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Mais de 300 imóveis abandonados no Centro de Vitória trazem riscos até de desabamento


Representação dos moradores e a Defensoria Pública do Estado já acionaram a Prefeitura de Vitória na Justiça, para que exerça o seu poder de fiscalização e adote uma destinação social para os imóveis abandonados e com risco de deterioração e até de desabamento. Mas, a ação judicial não trouxe resultado aguardado pelos moradores


À esquerda, marquise da antiga Caixa que desabou na madrugada da última quarta-feira (21), na Avenida Jerônimo Monteiro, e à direita uma outra marquise em via de desabamento na Rua Duque de Caxias, atrás da `Praça Oito | Fotos: Grafitti News

A recente queda de uma marquise, na madrugada da última quarta-feira (21) reavivou as reclamações dos moradores do Centro Histórico de Vitória contra o descaso das autoridades municipais, onde segundo a Associação dos Moradores do Centro de Vitória (Amacentro) há mais de de 300 imóveis abandonados. O agravante é que esses prédios são de propriedade de órgãos públicos municipais, estaduais, federais, privadas e até do Judiciário, que largaram os imóveis às intempéries e ao desgaste do tempo, sem se preocupar com a vida do cidadão.

A última marquise a cair somente não causou morte a pedestres ou prejuízo ao motorista que transita na Avenida Jerônimo Monteiro,porque o desabamento ocorreu na madrugada da última quarta-feira. Essa marquise é de um prédio onde ficava uma agência da Caixa, mas que foi doado em 2017 pela União ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).

No entanto, após a queda da marquise, devido ao abandono do imóvel, o TJES emitiu nota à imprensa., onde informou que rejeitou a doação porque a reforma do prédio se tornou inviável, devido ao elevado custo. A rejeição da doação ocorreu em 2022, mas não foi efetivada, devido aos trâmites burocráticos.”O processo de devolução não foi concluído”, atesta o Tribunal na sua nota.

Mas, não é só a queda de uma marquise que preocupa os moradores, já que há no Centro Histórico mais de 300 imóveis abandonados, onde um que fica na Rua Duque de Cacias, em frente a loja Martini de consertos de celulares, há uma iminência de desabamento a qualquer momento. Tanto, que para eviar que os tijolos da edificação sejam espalhados, foi colocada uma tela de nylon na frente.

O que diz o CREA-ES

Com relação a queda da marquise do prédio, que ainda consta como sendo o proprietário o TJES, a equipe multidisciplinar do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (Crea-ES) fez uma constatação preliminar sobre as causas. “A marquise que desabou na madrugada desta quarta-feira (21/2), no edifício Jerônimo Monteiro, no centro de Vitória, apresentava avançado estado de corrosão, acúmulo de resíduos e detritos, umidade e peso excessivo, provocado por camadas adicionais de concreto e outros materiais na laje”, atestou o órgão.

“Observamos um acúmulo significativo de resíduos e detritos que obstruíram a drenagem das águas da chuva. Garrafas e outros objetos estavam localizados na entrada do sistema de drenagem da marquise, provocando obstrução e causando acúmulo de água. Também constatamos camadas adicionais de concreto e outros materiais na laje, possivelmente não previstas no projeto inicial. Isso provavelmente provocou um aumento do peso a ser suportado pela marquise”, disse o coordenador da vistoria engenheiro civil, ambiental e de segurança do trabalho Giuliano Battisti.

Os engenheiros também detectaram um estado de corrosão avançado na armadura de aço da estrutura de concreto armado e importante grau de umidade na marquise, causado por falta de impermeabilização, o que favoreceu a penetração de água na estrutura. “A umidade possibilitou o crescimento de vegetação e musgos na laje da marquise, ocasionando danos à médio e longo prazo à estrutura”, explicou Battisti.

A demora das autoridades em estancar a deterioração do Edifício Presidente, pode acabar contribuindo para provocar o desabamento do prédio de 14 andares na Praça Costa Pereira | Fotos: Grafitti Newes

A espera do desabamento na Praça Costa Pereira

Para os moradores do Centro não será surpresa se o Edifício Presidente Getúlio Vargas, que ficou conhecido como sendo o  prédio que abrigou o antigo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória, acaba desabando. A edificação, constrúida na década de 1950 para ser um hotel de luxo, acabou indo parar nas mãos da União, que cedeu o prédio há mais de 20 anos para o Governo do Estado, onde ali instalou o Centro Regional de Especialidades Metropolitano (CRE).

