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MPCES vê discriminação da Polícia Militar capixaba em excluir deficientes físicos em concurso público


Como o concurso público em questão possui a finalidade de selecionar pessoas para funções ligadas, preponderantemente, ao atendimento médico-hospitalar relacionada à Área de Saúde (e não para atividade ostensiva), o Órgão Ministerial não vislumbrou justificativa para a medida discriminatória da PMES”

Ministério Público de Contas do Espírito Santo

Sede do comando PM no Espírito Santo | Foto: Divulgação

O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPCES) aponta irregularidades em concurso público promovido pela Polícia Militar do Espírito Santo (PMES). Segundo o MPCES, o concurso voltado para oficiais da área da saúde foi aberto em 2022 sem cumprir a exigência constitucional e legal de reservar percentual de vagas às pessoas com deficiência (PcD). “Não é o primeiro caso; Tribunal de Contas já havia determinado à instituição a observância à legislação vigente antes do início da seleção, quando analisou o Edital de 2018”, lembrou o órgão ministerial.

Diante dessa constatação, o MPCES informa que apresentou Parecer no Processo TCE/ES  5254/2022 (Edital de Concurso Público) requerendo a irregularidade do concurso público da PMES, destinado à seleção de candidatos ao posto de 1º Tenente do Quadro de Oficiais da Saúde, diante da exclusão das pessoas com deficiência (PcD), em possível desrespeito à proteção oferecida pela legislação vigente. O referido concurso público objetiva o provimento de 57 vagas para as funções de médico, farmacêutico, bioquímicos, dentistas, enfermeiros e médicos veterinários da PMES.

Edital de concurso da PM capixaba questionado pelo Ministério Público de Contas do Espírito Santo |Imagem: MPCES

“Medida discriminatória da PMES”, diz o MPCES

Ao analisar o Edital de Concurso Público nº 04/2022,  o MPC observou que a ausência de reserva de vagas para candidatos com deficiência “indica violação aos princípios da igualdade material, da dignidade da pessoa humana, da justiça social e da ampla acessibilidade ao trabalho, assim como desprestígio à necessidade de inclusão social e cidadania.”  Como o concurso público em questão possui a finalidade de selecionar pessoas para funções ligadas, preponderantemente, ao atendimento médico-hospitalar relacionada à Área de Saúde (e não para atividade ostensiva), o Órgão Ministerial não vislumbrou justificativa para a medida discriminatória da PMES.

De acordo com o órgão de fiscalização, “em defesa, a PMES utilizou como fundamento a alegação genérica de que os cargos disponibilizados no concurso em tela seriam “incompatíveis com pessoas com deficiência.”  Embora a Equipe Técnica do Núcleo de Controle Externo de Registro e Atos de Pessoal (NRP) tenha sugerido, em duas oportunidades, a suspensão cautelar do edital de convocação para correções – principalmente considerando o perigo de dano irreversível aos candidatos PcD – o Conselheiro Presidente, posteriormente ratificado pela Primeira Câmara, optou por indeferir a concessão da medida cautelar pretendida, continuou o órgão.

Reserva de vagas: o que diz a lei?

Conforme define o art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu a obrigatoriedade da destinação de vagas em concurso público às pessoas com deficiência, nos termos do dispositivo constitucional acima citado, inclusive para a carreira policial.

O MPC usou a seguinte afirmação do Supremo Tribunal Federal (STF):

“A presunção de que nenhuma das atribuições inerentes aos cargos de natureza policial pode ser desempenhada por pessoas portadoras de uma ou outra necessidade especial é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, marcadamente assecuratório de direitos fundamentais voltados para a concretização da dignidade da pessoa humana.

 A igualdade, a liberdade e a solidariedade passam, necessariamente, pela tutela de instrumentos jurídicos que permitam o acesso de todos, devidamente habilitados, aos cargos públicos, nos termos postos na Constituição.

Também não é possível – e fere frontalmente a Constituição da República – admitir-se, abstrata e aprioristicamente, que qualquer tipo de deficiência impede o exercício das funções inerentes aos cargos postos em concurso”, afirma o STF.

