A parte aberta da sessão plenária dos líderes dos países membros do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada nesta última quarta-feira (23), ocorreu na cúpula do grupo dos líderes das cinco nações no segundo dia de trabalho.
A sessão abordou as questões de reforma substancial da governança global e das organizações internacionais. Os líderes do grupo dos cinco discutiram a realização do potencial do BRICS para aprofundar a parceria mutuamente benéfica com a África.
Todos os chefes de estado do BRICS observaram a importância de desenvolver o sistema educacional tanto em cada país quanto em todo o grupo. Eles reconheceram a necessidade de adotar novas tecnologias, incluindo a IA, e pediram laços mais fortes dentro do bloco, tanto em nível estrutural quanto entre as pessoas.
A presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), Dilma Rousseff, e a presidente do Conselho Empresarial do BRICS, Busi Mabuza, também participaram da sessão plenária. Os líderes do BRICS, em seus discursos, delinearam as posições de cada país sobre as questões levantadas.
O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, em seu discurso disse: “Muitos países estão interessados em se juntar ao bloco BRICS, mostrando nosso crescente papel no mundo. Além disso, realizaremos uma reunião especial à margem da Cúpula do G20, e essa será mais uma oportunidade para darmos um passo no sentido de enfrentar os desafios existentes e garantir o bem-estar dos povos do mundo. Continuamos a criar um mundo multipolar, justo e inclusivo.”
Íntegra do discurso do presidente Lula neste último 23 de agosto:
É uma alegria retornar a Joanesburgo, cidade que foi palco importante das lutas contra o Apartheid e que segue como inspiração para o combate a todas as formas de discriminação e desigualdade.
Na última vez que participei desta Cúpula, em 2010, tive a honra de recepcionar, em Brasília, os chefes de Estado e de Governo de Rússia, Índia e China, além da África do Sul como convidada.
Apenas um ano depois, confirmamos o ingresso da África do Sul na primeira expansão de nosso agrupamento.
Sua inclusão fez com que passássemos a refletir melhor a nova configuração de poder mundial. Saímos fortalecidos.
Hoje, representamos 41% da população e somos responsáveis por 31% do PIB global em paridade do poder de compra.
Mas enfrentamos um cenário mais complexo do que quando nos reunimos pela primeira vez.
Em poucos anos, retrocedemos de uma conjuntura de multipolaridade benigna para uma que retoma a mentalidade obsoleta da Guerra Fria e da competição geopolítica.
Essa é uma insensatez que gera grandes incertezas e corrói o multilateralismo.
Sabemos bem onde esse caminho pode nos levar.
O mundo precisa compreender que os riscos envolvidos são inaceitáveis para a humanidade.
Não podemos nos furtar a tratar o principal conflito da atualidade, que ocorre na Ucrânia e tem efeitos globais.
O Brasil tem uma posição histórica de defesa da soberania, da integridade territorial e de todos os propósitos e princípios das Nações Unidas.
Achamos positivo que um número crescente de países, entre eles os países do BRICS, também esteja engajado em contatos diretos com Moscou e Kiev.
Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz.
Tampouco podemos ficar indiferentes às mortes e à destruição que aumentam a cada dia.
Estamos prontos a nos juntar a um esforço que possa efetivamente contribuir para um pronto cessar-fogo e uma paz justa e duradoura.
Todos sofrem as consequências da guerra. As populações mais vulneráveis nos países em desenvolvimento são atingidas desproporcionalmente.
A guerra na Ucrânia evidencia as limitações do Conselho de Segurança.
Os BRICS devem atuar como uma força pelo entendimento e pela cooperação. Nossa disposição está expressa nas contribuições da China, da África do Sul e de meu próprio país para os esforços de solução do conflito na Ucrânia.
Muitos outros conflitos e crises não recebem atenção devida mesmo causando vasto sofrimento para as suas populações.
Haitianos, iemenitas, sírios, líbios, sudaneses e palestinos todos merecem viver em paz.
É inaceitável que os gastos militares globais em um único ano ultrapassem 2 trilhões de dólares, enquanto a FAO nos diz que 735 milhões de pessoas passam fome todos os dias no mundo.
A busca pela paz é um dever coletivo e um imperativo para o desenvolvimento justo e sustentável.
Em muitos lugares, enquanto os homens fazem a guerra, são as mulheres que lutam pela conciliação. A valorização e o fortalecimento do papel das mulheres na resolução dos conflitos será cada vez mais central para um mundo de paz.
Mais do que isso, o empoderamento das mulheres é pré-condição para o pleno desenvolvimento econômico e social.
Parafraseando Thomas Sankara, grande líder pan-africano: não podemos almejar uma sociedade em que metade da população é silenciada pelo machismo e pela discriminação na participação política e no mundo do trabalho.
Caros colegas,
O esfacelamento da governança global também está patente nas agendas do desenvolvimento, do financiamento e do enfrentamento à mudança do clima.
