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MPF arquiva pedido que pretendia proibir shows de Roger Waters no Brasil


O pedido de proibição foi feito à Justiça através dos advogados Ary Litman Bergher, Giulia Yakovleva Mendes Accurso e Nathalia Diniz Borges, que por desinformação acreditaram que o ativista estaria fazendo apologia ao nazismo, em show na Alemanha


MPF arquiva pedido que pretendia proibir shows de Roger Waters no Brasil, feito pelos advogados Ary Litman Bergher, Giulia Yakovleva Mendes Accurso e Nathalia Diniz Borges | Foto: Divulgação

O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, arquivou representação feita pelos advogados Ary Litman Bergher, Giulia Yakovleva Mendes Accurso e Nathalia Diniz Borges, que pretendiam impedir a realização de shows do cantor Roger Waters, ex-integrante da banda britânica Pink Floyd, no Brasil. O cantor vai se apresentar em seis capitais brasileiras entre os próximos dias 24 de outubro e 12 de novembro.

Segundo o MPF, o pedido dos três advogados foi motivado por apresentação do músico na Alemanha, em maio, onde foram exibidos símbolos ligados ao nazismo. Para o MPF, no entanto, os símbolos foram usados com a finalidade de criticar e não apoiar o regime nazista. O órgão entendeu que as medidas requeridas são desproporcionais para o caso, visto que as manifestações estão protegidas pela liberdade de expressão.

Críticas ao nazismo, que os advogados brasileiros entenderam como “elogio”

O próprio Walters declarou naquela ocasião que na apresentação musical que fez no show na Mercedes-Benz Arena, em Berlim, vestiu um longo sobretudo preto com uma braçadeira vermelha, além de uma imitação de metralhadora “foi claramente para mostrar “oposição ao fascismo.”  Não existe nenhuma novidade. Os símbolos são semelhantes aos que aparecem nos figurinos do filme de 1982, The Wall, baseado no álbum homônimo do Pink Floyd e estrelado pelo músico que se tornou ativista Bob Geldof.

De acordo com o MPF, os três advogados que foram autores da representação contra Waters pediam ao MPF providências para impedir a entrada do cantor britânico no Brasil e cancelar a turnê em cidades brasileiras, prevista para os meses de outubro e novembro. O objetivo deles seria evitar a propagação do discurso de ódio contra judeus e de apologia ao nazismo.

“A alegação é de que ele teria cometido na Alemanha crime contra a humanidade, o que possibilitaria a aplicação do art. 45 da Lei de Migração para proibir o ingresso do estrangeiro. Caso o pedido não fosse aceito, em alternativa, requeriam a presença de viaturas das polícias Federal e Militar nos shows, para viabilizar providências legais em caso de ocorrência de flagrante delito”, informa o MPF em divulgação feita à imprensa.

Para os procuradores regionais dos direitos do cidadão Jaime Mitropoulos, Julio José Araujo Junior e Aline Caixeta, todo discurso de ódio deve ser coibido, sobretudo pelo fato de ser um fator de risco para a ocorrência de atrocidades massivas, como crimes contra a humanidade e genocídio. No caso analisado, porém, eles entenderam que as manifestações proferidas pelo cantor estão protegidas pelo direito constitucional à liberdade de expressão. Segundo os procuradores, o objetivo da performance é de manifestar oposição a discursos fascistas e autoritários e não apoio.

Advogados brasileiros interpretaram critica de Roger Waters contra o nazismo, como sendo um “elogio” | Foto: Redes sociais

Avaliação de advogados brasileiros é fora de contexto, diz MPF

“Avaliadas fora de contexto, as imagens de Waters vestindo um uniforme e uma braçadeira com alusão a símbolos nazistas levam a crer que o cantor seria um apoiador de regimes autoritários e da perseguição contra o povo judeu. Contudo, observando o contexto específico do show e da trajetória de pensamento político de Roger Waters, percebe-se, em verdade, uma expressão crítica aos que se opõem a esse grupo”, concluem.

Os procuradores citam precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) para enfatizar que a liberdade de expressão artística abrange, inclusive, performances que possam ser consideradas inadequadas e de mau gosto para determinados públicos, sem que isso justifique a restrição de um direito fundamental. “A liberdade de expressão fornece mecanismos para que Waters possa ser criticado pelos métodos utilizados e pela escolha da manifestação artística veiculada em seu show, mas não censurado por sua forma de pensar”, diz a peça.

Censura prévia

Para o MPF, atender os pedidos feitos na representação poderia configurar censura prévia, o que é vedado na legislação brasileira. A manifestação artística não pode ser proibida de circular, sob pena de se desvirtuar os valores presentes em uma sociedade democrática e plural. Os procuradores defendem, ainda, que não cabe ao Estado o papel de decidir quais expressões devem ou não ser apresentadas para a população. “Na democracia, as pessoas possuem capacidade crítica e possibilidade de autodeterminação, cabendo a elas decidir qual tipo de conteúdo desejam consumir e qual tipo de reação terão frente a ele”, defendem.

No arquivamento, que não tem natureza criminal, o MPF pontua, ainda, que em shows dessa magnitude é comum o acompanhamento policial na organização do evento, o que torna possível que qualquer agente em atuação possa efetuar prisões em flagrante, caso seja constatada a prática de algum crime. Uma cópia do procedimento foi encaminhada à área criminal do MPF, para análise quanto ao tema.

Advogados compararam Waters à banda neonazista norueguesa Mayhem

Os autores do pedido contra Waters utilizaram como exemplo o caso da banda norueguesa Mayhem, que foi impedida de realizar shows no Brasil em razão de manifestações de caráter neonazista, discriminatório e racista, além do suposto envolvimento de seus integrantes com o cometimento de crimes. Na ocasião, o MPF interveio no caso e recomendou a revogação da licença de apresentação da banda.

Os procuradores signatários do caso Waters, no entanto, ressaltam a diferença entre os episódios. Enquanto o cantor britânico se utiliza de símbolos e vestimentas que remetem ao nazismo com o objetivo de criticar o regime, os integrantes da banda norueguesa estariam associados a atos criminosos como a queima de igrejas, canibalismo, homicídio, instigação à automutilação, além da propagação de movimentos de ódio e discriminação contra minorias. Para ler a íntegra o arquivamento do MPF, em PDF, é só clicar neste link.

Entenda o caso

Em apresentação da turnê “This is not a drill”, realizada em 17 de maio deste ano em Berlim, na Alemanha, Roger Waters teria se apresentado com vestimentas que lembravam o uniforme de oficiais da Schutzstaffel (SS), organização paramilitar nazista. Além disso, como parte da performance artística, vestiu uma braçadeira vermelha remetendo ao regime autoritário, simulou disparos com uma falsa metralhadora contra o público presente e inflou balões em formato de porcos com desenhos da Estrela de Davi, símbolo utilizado pelo judaísmo. Segundo a imprensa alemã, Waters teria exibido em um telão os nomes de várias pessoas mortas, vítimas do regime totalitário.

O artista vai se apresentar no dia 24 de outubro em Brasília (DF), 28 de outubro no Rio de Janeiro (RJ), 1º de novembro em Porto Alegre (RS), 4 de novembro em Curitiba (PR), 8 de novembro em Belo Horizonte (MG) e São Paulo (SP) nos dias 11 e 12 de novembro.