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MPF anuncia ter conseguido condenação para o ex-delegado Cláudio Guerra


No entanto, familiares de presos políticos capixabas que continuam desaparecidos desde a ditadura militar, como Orlando da Silva Rosa Bomfim Junior, reclamam que ainda não houve punição aos assassinos e nem indicação de onde se encontra o corpo


Cláudio Antônio Guerra foi sentenciado a sete anos de prisão em regime semiaberto | Foto: Reprodução

O Ministério Público Federal (MPF) está anunciando que conseguiu a condenação do ex-delegado do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Espírito Santo, Cláudio Antônio Guerra, a sete anos de prisão, em regime semiaberto, pelo crime de ocultação de cadáver. De acordo com o MPF, a denúncia contra Cláudio Antônio Guerra foi apresentada, em julho de 2019, pelo procurador da República Guilherme Garcia Virgílio, somente após o réu ter revelado os detalhes dos crimes políticos através da publicação do livro autobiográfico de sua autoria, o Memórias de uma Guerra Suja.

As denúncias que levaram o ex-delegado a ser condenado por crimes que ocorreram há mais de 50 anos não foram provenientes de investigação criminal, mas do livro onde Cláudio Guerra. Em depoimento que Guerra concedeu à Comissão Nacional da Verdade, no dia 23 de julho de 2014, ele disse que passou a ser pastor evangélico e que não se importa em falar a verdade sobre os crimes cometidos durante a ditadura, porque quer estar em paz consigo mesmo.

Assista ao depoimento do ex-delegado Cláudio Guerra à Comissão Nacional da Verdade, em 23 de julho de 2014. O depoimento tem duração de duas horas e sete minutos | Vídeo: YouTube

Lei de anistia

Os argumentos apresentados pelo MPF sobre a inaplicabilidade da Lei de Anistia foram aceitos pela Justiça Federal, que rejeitou a anistia com base em duas razões. A primeira é que a lei anistiou os crimes políticos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, o que limita sua abrangência temporal. No entanto, segundo a juíza, os crimes de ocultação de cadáveres ocorridos entre 1974 e 1975 permanecem sem solução até hoje, caracterizando um crime de natureza permanente que se estende além do período delimitado pela Lei de Anistia.

A Justiça concluiu ainda que a Lei de Anistia não é compatível com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e com a jurisprudência consolidada em cortes internacionais. Ela menciona o julgamento dos casos Gomes Lund e Herzog e outros pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que concluiu que a Lei de Anistia brasileira é incompatível com o Pacto de San José da Costa Rica.

A Corte determinou que o Estado brasileiro deve realizar investigações efetivas e punir as violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar, rejeitando a aplicação da Lei de Anistia. Na sentença, a Justiça ressalta que essa posição da Corte Internacional está em conformidade com outras decisões semelhantes, que consideram as leis de anistia incompatíveis com as obrigações dos Estados de investigar e punir violações graves de direitos humanos.

A incriminação obtida pelo MPF se refere a confissão feita por Gujerra em relação ao recolhimento dos corpos de 12 pessoas em Campos dos Goytacazes (RJ), que foram levados para serem incinerados entre 1973 e 1975. Os corpos foram retirados de locais como a “Casa da Morte” em Petrópolis (RJ) e o DOI-Codi no Rio de Janeiro, sendo incinerados posteriormente na Usina Cambahyba em Campos dos Goytacazes (RJ). A confirmação dos corpos levados por Guerra foi feita em vários depoimentos, incluindo um prestado no MPF no Espírito Santo. Essas 12 pessoas mencionadas por Guerra fazem parte de uma lista de 136 pessoas consideradas desaparecidas pelo relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

A tortura e assassinato de Orlando o da Silva Rosa Bomfim Junior por integrantes do Exercito Brasileiro não teve ainda nenhuma punição e, até hoje, seus familiares não sabem o paradeiro do corpo | Imagem: Reprodução/Álbum familiar

Não houve punição para desaparecidos capixabas

Os familiares dos presos políticos desaparecidos no Espírito Santo criticam a falta de punição. Este é o caso de Orlando da Silva Rosa Bomfim Junior, capixaba de Santa Teresa (ES), que ainda na infância mudou-se para Vitória (ES), onde deu início aos seus estudos primários. Foi aluno do curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atuou como jornalista, tendo exercido o cargo de secretário de redação do jornal Estado de Minas.

Na juventude, Orlando Bonfim filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, posteriormente, tornou-se membro do Comitê Central do partido. Em meados da década de 1940, assinou o “Manifesto dos Mineiros”, documento que contribuiu para a queda do Estado Novo. Em 1946, elegeu-se vereador em Belo Horizonte e foi líder do PCB na Câmara. Em 1958, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro (RJ). Ali, era responsável pela edição de duas publicações comunistas, Imprensa Popular e Novos Rumos. Esta última foi fechada logo após o golpe de 1964. Orlando da Silva Rosa Bomfim Junior era casado com Sinésia de Carvalho Bomfim, com quem teve seis filhos.

Ele desapareceu no dia 8 de outubro de 1975, em uma operação conjunta das forças de repressão, denominada Operação Radar, cujo objetivo era aniquilar a militância do PCB. Desde essa data, apesar dos inúmeros esforços envidados por familiares e amigos de Orlando, não foi possível elucidar a trama que envolve o desaparecimento desse militante histórico do PCB. Depois de receber um telefonema anônimo informando da prisão de Orlando, sua família iniciou extensa mobilização para localizá-lo.

Com a ajuda de amigos e de membros do PCB, foram contatadas instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Nesse momento, a principal suspeita era de que Orlando havia sido preso ilegalmente, na tarde do dia 8 de outubro, perto de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Diversas pistas e versões sobre a localização de Orlando foram divulgadas nos anos seguintes, mas, até o momento, não foram elucidadas as circunstâncias do seu desaparecimento.

No final de 1992, em entrevista à revista Veja, o ex-sargento Marival Chaves Dias do Canto, agente do DOI-CODI de São Paulo à época dos fatos, apresentou novas informações sobre o caso. Segundo ele, Orlando foi preso no Rio de Janeiro e conduzido para um cárcere na rodovia Castelo Branco. Nesse local, teria sido torturado e assassinado com uma “injeção para matar cavalos”. Tal declaração foi complementada por Marival Chaves em depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade (CNV), no dia 21 de novembro de 2012. Passadas quase quatro décadas do desaparecimento de Orlando da Silva Rosa Bomfim Junior, a localização de seus restos mortais ainda permanece desconhecida.