E ainda apontou para a legislação estadual que versa sobre o mesmo tema:

Por sua vez, o art. 35, caput, da Lei Estadual 7.050/2002 prevê que “Ficam reservados ao portador de deficiência 15% dos cargos e dos empregos públicos de provimento efetivo do quadro de pessoal das administrações direta, indireta e fundacional do Estado.”. Logo em seguida, a mesma lei afirma: “§ 2º Até que seja cumprido o percentual previsto no caput deste artigo, os concursos públicos devem reservar à pessoa com deficiência 10% (dez por cento) dos cargos e dos empregos públicos de provimento efetivo do quadro de pessoal das administrações direta, indireta e fundacional do Estado.”. Essas determinações legais vinculariam a PMES, entidade da administração direta do Estado do Espírito Santo.

Segundo o NRP, “Não existe silêncio da lei em relação à obrigação do jurisdicionado em atender ao comando legal, ao contrário, a norma é objetiva e cristalina ao afirmar que a reserva de vagas é direcionada ao quadro de pessoal das administrações direta, indireta e fundacional do Estado, sem excetuar nenhum órgão ou instituição.”.

De acordo com a Corte de Contas, não seria razoável a concessão da medida cautelar diante da existência de processo em trâmite cujo objeto se assemelharia ao ora analisado (Processo TCE/ES 2122/2022-1 – Pedido de Reexame). Para o Conselheiro Presidente, Rodrigo Flávio Freire Farias Chamoun, haveria “(…) algo muito similar à litispendência (que assim só não se materializou por ter sido o órgão julgador responsável pela difusão de efeitos extraprocessuais) (…)”.

Por outro lado, o Parecer do Órgão Ministerial, além de reforçar a inexistência de litispendência (repetição de ação em curso), enfatiza a impossibilidade de utilização do referido instituto como fundamento para se alcançar o abrandamento de irregularidades que se renovam no tempo, exercício após exercício. A demora da Corte de Contas em paralisar concurso para adequações inviabilizou a correção do edital de convocação, com vistas à inclusão de reserva de vagas para candidatos com deficiência.

Para o NRP, somente uma perícia específica poderia verificar se a limitação apresentada por cada indivíduo seria de caráter impeditivo ao exercício das atividades militares do quadro de Oficiais da Saúde. Dessa forma, a correção do Edital de Concurso Público nº 04/2022 representaria medida de respeito aos princípios da isonomia, da impessoalidade e da dignidade da pessoa humana.

Órgão diz que Tribunal de Contas considerou o edital “regular”

Apesar de verificar a ilegalidade, o opinamento final da Equipe Técnica foi por considerar regular os procedimentos relativos ao Edital de Concurso Público, haja vista a impossibilidade, pela passagem do tempo, de inclusão das pessoas com deficiência no certame. Fez constar somente uma nova determinação no sentido da inclusão de reserva de vagas para PcD nos futuros Concursos Públicos da PMES, à semelhança do que ocorrera no Processo TCE/ES 7493/2018, que tratou do anterior Edital de 2018.

Para o MPC, contudo, o Edital não deixar de ser irregular em virtude da impossibilidade, no caso concreto, de saneamento do defeito apontado. Segundo consta, o certame não observou a lei ao impor restrição a direito protegido constitucionalmente. No caso, o Órgão Ministerial, baseado na proteção oferecida às Pessoas com Deficiência na Constituição Federal e nas Leis Estaduais 4.531/1991 e 7.050/2002, requereu (i) a irregularidade do certame público; (ii) a aplicação de multa individual aos Responsáveis; assim como (iii) a expedição de determinação ao atual gestor para evitar a repetição da ilegalidade nos futuros Concursos Públicos do jurisdicionado. O Processo TCE/ES  5254/2022 (Edital de Concurso da PMES) se encontra no gabinete da Conselheira Márcia Jaccoud Freitas – Relatora – para elaboração de Voto.