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Mamão capixaba é afetado pela doença da meleira


A constatação é de pesquisa realizada pela Ufes e que propõe solução a partir de edição genética


Mamão capixaba é afetado pela doença da meleira | Imagens: Acervo da pesquisa

O mamão capixaba é referência nacional. Em 2022 a produção contabilizou 426 mil toneladas de mamões. A safra corresponde a um faturamento de 1,2 bilhões em 2022, segundo a Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca do Espírito Santo (Seag). Contudo, a ocorrência da doença da meleira do mamão se apresenta como um desafio para os produtores. Nesse cenário, os pesquisadores do Laboratório de Biotecnologia Aplicada ao Agronegócio (LBAA) buscam atribuir maior resistência viral às plantas a partir de edições genéticas com a tecnologia Crispr-Cas9.

A doença da meleira do mamão tem esse nome devido a uma infecção viral que expele o látex da planta de forma fluida e aquosa, deixando a fruta melada. Os primeiros casos relatados foram no Brasil durante os anos 1980. Posteriormente, a doença foi registrada em outros países que cultivam o mamão. Os sintomas iniciais se manifestam apenas quando a planta começa a florescer, apresentando folhas com aspecto queimado nas pontas e manchas rajadas. O sintoma típico, a meleira, surge com os frutos. 

“A princípio, não sabíamos o que causava essa doença e então descobriu-se que era provocada por um vírus. A meleira tem alta gravidade, podendo levar à perda de 40% a 100% do pomar”, explica a professora do Departamento de Ciências Fisiológicas da Ufes Patrícia Fernandes, que integra o LBAA.

Segundo o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural do Espírito Santo (Incaper-ES), a meleira do mamão é um dos principais problemas fitossanitários da cultura no estado. Fernandes pondera que no ES, nas áreas onde é feito o roguing (corte das plantas contaminadas), a incidência é de 30 a 40%. “Mas onde não é feito o corte é muito maior, chegando a 100% da área plantada”, afirma a docente.

A legislação específica do Ministério da Agricultura prevê a interdição de propriedades onde não for realizada a erradicação das plantas com sintomas de meleira. O Instituto de Defesa Agropecuária e do Espírito Santo (Idaf), aponta que em 2023 foram realizadas inspeções fitossanitárias em 427 propriedades, totalizando 629 lavouras e 6.756,37 hectares.

Adoção de procedimentos técnicos em plantação de mamão contaminada pela meleira | Fotos: Acervo da Pesquisa

Biotecnologia

A técnica utilizada pelos pesquisadores para lidar com a doença da meleira do mamão se apoia na biotecnologia. Essa é uma área de conhecimento que estuda a diversidade genética, o que a torna eficiente para desenvolver métodos, diagnósticos e estratégias de controle eficazes em casos virais. A ausência de estudos sobre a meleira estimulou os pesquisadores a sequenciar geneticamente o vírus para obter um diagnóstico molecular.

“Conseguimos um diagnóstico molecular e descobrimos que, na verdade, não era um vírus, mas dois. Um vírus era maior e o outro menor, chamamos de vírus 1 e vírus 2. Descobrimos, ainda, que o vírus maior possui aquela capa proteica, o capsídeo. O vírus menor não tem a capa e utiliza a capa do vírus maior. Também descobrimos que o vírus 1 não é capaz de provocar a doença sozinho, ele precisa do vírus 2 para gerar a meleira do mamão”, detalha a professora.

Os pesquisadores utilizaram técnicas moleculares para avaliar a expressão de RNA e a expressão de proteína antes e depois do florescimento do mamoeiro. A partir desses estudos, alguns genes foram indicados como responsáveis pela ausência de sintomas antes do florescimento. Com base nisso, é possível modificar a planta geneticamente para que ela possa se tornar resistente, ou seja, não apresentar sintomas nem antes e nem depois do florescimento.

Transgênico

Fernandes explica que as modificações mais comuns para resistência a vírus são através de procedimentos transgênicos. O mamão transgênico já existe e é comumente comercializado pelo Havaí e pela China, demonstrando resistência a um vírus específico, o do Mosaico. Porém, o receio dos consumidores diante de alimentos transgênicos estimulou os pesquisadores da Ufes a trabalhar com a tecnologia Crispr-cas9, técnica que permite a edição do DNA de organismos.

“A gente poderia tentar fazer um mamão resistente à meleira pelo mesmo método de transgenia, mas percebe-se que há uma resistência. Então, nós optamos por um outro método que não é transgênico mas cisgênico, manipulando o gene da própria planta e não colocando um gene externo.. É uma técnica moderna chamada Crispr, que inclusive foi Prêmio Nobel de duas mulheres em 2020”, explica Fernandes.

A técnica utiliza duas moléculas principais: uma enzima e um RNA guia. A enzima Cas9 funciona como uma tesoura que corta as fitas de DNA em um local específico do genoma. Para localizar esse local do genoma é preciso de um RNA guia, uma sequência de nucleotídeos que direcionam o Cas9. A partir disso, é possível copiar, acrescentar e apagar partes do DNA. O procedimento é de baixo custo quando comparado com os métodos transgênicos e de fácil manuseio. A tecnologia pode ser usada para desenvolver novos alimentos, tratar doenças e realizar inúmeras pesquisas genéticas. 

Financiamento

O estudo é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que, recentemente, concedeu apoio para estabelecer um sistema de cooperação internacional. O LAAB conta, ainda, com os apoios da Fundação de Apoio à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes) e da Financiadora de Estudos e Projetos(Finep). Além disso, os pesquisadores firmaram parcerias com instituições mexicanas há mais de 15 anos para lidar com a meleira do mamão, promovendo intercâmbios e contribuições científicas.

Texto: Ghenis Carlos/Bolsista em projeto de comunicação