Entre as medidas propostas, estão a proibição cautelar da propaganda e do uso de recursos recebidos de programas sociais nas apostas
A facilidade para jogar, a propaganda massiva e a ausência de obstáculos para o fluxo financeiro entre jogadores e empresas de apostas on-line favorecem o uso irresponsável das plataformas, com inúmeros impactos negativos sobre as famílias brasileiras. Nesse cenário, é preciso atuar de forma imediata e preventiva para suspender a propaganda abusiva e o uso de recursos recebidos de programas sociais nas apostas. Essa foi a avaliação do subprocurador-geral da República Luiz Augusto Santos Lima, coordenador da Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do Ministério Público Federal (3CCR), na audiência pública sobre bets realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana.
O encontro foi convocado no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7721, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo contra a Lei das Bets (Lei 14.790/2023). Representantes de órgãos públicos, estudiosos e especialistas falaram sobre os múltiplos aspectos associados ao tema, incluindo o cenário de endividamento das famílias, especialmente as de baixa renda; os reflexos desse quadro sobre a economia; o vício em jogos on-line e a repercussão na saúde pública; a propaganda abusiva e as formas de proteger as pessoas mais vulneráveis, especialmente crianças, adolescentes e idosos, do vício em apostas.
Atuação
Na audiência pública, Luiz Augusto Santos Lima lembrou que o avanço acelerado das apostas on-line é tema de preocupação e já motivou a instauração de dois procedimentos administrativos pela 3CCR. O primeiro deles buscou acompanhar as discussões que levaram à regulamentação da atividade e envolveu uma série de debates e reuniões entre membros do MPF e técnicos das instituições com atuação na área, como o Ministério da Fazenda.
Autorizadas pela Lei n° 13.756/2018, as apostas on-line na modalidade quota fixa permaneceram sem regulamentação específica até dezembro do ano passado, quando foi editada a Lei 14.7990/2023. Além de fixar parâmetros para a atividade no país, a norma cria a Secretaria de Prêmios e Apostas na estrutura do Ministério da Fazenda.
O segundo procedimento foi aberto em outubro deste ano para avaliar o impacto das bets e dos jogos de aposta on-line nos direitos do consumidor e o possível uso das plataformas para cometimento de crimes como a lavagem de dinheiro, por exemplo. A atuação é coordenada pelo Grupo de Trabalho Sistema Financeiro Nacional, da 3CCR, em parceria com o GT Contra Lavagem de Dinheiro e Crimes Fiscais da Câmara Criminal (2CCR).
Riscos
O trabalho já identificou uma série de riscos associados à operação de bets e plataformas de apostas, como o funcionamento de entidades de pagamento sem publicidade adequada perante os órgãos de controle, falta de indicação das contas de movimentação bancária para crédito e débito das apostas, ausência de sede nacional das empresas, a não identificação dos apostadores, entre outros.
Também já foi possível concluir que é necessário estabelecer uma rede de cooperação entre os órgãos de controle da atividade, no intuito de facilitar as ações capazes de prevenir ou reprimir a utilização das plataformas para práticas ilícitas. “Esperamos colaborar cada vez mais para a resolução desse problema que vem impactando de forma significativa a sociedade brasileira”, concluiu Luiz Augusto na audiência.
Negócio milionário
Os números apresentados na audiência demonstram a relevância do debate. Segundo estudo divulgado pelo Banco Central do Brasil em setembro deste ano, as transferências mensais para empresas de apostas e jogos de azar ao longo de 2024 variaram de R$ 18 a 21 bilhões. Cerca de 40% dos apostadores pertencem às classes D e E.
Apenas em agosto de 2024, cinco milhões de pessoas vinculadas ao programa social Bolsa Família realizaram transferências para empresas de apostas, movimentando aproximadamente R$ 3 bilhões de reais. Já pesquisa apresentada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo estima que, nos últimos 12 meses, os consumidores brasileiros gastaram entre R$ 68 e 240 bilhões em apostas on-line.