Deterioração do Edifício Getúlio Vargas, mais conhecido como ‘prédio do IAPI’, no Centro Histórico de Vitoria | Imagens: Redes sociais

O CRE saiu desse prédio no final de 2007 exatamente devido à possibilidade de desabamento e o seu controle passou a ser da União, que optou em deixar o prédio se deteriorar diante da ação do tempo. Houve vários pedidos e até apresentação de projetos para transformar o imóvel de 14 andares em um condomínio residencial para famílias de baixa renda. Mas, ficou só no projeto. Nenhuma ação efetiva foi adotada e manteve-se a opção de deixar o prédio ir se deteriorando, até a possibilidade de desabar.

Plantas crescem nas rachaduras de marquise de prédio abanado na Avenida Jerônimo Monteiro e, em embaixo, o abandono na Avenida Governador Bley, que também traz risco de morte ao pedestre | Fotos: Grafitti News

Marquises em má conservação no Centro

São inúmeras as marquises que dão sinais que estão prestes a ruir, inclusive nas ruas mais movimentadas, como a Avenida Jerônimo Monteiro, Avenida Governador Bley e na Rua Duque de Caxias. Falta fiscalização rigorosa da Prefeitura de Vitória, assinalam os moradores do Centro Histórico.

“Órgãos públicos negligenciam situação dos Prédios públicos abandonados no Centro Histórico de Vitória e colocam em risco vida moradores e visitantes. Esta verdadeira saga vem sendo denunciada há anos pela Amacentro, após pesquisa feita pela própria Associação, em 2017. são mais de 300 imóveis, pertencentes a órgãos públicos municipais, estaduais, federais e ao judiciário totalmente fechados e abandonados às intempéries e ao desgaste do tempo”, afirma a representação dos moradores através de suas redes sociais.

“A última denúncia foi uma Ação Civil Pública, impetrada na Quarta Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros, Meio Ambiente e Saúde, (processo 0005143-98.2020.8.08.0024) com com pedido de tutela de urgência de natureza antecipada, realizada pela Defensoria Pública do ES e a Associação de Moradores do Centro (Amacentro). Nesta ação se destacou a falta de utilização desses imóveis para função social. Também foram realizadas audiências públicas na Ales (Assembleia Legislativa) e na Câmara dos Vereadores, com ausência do Poder Municipal de Vitória, apesar do convite”, completou a Amacentro no seu comunicado.

Como está o processo citado pela Amacentro

O Processo 0005143-98.2020.8.08.0024 foi ajuizado em 2 de março de 2020, tendo como requerente a Defensoria Pública do Espírito Santo (Depes) e a Amacentro e como réu a Prefeitura de Vitória (PMV). O processo tramitou na  4ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos,Meio Ambiente e Saúde. O último andamento ocorreu em 19 de setembro de 2023, quando foram “ convertidos os autos físicos em eletrônicos –  Arquivado na caixa-D 129/2023.”

Anteriormente, no dia 1º de março de 2023, a juíza Sayonara Couto Bittencourt deu uma sentença. Veja a seguir a íntegra da sentença da magistrada:

“É o relatório. Decido.

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo e pelo Movimento Comunitário do Centro de Vitória – MCCV ou AMACENTRO, visando a implementação dos instrumentos de indução e fiscalização da função social da propriedade consistentes no Parcelamento, Utilização e Edificação Compulsórios (PEUC) IPTU progressivo, desapropriação sancionatória, arrecadação de bens vagos e de imóveis abandonados.

De acordo com os Autores, no Centro de Vitória existem imóveis abandonados que, além de não cumprirem com a sua função social, colocam em risco a segurança e a salubridade do local.

O pedido é parcialmente procedente.

