O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usou as mesmas mentiras que apregoa dentro do Brasil no encontro virtual com 40 líderes mundiais na abertura da Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada pelo presidente americano, Joe Biden. Segundo relatos da Rádio France Internacional (RFI), o Brasil sai da cúpula dos líderes como entrou: desacreditado. “Bolsonaro passou metade de sua fala pedindo ao mundo dinheiro por conquistas ambientais anteriores, que seu governo tenta há dois anos destruir”, completou a emissora francesa. O evento de dois dias termina nesta sexta-feira (23)
No seu pronunciamento de seis minutos e 57 segundos, ele disse que vai se comprometer em reduzir em 37% as emissões de gases de efeito estufa até 2025, e em 40% até 2030, metas que não eram novidades e já eram conhecidas. “Determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em dez anos a sinalização anterior”, acrescentou. No entanto, a RFI disse que ao enumerar o que seria necessário para alcançar esses objetivos, Bolsonaro citou medidas diametralmente contrárias ao que seu governo aplica na prática.
“Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental poder contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostas a atuar de maneira imediata, de maneira real e construtiva na solução desses problemas”, disse Bolsonaro para enfatizar que queria dinheiro internacional. Desde sua posse, os índices de desmatamento bateram recordes sucessivos e as instituições de fiscalização ambiental, como o Ibama, foram sucessivamente enfraquecidas.
Joe Biden
Mais cedo, na abertura da cúpula, Joe Biden anunciou que os Estados Unidos irão reduzir à metade, entre 50 e 52%, as emissões de gases do efeito estufa até 2030, na comparação com 2005. O objetivo atualiza a meta estabelecida no Acordo de Paris pelo ex-presidente Barack Obama, de uma redução de 26 a 28% até 2025 na comparação com os níveis de 2005.
Biden, que está recolocando os Estados Unidos na liderança do combate às mudanças climáticas, depois da desastrosa administração de Donald Trump ter abandonado o Acordo de Paris, ainda propôs uma meta mais ampla para avançar na direção de uma economia totalmente livre de carbono até 2050. “Isso é o que podemos fazer se agirmos para construir uma economia que não seja apenas próspera, mas também mais saudável, mais justa e mais limpa para todos nós”, disse Biden.
Até o fim do ano, o governo americano irá apresentar metas de redução de emissão de poluentes setor por setor – centrais elétricas e indústria automotiva, entre outros.
Observatório do Clima: “sem o Brasil”
Ainda nesta manhã o Observatório do Clima, uma entidade que reúne dezenas de entidades ambientalistas brasileiros, emitiu um comunicado à imprensa sob o título: Cúpula dos Líderes inaugura nova ordem, sem o Brasil. Em seguida a sua nota diz:
A Cúpula dos Líderes, convocada pelo presidente Joe Biden e aberta nesta quinta-feira (22/4), Dia da Terra, marca uma virada histórica na economia e na geopolítica mundiais. As três maiores potências globais — EUA, China e União Europeia — devem começar a travar uma corrida rumo à recuperação verde e à descarbonização econômica. A disputa pela hegemonia se dará num mundo cada vez menos dependente de combustíveis fósseis. A sinalização política foi dada pelos anúncios das novas metas de EUA, Japão, Canadá, Reino Unido e outros países, e uma sinalização do engajamento chinês com a redução do uso de carvão. Uma nova ordem mundial começa a emergir.
Aliado a grileiros, pecuaristas e madeireiros
O Brasil escolheu ficar de fora. O país tem um dos ativos mais importantes dessa nova ordem, a Amazônia, mas o regime de Jair Bolsonaro prefere entregá-lo a grileiros de terra, garimpeiros, pecuaristas predatórios e madeireiros ilegais. Tem sol, vento e biocombustível à vontade, mas prefere subsidiar petróleo.
Regride na ambição de suas metas climáticas para admitir mais desmatamento e mais emissões quando o Acordo de Paris começa enfim a ser levado a sério. No encontro, Bolsonaro apresentou um compromisso de redução de desmatamento que ele próprio havia eliminado das metas brasileiras e prometeu antecipar para 2050 um compromisso que o país jamais chegou a assumir formalmente – a neutralidade em carbono em 2060.
“O Brasil sai da cúpula dos líderes como entrou: desacreditado. Bolsonaro passou metade de sua fala pedindo ao mundo dinheiro por conquistas ambientais anteriores, que seu governo tenta destruir desde o dia da posse”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima
Aliado ao coronavírus
Bolsonaro fez uma opção deliberada pelo atraso num momento em que as vantagens comparativas do país poderiam atrair investimentos, emprego e qualidade de vida para os brasileiros. Espanto nenhum vindo de um líder que se aliou ao coronavírus contra a própria população, transformando o país num imenso cemitério.
Completa a ironia o fato de que a cúpula se realiza justamente no aniversário de um ano da infame declaração do ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro sobre aproveitar a comoção gerada pela pandemia para “passar a boiada”. Esta é a mais perfeita tradução da realidade brasileira neste momento de virada climática global: ver prestígio e recursos indo para outros países tropicais, enquanto ficamos com a Covid e o desmatamento. Ao perdedor, a boiada, encerra a nota do Observatório do Clima.