Municípios do Espírito Santo insistem em manter as escolas cívico-militares, que foram extintas pelo atual Governo Federal. As escolas são acusadas pelo MP de funcionar à revelia das diretrizes educacionais do Ministério da Educação e de contratar militares sem concurso público
Na contramão das diretrizes do Governo Federal e do Ministério da Educação, seis prefeituras do Espírito Santo continuam desafiando as autoridades federais e mantém o interesse e continuam com as escolas cívico-militar em funcionamento. Nesta última semana, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) pediu à Justiça para determinar a completa extinção dessas escolas, que são mantidas com dinheiro público.
Para os promotores paulistas, a Resolução Conjunta Seduc/SSP – N° 1, de 20 de junho de 2024, onde o Governo de São Paulo “regulamenta a implementação do Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo, no âmbito da Secretaria da Educação e da Secretaria da Segurança Pública, e dá outras providências”, invade competências e tem caráter ilegal.
Escolas funcionam à revelia das diretrizes do MEC
No entanto, no Espírito Santo nenhuma providência nesse sentido foi adotada e as escolas cívico-militar continuam funcionando à revelia das normais educacionais traçadas pelo Ministério da Educação (MEC). Na Ação Civil Pública, o MPSP pede que “o Poder Judiciário declare a nulidade da resolução que regulamenta a implementação do Programa Escola Cívico-Militar no Estado.”
Os promotores de Justiça e defensores públicos signatários entendem que o texto da resolução extrapola seu limite regulamentar, sendo, portanto, ilegal. Eles argumentam que o ato normativo invade competência legislativa e afronta princípios e regras da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, além dos Planos Nacional e Estadual de Educação, trazendo ainda outros vícios detalhados na petição inicial.
“O objetivo do processo é não apenas anular a Resolução Conjunta Seduc/SSP n. 1, de 20 de junho de 2024, mas de todos os atos que dela decorram, inclusive as manifestações de interesse dos diretores de escola para adesão ao programa. A suspensão liminar desses atos foi solicitada ao Poder Judiciário”, afirma o MPSP em nota.
MPF endossa a ação do MPSP
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), alerta que a lei do estado de São Paulo que institui o Programa Escola Cívico-Militar fere o modelo de educação nacional previsto na Constituição Federal. Para a PFDC, a lei cria atribuições para a força militar estadual não previstas nas normas constitucionais e afronta os princípios da liberdade de pensamento e da gestão democrática das escolas.
“Além disso, o Legislativo estadual não tem atribuição para regulamentar a matéria, pois invade a competência da União para legislar sobre normas gerais relacionadas às diretrizes e bases da educação nacional”, acrescenta o MPF em nota. A Lei Complementar Estadual n° 1.398, de 28 de maio de 2024, implantou o projeto de militarização nas escolas civis públicas estaduais e municipais, que integram a Rede de Ensino de Educação Básica do Estado de São Paulo.
Para o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, no entanto, o programa não encontra amparo no modelo educacional do país, previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN).
“A Constituição Federal não permite aos estados estabelecerem modelo de educação diverso daquele definido pela LDBEN. Não está no escopo da competência legislativa concorrente dos entes federados a criação de um programa híbrido alternativo, como esse cívico-militar de São Paulo”, sustenta. Ao estabelecer princípios e diretrizes que trazem características exclusivas do ensino militar para o âmbito da gestão educacional normatizada pela legislação federal, a lei paulista funde os modelos de educação civil e militar, o que fere a atribuição exclusiva da União para tratar do tema.
Militares contratados pelas escolas sem concurso público
Outro problema apontado pelo procurador é a previsão de dois núcleos, um civil e outro militar composto por militares estaduais da reserva, para gerir essas escolas. Ao prever a seleção de militares da reserva para o exercício de atividades pedagógicas sem aprovação em concurso público ou formação específica, a lei afronta o princípio de valorização dos profissionais de educação, conforme aponta Dino.
A Constituição Federal prevê a realização de concurso específico para a seleção de profissionais da educação básica, condição necessária ao exercício de funções pedagógicas, ressalta o MPF na sua nota.
Desvio de função dois militares
Além disso, o MPF observa que a designação de militares para essas atividades configura desvio de função da força militar estadual e extrapola os limites constitucionais impostos às suas atividades. Isso porque a Constituição Federal restringe a atividade policial ao policiamento ostensivo e à preservação da ordem pública.
Todos esses argumentos estão em representação encaminhada pelo PFDC ao procurador-geral da República a quem cabe analisar se é o caso de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da Lei Complementar Estadual n° 1.398/2024.
Educação plural
No documento, o procurador federal dos Direitos do Cidadão lembra ainda que a Constituição Federal estabelece o princípio da gestão democrática do ensino público, que possibilita a pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, a formação do espírito crítico, a consensualidade, a transparência, a participação e a publicidade. Na contramão desse princípio, o programa paulista das escolas cívico-militares permitiria a adoção de orientações próprias da formação militar, com a consequente redução do espaço crítico para diálogo e do desenvolvimento livre do pensamento no ambiente escolar.
Por fim, Nicolao Dino assinala que não existe qualquer evidência científica ou estudo conclusivo que ateste a melhora no comportamento dos alunos e na qualidade do ensino dentro desse modelo proposto pela lei de São Paulo, apesar de ser essa a finalidade indicada pelo Programa Escola Cívico-Militar. “É necessário levar em conta, ainda, a ausência de razoabilidade na presença de força militar estadual na escola com vistas à contenção da criminalidade e ao aumento do controle social em áreas periféricas, considerando a existência de meios próprios – inerentes às atividades de segurança e policiamento – que não se confundem com a militarização dos processos pedagógicos para a promoção e garantia da segurança pública”, conclui.
No ES, prefeitos conservadores mantém as escolas cívico-militares
As escolas cívico-militares, criadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e extinguidas pelo Governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, através do Decreto 11.611, de 19 de julho de 2023, assinado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin , revogou as escolas cívico-militar. Mas, prefeitos bolsonaristas insistem em manter esse formato de escola, que antes eram mantidas com dinheiro federal, agora estão usando os recursos coletados junto aos contribuintes municipais.
As mesmas denúncias formuladas pelo MPSP, como a contratação de militares, pagos com recursos do erário municipal, sem concurso público, ocorre no Espírito Santo. Mas, até agora os órgãos de fiscalização ainda não formularam denúncia para esse crime. Veja, na tabela abaixo quais são os municípios que teimam em manter essas escolas, sem nenhum tipo de aval do Ministério da Educação, que é quem regula o sistema educacional brasileiro:
Município | Escola militarizada | Bairro |
Cariacica | Terfina Rocha Ferreira | Itacibá |
Cariacica | Afonso Schwab | Jardim América |
Cariacica | Coronel Orlady Rocha Filho, | Itanguá |
Vila Velha | General Luiz Edmundo Pinto de Souza e Mello (antiga Umef Ilha da Jussara) | Ulisses Guimarães |
Viana | João Natalício Alves Pereira | Vila Bethânia |
Viana | Professora Divaneta Lessa de Moraes | Campo Verde |
Nova Venécia | Possui projeto autorizado, mas ainda não foi implantado | – |
Sooretama | Fez solicitação enquanto vigorava a norma, no governo anterior, mas não obteve autorização | – |
Montanha | Domingos Martins | Centro de Montanha |
Leia a íntegra da Representação do MPF contra as Escolas Cívico Militares enviada ao procurador-geral da República, em PDF:
Leia-a-integra-da-Representacao-do-MPF-contra-as-Escolas-Civico-Militares-enviada-ao-procurador-geral-da-Rewpublica