Ao retornar à presidência do Brasil, me entristece constatar que a implementação da Agenda 2030 está em risco em todo o mundo.
Relatório recente da ONU indica fortes retrocessos.
Vemos o maior aumento da desigualdade entre os países em três décadas. Em 30% das metas, estagnamos ou andamos para trás.
É muito difícil combater a mudança do clima enquanto tantos países em desenvolvimento ainda lidam com a fome, a pobreza e outras violências.
O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, mantém sua atualidade.
Os grandes responsáveis pelas emissões de carbono que causaram a crise climática foram aqueles que fizeram a Revolução Industrial e alimentaram um extrativismo colonial predatório.
Eles têm uma dívida histórica com o planeta Terra e com a humanidade.
Precisamos valorizar o Acordo de Paris e a Convenção do Clima, em vez de terceirizar as responsabilidades climáticas para o Sul Global.
O Brasil está recuperando seu protagonismo na agenda ambiental.
A coordenação com os demais países em desenvolvimento com florestas tropicais para atuação nas COPs do Clima e da Biodiversidade será vital para dar peso aos nossos interesses.
A Cúpula da Amazônia, realizada dias 8 e 9 de agosto, é um marco para a necessária construção de um modelo de desenvolvimento sustentável mais justo.
Nossos recursos não devem ser explorados em benefício de poucos, mas valorizados e colocados a serviço de todos, sobretudo do bem-estar das populações locais.
Mas para que as promessas já feitas pelos países ricos sejam cumpridas, o financiamento climático e de biodiversidade deve ser verdadeiramente novo e adicional em relação ao financiamento ao desenvolvimento.
Precisamos de um sistema financeiro internacional que, ao invés de alimentar as desigualdades, ajude os países de baixa e média renda a implementarem mudanças estruturais.
Isso só ocorrerá com representatividade adequada nas instituições de Bretton Woods e seus fundos climáticos.
O endividamento externo restringe o desenvolvimento sustentável. É inadmissível que os países em desenvolvimento sejam penalizados com juros até oito vezes mais altos do que os cobrados dos países ricos.
É preciso aumentar a liquidez, ampliar o financiamento concessional e pôr fim às condicionalidades.
O sistema multilateral de comércio deve ser reavivado para voltar a atuar como ferramenta para um comércio justo, previsível, equitativo e não discriminatório.
Ninguém mais se recorda da Rodada do Desenvolvimento da OMC.
A descarbonização de nossas economias deve vir acompanhada pela geração de empregos dignos, de industrialização e infraestruturas verdes, e serviços públicos para todos.
Por meio do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), podemos oferecer alternativas próprias de financiamento, adequadas às necessidades do Sul Global.
Tenho certeza de que, sob a liderança de minha companheira Dilma Rousseff, o Banco estará à altura desses desafios.
A criação de uma moeda para as transações comerciais e de investimento entre os membros do BRICS aumentam nossas opções de pagamento e reduzem nossas vulnerabilidades.
Senhores presidentes,
Hoje o BRICS está plenamente consolidado como marca e ativo político de valor estratégico.
A participação de dezenas de chefes de Estado e de Governo na sessão ampliada de amanhã representará um feito histórico.
O interesse de vários países de aderir ao agrupamento é reconhecimento de sua relevância crescente.
Também teremos no G20 uma troika só com membros do BRICS, no período 2023 a 2025.
Trata-se de mais uma oportunidade para avançar as preocupações do Sul Global com as desigualdades e com o desenvolvimento sustentável.
Que o ímpeto que motivou a criação do BRICS, há 15 anos, continue a nos inspirar na construção de uma ordem multipolar, justa e inclusiva.
Muito obrigado.
O que disse Vladimir Putin
O presidente russo, Vladimir Putin, através de participação virtual, enfatizou a cooperação em educação, compartilhando conhecimento e experiência.
“Saudamos o fortalecimento da interação entre os estados do grupo dos cinco no campo da inovação global, esperando intensificar a cooperação na estrutura de apoio e desenvolvimento da iniciativa da rede global de infraestruturas de pesquisa do BRICS, que poderia ser adotada por um fundo fiduciário especial. Por sua vez, a Rússia está pronta para compartilhar sua experiência acumulada e suas melhores práticas, inclusive no campo da transformação digital e da aplicação da inteligência artificial”, enfatizou o presidente russo.
Ele observou a disposição de participar ativamente da implementação dos acordos firmados sobre a criação de um grupo de trabalho conjunto sobre medicina nuclear.
“Estamos interessados nas atividades da aliança BRICS sobre a cooperação na educação profissional secundária e apoiamos totalmente a proposta de nossos colegas sul-africanos de organizar uma reunião ministerial separada sobre assuntos femininos, cujo papel na vida política, econômica e social de nossos países deve, sem dúvida, se expandir. No próximo ano, a Rússia assumirá a presidência do BRICS. Estamos planejando cerca de 200 eventos políticos, econômicos e sociais, que serão realizados em mais de uma dúzia de cidades russas”, disse Vladimir Putin.