A Constituição Federal atribuiu aos Municípios com mais de vinte mil habitantes a obrigação de aprovar Plano Diretor, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana” (art. 182, § 1º). Além disso, determinou a todos os Municípios competência para editar normas destinadas a “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso do solo, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (art. 30, VIII) e a fixar diretrizes gerais com o objetivo de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos habitantes” (art. 182, caput).

A atuação municipal no planejamento da política de desenvolvimento e expansão urbana há de ser conduzida com a aprovação, pela Câmara Municipal, de um plano diretor, que é obrigatório para as cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes, e que servirá de parâmetro para a verificação do cumprimento da função social das propriedades inseridas nos perímetros urbanos.

Essas são as únicas referências textuais que a Constituição traz aos planos diretores. O Estatuto das Cidades, por sua vez, positivou algumas normas gerais a serem observadas na elaboração dos planos diretores.

De acordo com o Estatuto das Cidades, o Plano Diretor deve englobar todo o território do município, sendo revisto, pelo menos, a cada dez anos, e conterá, no mínimo, (a) a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios (art. 22); (b) as áreas em que incidirá o direito de preempção, com direito de vigência não superior a cinco anos (art. 25); (c) as áreas em que o direito de construir poderá ser exercido acima dos coeficientes de aproveitamento básico adotados, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário (art. 28); (d) as áreas nas quais poderá ser permitida a alteração do uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário (art. 29); (e) área para aplicação de operações consorciadas (art. 32); (f) regras para a transferência do direito de construir (art. 35); e (g) sistema de acompanhamento e controle.

Depreende-se desse conjunto normativo que o plano diretor é um instrumento de política urbana, com natureza de norma jurídica de ordem pública, cujo conteúdo deverá sistematizar a existência física, econômica e social da cidade, estabelecendo objetivos gerais a serem perseguidos na sua administração e instituindo normas que limitam as faculdades particulares de disposição inseridas no direito de propriedade em nome do aproveitamento socialmente adequado dos espaços urbanos.

De acordo com José Afonso da Silva (Direito urbanístico brasileiro. São Paulo, Ed. Malheiros, 7ª ed. pp. 145-146), as normas previstas no Plano Diretor “já podem conter em si todos os elementos para sua eficácia e aplicação imediata, com o quê todos os efeitos do plano se manifestarão diretamente vinculantes para os órgãos públicos e para os particulares” ou “Pode também estabelecer as normas fundamentais (as diretrizes), remetendo a regulamento os pormenores de sua aplicação, como é comum verificar-se no que tange às normas de zoneamento”.

No caso do Município de Vitória, o Plano Diretor, em seu Título VI, Capítulo I, estabelece que “São passíveis de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, nos termos do artigo 182 da Constituição Federal e dos artigos 5º e 6º da Lei Federal nº 10.257, de 2001, os imóveis edificados ou não, subutilizados e não utilizados conforme definidos nesta Lei” (art. 224).

A leitura atenta do dispositivo em questão permite concluir que, na definição prevista pelo Professor José Afonso da Silva, o Plano Diretor de Vitória, ao menos no que diz respeito ao Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios possui eficácia e aplicação imediata, pois os requisitos para a definição dos imóveis edificados, subutilizados e não utilizados estão previstos na lei, sem necessidade, para a sua implementação, de nova regulamentação normativa.

Seguindo a linha da aplicabilidade imediata do Plano Diretor Urbano de Vitória, o art. 225 prevê que:

Art. 225. Ficam identificadas para aplicação do parcelamento, edificação e utilização compulsórios as áreas inseridas na Macrozona de Reestruturação, na Zona Especial de Interesse Urbanístico do Centro Histórico (ZEIU 1) e as demarcadas como Zona Especial de Interesse Social 02 ZEIS/02. Parágrafo único. Serão indicadas outras áreas sujeitas ao parcelamento, edificação e utilização compulsórios através de Lei específica, bem como os casos de não incidência do instrumento e o sistema de participação e controle social em sua gestão.

Outrossim, os artigos 226/233 do Plano Diretor definem o procedimento necessário para a notificação do proprietário dos imóveis passíveis de parcelamento, edificação e utilização compulsórios, recursos cabíveis, averbação da notificação na matrícula do imóvel perante o Cartório de Registro competente, possibilidade de formação de consórcio imobiliário e que o descumprimento do prazo para a edificação e utilização do imóvel ensejará a aplicação de IPTU progressivo.

