O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou nesta última sexta-feira (24), a lei que institui indenização em formato de pensão vitalícia aos filhos das pessoas que ficaram isoladas em colônias de pessoas acometidas pela hanseníase no século passado e foram separados de seus pais. A nova legislação é uma reparação histórica à decisão do Estado brasileiro que vigorou desde a década de 1920, época em que pessoas com a doença recebiam determinação de isolamento compulsório, o que perdurou por mais de meio século.
Conforme estimativa do Movimento de Reintegração dos Acometidos pela Hanseníase (MORHAN), aproximadamente 15 mil pessoas podem ser beneficiadas diretamente pela nova lei. Há cerca de 5,5 mil pessoas acometidas pela hanseníase que chegaram a ser isoladas compulsoriamente e ainda estão vivas.
A colônia dos discriminados capixabas em Itanhenga
A Colônia de Itanhenga, em Cariacica (ES), teve a construção iniciada em 1935 com o intuito de abrigar em uma espécie de mini cidade as pessoas que tinham se contaminado com a hanseníase, chamada de forma discriminatória naquela época de “lepra”. A inauguração ocorreu no dia 11 de abril de 1937. O Governo, tanto o Federal quanto o estadual, adotou impor a “internação” obrigatória, porque não havia cura e o portador dessa doença causava medo na sociedade.
Essas colônias funcionaram dessa forma, no Brasil, entre os anos de 1920 a 1950. No caso específico de Itanhenga, onde os internos eram confinados e terminantemente proibidos de sair, as famílias segregadas da sociedade tinham dormitórios, hospital, escola, delegacia, prefeitura para administrar a colônia e um cemitério.
Em 1935, segundo levantamento feito pelo então diretor de Higiene do Governo capixaba, Pedro Fontes, havia em todo o Espírito Santo 700 pessoas contaminadas com hanseníase. A colônia tinha capacidade para 380 internos. De acordo com registros históricos, a colônia de Itanhenga funcionou até 1962, quanto teve um total de 1.592 cidadãos discriminados pela hanseníase.
A Lei 610/1949 (clique aqui para conhecer a legislação na íntegra), assinada pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra, deu legalidade ao isolamento compulsório dos internos e de seus filhos. As crianças que tinham parentes, ficavam com eles. As que não tinha, iam para educandários, que foram construídos excluisi8vamente para abrigar os filhos dos excluídos da sociedade.
No mínimo, um salário mínimo de pensão
A lei também estabelece novo parâmetro de valor para a indenização das pessoas que foram isoladas compulsoriamente na época e ainda estejam vivas. O valor não poderá ser inferior a um salário mínimo por mês. Esse mesmo parâmetro mínimo resguarda os filhos das pessoas isoladas, que agora passam a ter direito a pensão. A regulamentação dos valores de indenização e dos trâmites burocráticos para recebê-la ocorrerá em decreto posterior.
O isolamento de pessoas com hanseníase ocorreu de forma mais intensa até a década de 1950, sendo reduzida a partir dos anos 60. Mas até 1976 era respaldada oficialmente pelo Estado e durou na prática até 1986, em casos mais raros, como revelaram apurações sobre o assunto. O grupo de pacientes mantido naquela mesma época em isolamento domiciliar nas florestas e seringais – e não em colônias – acaba de ser incluído na nova legislação, que sucede a Lei 11.520, de 2007. São pessoas especialmente da região Norte do país, com especial destaque para moradores do município de Cruzeiro do Sul, no Acre.
Doença determinada socialmente
Tanto o diagnóstico quanto o tratamento da hanseníase são totalmente gratuitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde contabiliza em média 21 mil novos casos de hanseníase por ano no país. A hanseníase é uma das 11 doenças que fazem parte do Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e de Outras Doenças Determinadas Socialmente (CIEDDS), que atua para eliminação enquanto problema de saúde pública. De forma inédita, nove ministérios se reuniram para elaborar estratégias de eliminação de doenças que acometem, de forma mais intensa, as populações de maior vulnerabilidade social.
Coordenado pelo Ministério da Saúde, o grupo funcionará até janeiro de 2030. Dados da pasta apontam que, entre 2017 e 2021, as doenças determinadas socialmente foram responsáveis pela morte de mais de 59 mil pessoas no Brasil. O plano de trabalho inicial inclui enfrentar 11 dessas enfermidades – como malária, esquistossomose, Doença de Chagas e hepatites virais – além da transmissão vertical da sífilis, hepatite B e do HIV. Essa estratégia está prevista nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
A meta é que a maioria dessas doenças sejam eliminadas como problema de saúde pública – são elas: Doença de Chagas, malária, hepatites virais, tracoma, filariose, esquistossomose, oncorcercose e geo-helmintíases. Para outras enfermidades, como tuberculose, HIV e hanseníase, o objetivo é atingir as metas operacionais de redução e controle propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) até 2030. Já para doenças como HIV, sífilis e hepatite B, a meta é eliminar a transmissão vertical, ou seja, quando a doença é passada de mãe para filho.
A instalação do CIEDS é parte da premissa que garantir o acesso apenas ao tratamento em saúde não é suficiente para atingir essas metas. É preciso propor políticas públicas intersetoriais que sejam voltadas para a equidade em saúde e para a redução das desigualdades sociais, fator diretamente ligado às causas do problema.
Entre os avanços deste ano, o SUS também passou a disponibilizar teste rápido para a avaliação de contatos dos pacientes de hanseníase, indicado para uso na atenção primária. O objetivo é identificar entre os contatos dos pacientes aqueles com maior chance de adoecer e que, por isso, devem receber acompanhamento mais cuidadoso. A partir do próximo ano, a estimativa é de que o SUS passe a ofertar, ainda, dois novos exames laboratoriais de biologia molecular para hanseníase.