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MPF pede anulação de norma do CFM que inviabiliza aborto legal


A solicitação ao Judiciário se deve á norma do Conselho Federal de Medicina (CFM), que não quer que os abortos legais sejam realizados, após 22 semanas de gestação em caso de estupro. O CFM é a mesma entidade que aprovou durante a pandemia o uso da cloroquina e hidroxicloroquina, medicamentos sem  nenhuma comprovação cientifica, para “tratamento” de Covid


No detalhe é Rosylane Nascimento das Mercês Rocha, a atual segunda vice-presidente do CFM participando de atos antidemocráticos na frente do Congresso Nacional | Foto: Redes sociais

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou nesta última semana uma ação civil pública contra o Conselho Federal de Medicina (CFM) pedindo a nulidade de uma resolução do órgão que, a pretexto de regulamentar ato médico, inviabiliza a realização de aborto em meninas e mulheres vítimas de violência sexual, em casos de estágio avançado de gravidez. A Resolução nº 2.378, publicada pelo CFM em 3 de abril, proíbe que médicos de todo o país efetuem a assistolia (completa ausência de atividade elétrica e cardíaca) fetal a partir de 22 semanas de gestação se houver probabilidade de sobrevida do feto.

A ação civil pública (ACP), que também é assinada pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), tem o objetivo de afastar restrições indevidas de acesso à saúde por vítimas de estupro que engravidem, impedindo que consigam realizar o procedimento de forma célere e em conformidade com a previsão legal. No Brasil, o direito ao aborto é garantido legalmente em qualquer estágio da gestação, quando ela é resultante de violência sexual, assim como nos casos de anencefalia fetal e de risco à vida da mulher.

A ação aponta que, ao editar a norma, o CFM usurpou competência do Congresso Nacional para legislar sobre o tema. Além disso, ao limitar indiretamente o acesso ao aborto legal, a Resolução acrescentou uma barreira à integralidade de cuidados à saúde, violando o Código de Ética Médica e tratados internacionais de Direitos Humanos. “O Estado e a comunidade médica devem assegurar o acesso ao procedimento abortivo de forma segura, rápida e sem burocracia”, salienta o documento.

Por fim, a ação aponta ainda que a instabilidade jurídica gerada pela edição da norma acaba por retardar ainda mais a realização do aborto legal, levando eventualmente à necessidade de aguardar uma autorização judicial para que os médicos possam realizar o procedimento da forma que entendem mais adequada, sem o risco de sanções pelo conselho de classe. Assim, procedimentos que poderiam ser realizados nas semanas 23 ou 24 da gestação serão postergados, aumentando os riscos à vida de vítimas de violência sexual, alerta o documento.

Resolucao-2.378-do-CFM

Saiba o que diz a Resolução 2.378 do CFM

Pedidos

Diante da manifesta ilegalidade da norma, o MPF, a SBB e o Cebes requerem a concessão de tutela de urgência, de natureza cautelar, para suspender a eficácia da Resolução CFM nº 2.378/24 até o julgamento final da demanda. A medida permitirá que os médicos adotem os meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados na realização de aborto previsto em lei, independentemente da semana de gestação. Ao final, solicitam o julgamento de procedência do pedido, para declarar a nulidade da Resolução CFM 2.378/24.

Saiba o que foi solicitado à Justiça através da ACP 5015960-59.2024.4.04.7100:

  • . (1) a concessão de tutela de urgência, de natureza cautelar, inaudita altera parte, com fundamento no art. 300 do CPC, para suspender a eficácia da Resolução CFM nº 2.378/24 até o julgamento final da demanda, permitindo que os médicos adotem os meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados na realização de aborto previsto em lei, independentemente da semana de gestação;
  • .(2) a citação da ré, para que, querendo, apresente contestação no prazo legal, informando que, nos termos do artigo 319, inciso VII, do CPC, os autores não possuem interesse em realizar a audiência de conciliação ou mediação, uma vez que a única alternativa aceitável é a revogação da norma, em sua integralidade, pelo réu;
  • .(3) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, à vista do disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85;
  • .(4)ao final, o julgamento de procedência do pedido, para declarar a nulidade ou invalidade da Resolução CFM 2.378/24, em razão de sua ilegalidade;
  • .(5) a condenação da demandada ao pagamento de eventuais custas e despesas processuais.
Com o apoio do CFM, o ex-presidente Bolsonaro difundiu o negação da ciência ao ‘receitar’ cloroquina, remédio não comprovado cientificamente para o tratamento da Covid | Foto: Reprodução/YouTube

Perda da credibilidade do CFM começou no Governo Bolsonaro

O alinhamento ideológico da ex e da atual diretoria do CFM à cartilha bolsonarista e da extrema-direita contribuiu para que essa entidade perdesse a crebilidade no meio acadêmico. Exatamente às 13h05 do dia 23 de abril de 2020, no auge da pendemia do Covid, enquanto a ciência estudava de forma acelerada as vacinas para combater o coronavirus, o Conselho Federal de Medicina anunciava que estava apoiando o uso da cloroquina, medicamento sem nenhuma eficácia cientifica compravada contra a Covid.

Naquela oportunidade, o CFM anunciou a conclusão do Processo-Consulta CFM nº8/2020–Parecer CFM nº 4/2020, assinado pelo conselheiro Mauro Luiz de Britto Ribeiro e datada de 16 de abril de 2020. Nesse documento, o representante do CFM aprovou “o uso da cloroquina e hidroxicloroquina, em condições excepcionais, para o tratamento da Covid-19.” Foi o incíio da perda da credibilidade do colegiado.

Saiba qual foi a “conclusão” favorável do CFM à cloroquina

“Com  base  nos  conhecimentos  existentes relativos ao tratamento de pacientes portadores de Covid-19 com cloroquina e hidroxicloroquina, o Conselho Federal de Medicina propõe:

  1. Considerar o uso em pacientes com sintomas leves no início do quadro clínico, em que tenham sido descartadas outras viroses (como influenza, H1N1, dengue), e que tenham confirmado o diagnóstico de Covid-19, a critério do médico assistente, em decisão compartilhada com o paciente, sendo ele obrigado a relatar ao doente que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga para o tratamento da Covid 19, explicando os efeitos colaterais possíveis, obtendo o consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos familiares, quando for o caso;

.b) Considerar o uso em pacientes com sintomas importantes, mas ainda não com necessidade de cuidados intensivos, com ou sem necessidade de internação, a critério do médico assistente, em decisão compartilhada com o paciente, sendo o médico obrigado a relatar ao doente que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga para o tratamento da Covid 19, explicando os efeitos colaterais possíveis, obtendo o consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos familiares, quando for o caso;

.c) Considerar o uso compassivo em pacientes críticos recebendo cuidados intensivos, incluindo ventilação mecânica, uma vez que é difícil imaginar que em pacientes com lesão pulmonar grave estabelecida, e na maioria das vezes com resposta inflamatória sistêmica e outras insuficiências  orgânicas, a hidroxicloroquina ou a cloroquina possam ter um efeito clinicamente importante;

.d)O princípio que deve obrigatoriamente nortear o tratamento do paciente portador da  Covid-19  deve se  basear na autonomia do médico e na valorização da relação médico-paciente, sendo esta a mais próxima possível, com o objetivo de oferecer ao doente o melhor tratamento médico disponível no momento;

.e)Diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado da pandemia, não cometerá infração ética o médico  que utilizar a cloroquina ou hidroxicloroquina, nos termos acima expostos, em pacientes portadores da Covid-19.”

Brasília, 16 de abril de 2020

Mauro Luiz de Britto Ribeiro

Conselheiro Relator/CFM