Do mesmo modo, o art. 234 do Plano Diretor cuida especificadamente do IPTU progressivo e os artigos 235/236 versa sobre a desapropriação com pagamento da dívida pública.

No plano fático, constato que os Autores, desde o ano de 2017, atuam perante os órgãos competentes com o fim de fazer valer as previsões de Plano Diretor Urbano. Outrossim, constam dos autos fotografias, documentos e matérias jornalísticas dando conta do estado de abandono de muitos imóveis localizados no Centro de Vitória.

De outro lado, ao apresentar defesa o Município de Vitória se limitou a sustentar a impossibilidade de emissão de título da dívida pública e a exigência de edição de lei específica para que seja possível a implementação dos mecanismos de fiscalização da função social da propriedade.

Não houve, portanto, por parte do Município, negativa quanto aos fatos narrados.

E mais: instado a se manifestar sobre as ações em andamento visando o atendimento da regulamentação do solo urbano, o Sr. Secretário Municipal de Desenvolvimento da Cidade e Habitação informou que “O Município vem trabalhando ações de enfrentamento do tema desde a publicação do PDU vigente em 2018”, mas que:

Em função da reflexão acima, o Município estuda meios para rediscutir a aplicação do instrumento na cidade. Há a necessidade de reavaliar o PEUC a partir de seus objetivos, dessa forma há que se pensar se as porções do território definidas para aplicação do PEUC no PDU de fato atendem ao que se propõe o instrumento e seus sucedâneos; se há outros meios para fomentar a obtenção da função social da propriedade com menor uso de instrumentos punitivos e maior uso de instrumentos de incentivo.

Essas medidas devem ser discutidas a partir de princípios técnicos e também participativos. Como há previsão para convocação do Encontro da Cidade para o ano de 2022 conforme estabelece o PDU, justamente para discutir e aprovar medidas de ajuste na aplicação da lei após 4 anos de vigência, entendendo-se que este seria o fórum ideal para o debate com a população.

Do que se percebe, passados mais de 04 (quatro) anos da publicação do PDU de Vitória, em vez de adotar as medidas concretas para a efetivação dos instrumentos constitucionalmente previstos para fazer valer a função social da propriedade, o Município Réu se limita a iniciar nova discussão com a população, retardando o cumprimento de um dever que lhe é imposto.

Desse modo, o Município de Vitória é omisso no que tange à sua obrigação constitucional e legal de zelar pelo “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos habitantes” (art. 182, caput), justificando a atuação judicial para que cumpra o dever que lhe foi imposto.

Com o fim de efetivar a política pública, o Plano Diretor é claro no que tange à classificação dos imóveis edificados, subutilizados e não utilizados, permitindo que o Município de Vitória os identifique e os classifique, bem como fiscalize o cumprimento da função social.

Também se valendo dos conceitos extraídos do Plano Diretor, o Município de Vitória pode, independentemente de nova lei, notificar os proprietários para que façam cumprir a função social da propriedade, estabelecendo, desde já a possibilidade de determinação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.

De outro lado, entendo que a instituição do IPTU progressivo e da desapropriação exigem a publicação de lei específica.

E isso porque para a instituição do IPTU progressivo, por se tratar de matéria tributária, é indispensável a existência de lei.

De outro lado, por implicar em sanção que implica na perda do direito fundamental à propriedade, a possibilidade de desapropriação deve observar o que a normatização legal prevê.

À luz do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para determinar que o Réu, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, promova o levantamento e fiscalização dos imóveis não utilizados, subutilizados e/ou abandonados nas Zonas definidas no Plano Diretor Urbano, bem como, se for o caso, notifique os proprietários e adote todas as demais medidas cabíveis para o cumprimento da função social da propriedade.

Confirmo a decisão de fls. 233/235-v.

Extingo o processo com julgamento do mérito na forma do art. 487, I, CPC.

Sem condenação em custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, arquive-se.

Vitória/ES, na data registrada no sistema.

Sayonara Couto Bittencourt

Juíza de Direito