Infiltrados em instituições universitárias brasileiras, negacionistas da existência da mudança climática continuam emitindo opinião e, pior, conseguem exercer influência em vários segmentos do setor universitário nacional
O processo de demissão que a Universidade de São Paulo (USP) abriu contra o professor do departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Ricardo Felício, está próximo de ser concluído. Ele ganhou notoriedade por ser um assíduo propagador de informações falsas sobre as mudanças climáticas, além de adotar métodos controversos na sala de aula. Na área ambiental, ele é apontado como um dos que mais desinformam. Estudantes da USP já publicaram uma carta-manifesto contra os posicionamentos do professor Ricardo Felício.
Contratado em regime parcial, que obriga o docente a trabalhar 12 horas semanais, Felício não ministrou disciplinas em 2023, de acordo com o DataUSP. Ainda assim, recebe salários. Nos primeiros cinco meses do ano, um total de R$ 2.814,53 foram repassados mensalmente ao professor, segundo o Portal da Transparência da USP, cifra compatível com seu regime de trabalho. No seu currículo Lattes, no entanto, diz que desde está na USP desde 2008 como servidor público, com dedicação exclusiva.
O currículo Lattes de Felício, ferramenta usada por cientistas como registro de cada passo dado na vida acadêmica, não é atualizado desde 2017, ano que antecede sua candidatura a deputado estadual por São Paulo, pelo então partido de Jair Bolsonaro, o Partido Social Liberal (PSL).
Desinformação em nome da USP
A desinformação praticada por Felício não se restringe às mudanças climáticas. Em 2021, dois de seus vídeos foram removidos do YouTube por conterem desinformações médicas, alegou a plataforma. Uma política implementada pela rede social em 2020 veta a disseminação de informações médicas incorretas sobre a Covid-19. A remoção o levou a processar o Google, mas ele perdeu a causa. Procurado pela imprensa, não dá retorno. Ele sempre destaca que é professor da USP.
O negacionismo do professor da USP a ciência é antigo. Em 25 de maio de 2010, há treze anos atrás, Ricardo Felício publicou um artigo no jornal da USP onde nega as orientações do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), que em português quer dizer Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e da própria ONU.
Com termos chulos, nada compatível com um professor da USP, ele afirmou nesse seu artigo: “Vocês deveriam se retratar em público por tamanho absurdo. Somos muitos os pesquisadores desta instituição que negam as imbecilidades pregadas, em forma de dogma, da patifaria imposta por ONGs, ONU e interesses de governos internacionais. Cientista não pode ser fiel, muito menos a um órgão político da ONU que nada tem de científico.”
Com um discurso carismático, sempre sorridente e olhando diretamente para o interlocutor, Felício é visto com frequência em vídeos divulgados nas redes sociais. Plataformas como YouTube, Instagram e outras menos conhecidas e, por consequência, menos moderadas, como Rumble e Odysee — também são usadas para monetização. Um exemplo é a venda de curso on-line “A mudança climática – desconstruindo a hipótese” e pedidos de doações financeiras.
Felício também é bastante ativo como articulista da revista bolsonarista Oeste, que se define como um veículo conservador, sempre focando em deslegitimar o trabalho do IPCC. Segundo ele, “o IPCC consegue cumprir a sua função de chegar a conclusões totalmente opostas que observamos no mundo real para propagarem o seu terrorismo”. Ele ainda contabiliza outras participações em programas de grande audiência, como Pânico, da bolsonarista Jovem Pan e direitista Leda Nagle (YouTube).
Estudantes se mobilizam pela demissão
A demora da USP em encerrar o processo de demissão do professor negacionista está incomodando os estudantes Centro de Estudos Geográficos. Não é apenas a ausência do docente, que não aparece na sala de aula desde o início da pandemia do Covid, mas a sua presença em redes sociais usando o nome da USP para negar a ciência e as mudanças climáticas.
O incomodo foi materializado em uma carta-manifesto. O texto sustenta que o professor “cria fatos e conflitos para sua autopromoção” e “busca criminalizar o pensamento crítico, a produção científica engajada nas questões socioambientais e transformar as instituições públicas em legitimadores do processo de espoliação das nossas riquezas, queimada das nossas matas, coveiro da biodiversidade e da qualidade de vida”.
Os posicionamentos polêmicos fazem com que Felício seja visto como uma figura quase folclórica pela comunidade acadêmica. Paulo Martins, diretor da FFLCH, disase que: “Qualquer tipo de fala ou ação da faculdade ou da universidade não condiz com a fala desse professor.”