchete dos principais jornais brasileiros e foi amplamente noticiado pela Rádio Nacional. Naquela ocasião não existia televisão. Aristeu Aguiar, que era o presidente da então Província do Espírito Santo, acabou entrando como fugitivo em um navio de cargas com bandeira italiana, que estava atracado no Porto de Vitória. Posteriormente, foi condenado à revelia, já que era fugitivo.
Mas, há muitos anos atrás os vereadores daquela ocasião resolveram homenagear o responsável pelos assassinatos que ocorreram na pequena praça que fica na frente da Igreja e Convento do Carmo, atualmente denominada de Praça Irmã Josepha Hosanah. O saldo do massacre ordenado por Aristeu Aguiar foi de cinco mortos e dezenas de pessoas feridas por baionetas no local. Morreram os tenentes José Jacob e Pedro Gonçalves e os civis Cláudio Santana, Afonso Pires Madeira e Cecília Soares.
Comício da Praça do Carmo em 13 de fevereiro de 1930
Naquela noite de fevereiro de 1930 ocorria na Praça do Carmo um comício da Aliança Liberal, que havia liderado pela candidatura do paraibano João Pessoa (candidato à presidência) e do gaúcho Getúlio Vargas (candidato a vice). Esta aliança tinha apoio do movimento conhecido como Tenentista, e que reunia novos oficiais do Exército. Mas o sistema de alianças do poder central ainda era forte e Júlio Prestes venceu a eleição em março com folgada margem de votos.
A partir daí, houve uma série de denúncias de fraudes eleitorais e de compra de “votos de cabresto”, com a tentativa de sedução dos oposicionistas para um golpe de estado. De início, isso foi evitado até mesmo pelo grupo derrotado. Mas, a partir do episódio do assassinato de João Pessoa, o movimento eclodiu. E em pouco tempo Washington Luís era deposto para que Getúlio Vargas ascendesse ao poder da República. A caravana da Aliança Liberal vinha percorrendo o Brasil, fazendo comícios, e o de Vitória seria apenas mais um deles.
O presidente da Província instruiu a força pública para matar
Nada de excepcional era aguardado para aquele comício na Praça do Carmo. Só que o ambiente era tenso e presidente de Província (nome dado ao governador naquela época) do Espírito Santo, Aristeu Aguiar, temendo que os oposicionistas ganhassem mais força, instruiu a Força Pública (nome anterior da Polícia Militar do Espírito) para agir com rigor e violência à menor provocação dos “caravaneiros”. E esse fato iria se dar durante os pronunciamentos daquele 13 de fevereiro de 1930.
O tiroteio começou na praça do Carmo quando falava o senador piauiense Pires Rabelo. Já era noite no largo do Carmo, que estava lotado de gente quando o senador pelo Piauí se dirigindo para a massa, disse: “Este governo é um ladrão de votos”. Ele se referia a vitória não concretizada de João Pessoa e Getúlio Vargas. Foi o bastante. Tomando o “ladrão” em seu sentido literal, os comandantes da Força Pública mandaram os subordinados abrirem fogo e avançarem sobre a massa com uma carga de cavalaria, que portava baionetas.
Aristeu Aguiar foi criminalizado por ordenar o massacre
Os cavalariços sob as ordens de Aristeu Aguiar chegaram a entrar montados no interior da Igreja do Carmo. Anos depois foram criminalmente responsabilizados pelo massacre. Vaja a relação dos que foram responsabilizados criminalmente: Aristeu Aguiar; o ex-secretário Mirabeau Pimentel e os militares tenente-coronel Hermínio de Holanda Cavalcanti, tenentes José Hortêncio Messias, Inácio Gonçalves, Adolfo Bittencourt, Otto Netto e Leósculo de Oliveira Campos, além dos sargentos Manoel Pereira de Miranda, Newton Santos Neto e Francisco Fernandes de Miranda e o soldado José Esteves dos Santos.
Assim como é atualmente, há 90 anos atrás o largo do Carmo era acessado por apenas três ruas. Quando a Revolução de 30 foi detonada em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, a reação em cadeia foi instantânea. Era preciso derrubar todos os presidentes estaduais que haviam apoiado a vitória eleitoral de Júlio Prestes e que, por conseguinte, eram fiéis ao presidente Washington Luiz.
Aristeu Aguiar fugiu em um navio cargueiro italiano
O Espírito Santo, por isso, foi invadido por tropas militares revolucionárias provenientes do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Sem forças armadas suficientes para resistir à altura, o presidente Aristeu de Aguiar abandonou o cargo e embarcou para o exílio em um navio cargueiro italiano que estava no porto de Vitória. Seus aliados políticos refugiaram-se em localidades próximas à capital.
As colunas militares percorreram o Estado. Substituíam, nas cidades por onde passavam, os prefeitos que tivessem alguma ligação política com as lideranças estaduais ou federais que estavam sendo afastadas do poder. Para governar o Espírito Santo, Getúlio Vargas nomeou, por decreto, um militar-interventor: o capitão mineiro João Punaro Bley.O capitão Bley administrou o Espírito Santo como interventor de 1930 a 1935 e, depois, como governador indicado pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo de 1935 a 1937 e novamente como interventor de 1937 a 1943. Leia a seguir a íntegra do projeto que foi aprovado e virou lei (depende apenas da sanção do prefeito), em arquivo PDF:
226082-202107011456591556-assinadoO que diz a Câmara de Vereadores
Procurada para se posicionar se a lei é para valer mesmo e se a homenagem que é feita a Aristeu Aguiar, o autor do Massacre da Igreja do Carmo, vai ser retirada e em seu local colocar o nome de alguém que tenha feito alguma coisa de útil para a Capital do Espírito Santo, a Câmara deu a seguinte resposta: “Segundo o autor, o vereador Armandinho, a Câmara terá um canal para que o munícipe faça denúncias e, então, entrarão solicitando a troca de nome”.
Na sua justificativa, o vereador Armando Fontoura Borges Filho, o Armandinho (Podemos), alega que o seu projeto (agora lei aprovada) “faz justiça ao homem de bem, vigora a ética e a seriedade do Estado”. Caso o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos) sancione e o projeto vire lei, será feita a prova de fogo no primeiro dia em que vigorar. Caso o nome do responsável pelo Massacre do Carmo, Aristeu Aguiar, continue sendo nome de rua, a lei cairá por descrédito e assinala que não visa fazer justiça aos “homens de bem”.