Em entrevista para ao órgão de comunicação das Nações Unidas, o ONU News, o diretor de Comunicação da SOS Pantanal explica como a pior seca na região e a ação humana criam condições “extremamente perigosas”; segundo ele, probabilidade climatológica de que sejam queimados mais de 3 milhões de hectares do bioma em 2024 é “acima de 90%”
O Brasil enfrenta desde meados de junho uma temporada incomum de incêndios na maior área úmida tropical do mundo, o Pantanal. Segundo o biólogo e diretor de Comunicação da organização SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, o bioma, conhecido como “um berço de biodiversidade”, está vivendo “o ano mais seco de sua história”. Ele promove a campanha “Verificado”, promovida pela ONU em parceria com a Purpose, com foco no combate à desinformação climática.
O especialista explicou que o Pantanal “depende diretamente” da água que vem do cerrado e do sul da Amazônia, duas áreas que têm sido degradadas pela ação humana. Em entrevista para a ONU News, órgão de comunicação social da ONU, ele ressaltou também como a mudança climática está fazendo com que eventos extremos como escassez de água, ondas de calor e secas se tornem mais “potentes e frequentes”.
“Somando essa ação humana crônica com as mudanças climáticas que intensificam eventos como El Niño, que foi muito forte esse ano, a chuva que era para ter caído na região Centro-Oeste e Sudeste, não caiu. Ela foi concentrada toda na região Sul e ao mesmo tempo faltou água no Centro-Oeste, no Pantanal, onde era para ter chovido. E agora, com o La Niña, a tendência é que seque ainda mais. E a gente está entrando agora na fase seca do Pantanal, onde naturalmente seria seco”.
Ondas de calor que alimentam o fogo
Figueirôa explicou que quando a umidade está abaixo de 30%, os ventos acima de 30 km/h e a temperatura acima de 30°C, os incêndios se alastram de forma intensa na região. Segundo ele, a temperatura no Pantanal é quase sempre acima de 30°C e durante ondas de calor tem chegado à 40°C, ou até 45°C.
“Existem estudos que indicam que enquanto o mundo no final do século deve aquecer mais de 3°C em média, o Pantanal deve aquecer de 5 a 7°C. Ou seja, a média do Pantanal vai ser muito maior do que a média global. Então é muito preocupante, porque é exatamente durante essas ondas de calor que a gente tem os maiores picos de incêndios florestais e onde a condição está muito propícia para o alastramento do fogo”.
O representante da SOS Pantanal citou estudos que apontam que este ano a superfície de água do Pantanal está 61% menor do que a média histórica, ou seja, a área que ficava alagada por grande parte do tempo, está muito menor.
Área queimada 150% maior que em 2020
De acordo com o biólogo a cheia, que deveria durar seis meses, mal ocorreu este ano, então “a seca está perdurando o ano todo”. No entanto, os períodos mais secos ainda estão por vir, com o auge em setembro.
“Nesse ano de 2024, foi queimado uma área 150% maior do que em 2020 para esse mesmo período. Isso quer dizer que 2024 vai ser pior que 2020? Não necessariamente. A gente precisa aguardar até finalizar o ano para bater esse número, mas as chances climatológicas são muito altas e o clima está muito propício para secar, ainda mais com ondas de calor. Ou seja, o fogo vai encontrar um território farto esse ano no Pantanal para consumir a vegetação”.
No ano de 2020, o Pantanal sofreu incêndios “calamitosos”, que queimaram 3,9 milhões de hectares, o equivalente a 26% do bioma. Figueirôa alertou que este ano já foram queimados 721 mil hectares antes mesmo da chegada do auge da seca. Segundo ele, a probabilidade climatológica de que sejam queimados mais de 3 milhões de hectares em 2024 “é acima de 90%”.
Alastramento de “Fake News”
O agravamento das condições climáticas também dificulta o combate ao fogo. O especialista explicou que além da logística complicada que envolve viagens de barco, carro e trator para chegar em focos de incêndio, está cada vez mais difícil encontrar fontes de água para combater as chamas.
Figueirôa mencionou que fogo é “tradicionalmente usado por todo mundo no Pantanal” para limpar pastagens, queimar lixo e abrir caminho para colheitas e que essa é a causa dos focos atuais. Segundo ele, normalmente o fogo acabava ao chegar em um corpo d’água ou uma vegetação úmida, mas nas condições de “seca extrema” atuais, essas práticas se tornam “extremamente perigosas”.
Para o biólogo, o Pantanal tem uma certa resiliência ao fogo, “mas nunca nessa frequência, nessa intensidade”. O especialista alertou ainda para os riscos de “Fake News” com acusações falsas, mencionando tanto narrativas que acusam os fazendeiros como responsáveis pelos incêndios, como aquelas que apontam as ONGs como as causadoras do fogo. Segundo ele, essas notícias “atrapalham muito o entendimento da população como um todo do que está acontecendo, então é muito perigoso”.