O que disse o primeiro-ministro indiano
Narendra Modi, primeiro-Ministro indiano, sugeriu que os países do BRICS aprofundem a cooperação no setor espacial. “Já estamos trabalhando em um grupo de satélites espaciais dos países do BRICS. Um passo adiante seria discutir a criação de um consórcio de pesquisa espacial do BRICS que permitiria realizar pesquisas e observações meteorológicas para o benefício do mundo”, disse o indiano.
Modi enfatizou a conscientização das pessoas e o desenvolvimento de projetos educacionais.
“Minha segunda proposta é a cooperação em educação, desenvolvimento de habilidades e desenvolvimento de tecnologia. Para que a associação BRICS enfrente o futuro com confiança, cada um de nós deve estar preparado para ele. A tecnologia pode desempenhar um papel importante nesse sentido”, disse o chefe de Governo da Índia.
Sobre a inclusão de novos membros no bloco, Modi disse: “A Índia apoia totalmente a expansão do número de membros do BRICS. Em 2016, durante a presidência da Índia, definimos o BRICS como um grupo responsivo e inclusivo. Sete anos depois, podemos dizer que o BRICS superará todos os obstáculos, revitalizará as economias, impulsionará a inovação, criará oportunidades e moldará um futuro compartilhado.”
O que disse o chinês Xi Jinping
“A China gostaria de propor aos países do BRICS que aumentem a cooperação em educação digital e criem uma plataforma de educação on-line. Devemos defender a justiça e a equidade e melhorar a governança global. Se a comunidade internacional quiser aproveitar as oportunidades de desenvolvimento e enfrentar os desafios comuns, as regras internacionais devem ser honradas em conjunto. Elas são baseadas nos princípios da Carta da ONU”
Sobre uma das principais questões da atual cúpula – a admissão de novos membros no BRICS – o Presidente Xi disse o seguinte: “Estou satisfeito em ver o grande entusiasmo dos países em desenvolvimento pela cooperação com o BRICS. Houve muitos pedidos de adesão à aliança, e devemos usar a cooperação do BRICS para acelerar o processo de expansão, de modo que o maior número possível de países possa se juntar à família BRICS e trabalhar juntos para impulsionar a governança global em uma direção mais justa e razoável”.
O que disse o presidente da África do Sul
Concluindo os discursos dos chefes de estado do BRICS, Cyril Ramaphosa, Presidente da África do Sul, anfitrião da cúpula, destacou a cooperação e a solidariedade dos membros do bloco em muitas questões da agenda global e intrabloco.
Ramaphosa, assim como seus colegas, enfatizou a aceitação e a adoção de tecnologias avançadas e a necessidade de treinamento nos países da associação.
“A inteligência artificial é a nova fronteira na qual precisamos nos concentrar. Mas também precisamos ser capazes de gerenciar a inteligência artificial, ela precisa ser confiável e segura. E outro aspecto importante é o intercâmbio humanitário, a comunicação entre as pessoas para manter nossa unidade dentro e fora do bloco. Todos devem respeitar o caminho de modernização que nossos países estão tomando.”
O líder da África do Sul também apoiou a expansão do BRICS, enfatizando: “Com a entrada de novos membros na organização, o BRICS será muito mais forte.”
O segundo dia da cúpula do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em Johanesburgo, Gauteng, África do Sul, contou com sessões fechadas e abertas dos líderes dos países membros. Espera-se que os líderes do BRICS aprovem o principal documento da cúpula, a Declaração de Joanesburgo, no final do dia.
O que é o BRICS?
O BRICS é uma parceria entre cinco das maiores economias emergentes do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. No total, o grupo representa mais de 42% da população mundial, 30% do território do planeta, 23% do PIB global e 18% do comércio internacional.
O grupo, que não incluía a África do Sul e era chamado apenas de BRIC (termo criado por um analista da Goldman Sachs em um artigo sobre economias emergentes em 2001), se reuniu formalmente pela primeira vez às margens da Assembleia Geral da ONU de 2006, em Nova York.
A primeira cúpula dos BRICs aconteceu em 2009, na cidade de Ecaterinburgo, na Rússia. Dois anos mais tarde, durante a terceira cúpula, em Sanya (China), a África do Sul passou a fazer parte do bloco.
O diálogo entre os países se dá em três pilares principais: cooperação em política e segurança, cooperação financeira e econômica, e cooperação cultural e pessoal. Cerca de 150 reuniões são realizadas anualmente em torno desses pilares.
O principal objetivo do bloco, por meio da cooperação, é alterar o sistema de governança global, com uma reforma de mecanismos como o Conselho de Segurança da ONU, além de introduzir alternativas às instituições como o FMI e o BID para o fomento às economias emergentes, como é o caso do NDB.
Com informações da TV BRICS e da Agência Brasil