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Negado recurso sobre indenização por embarcação afundada por submarino nazista na 2ª Guerra

A ação, que se arrastou na Justiça do Rio de Janeiro por 20 anos e nos últimos cinco anos aguardava um parecer da STF, por ser um caso jurídico inédito sobre um crime de guerra ocorrido há 78 anos, quando o barco pesqueiro Changri-Lá, com dez pescadores a bordo, foi atacado, metralhado e afundado pelo submarino nazista U-199 no litoral de Cabo Frio, no dia 22 de julho de 1943

Submarino nazista da classe U Boat semelhante ao U-199 | Foto: Arquivo

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou provimento a recurso por meio do qual se buscava trazer à Corte a análise sobre pedido de indenização à República Federal da Alemanha pelo naufrágio de um navio pesqueiro na costa brasileira em 1943. A decisão do relator foi tomada no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 953656, interposto nos autos de ação movida por uma descendente de tripulantes da embarcação. Além de citar óbices de natureza processual para desprover o recurso, o ministro destacou a imunidade de jurisdição, uma vez que a hipótese compreende ato de guerra, não cabendo à Justiça brasileira apreciar pedido de indenização contra o Estado estrangeiro.

Segundo os autos, a embarcação “Changri-Lá” afundou após por sido torpedeada por um submarino alemão na costa de Cabo Frio (RJ) em julho de 1943, mas a decisão sobre as causas do naufrágio, definida em acórdão do Tribunal Marítimo (ligado ao Comando da Marinha), foi proferida apenas em 2001. O processo, arquivado desde 1944, foi reaberto perante aquela corte em razão do surgimento de novos documentos que comprovaram o ataque.

Ato de império

No ARE, a recorrente questiona decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que inadmitiu a subida do caso ao Supremo. De acordo com o STJ, em caso de ato de guerra, a imunidade de jurisdição é absoluta. O ministro Luiz Fux fez em sua decisão um histórico do entendimento relativo à imunidade de jurisdição, partindo de uma posição em que se estabelecia uma imunidade absoluta para se chegar a uma leitura mais contemporânea que relativiza esse entendimento, diferenciando atos de gestão e atos de império.

O ato de gestão seria, por exemplo, a contratação de um funcionário em uma embaixada, e um ato de império, um ilícito cometido por um Estado no território de outro Estado no contexto de um conflito bélico. “É dizer: apenas em relação aos atos de gestão é que se pode admitir a relativização da imunidade de jurisdição, providência que não se revela possível em relação aos atos de império, que decorrem do exercício direto da soberania estatal”, afirmou o ministro.

O ministro menciona ainda entendimento proferido pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), em 2012, na qual foi acolhido pedido da República Federal da Alemanha contra decisão proferida por autoridades italianas. No caso, foi reconhecido o desrespeito à imunidade de jurisdição exatamente por se permitirem pedidos judiciais de reparação por danos causados por militares alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

“Conforme a evolução do alcance da imunidade de jurisdição já apresentado, os atos bélicos praticados por Estado estrangeiro durante período de guerra correspondem a atos de império, decorrentes do exercício de seu exclusivo poder soberano”, diz a decisão de Luiz Fux. Segundo ele, não havendo renúncia de tal prerrogativa por parte da nação requerida (a Alemanha) incide a imunidade de jurisdição, impedindo a submissão do Estado estrangeiro à Justiça brasileira.

Questões formais

O relator explicou também que há óbices de natureza formal para o não acolhimento do recurso, citando, entre eles, a ausência de repercussão geral da matéria relativa aos princípios da ampla defesa e do contraditório e do devido processo legal quando debatidos sob a ótica infraconstitucional, conforme assentado pelo Plenário Virtual do STF no ARE 748371; a alegada ofensa à Constituição Federal se dá de forma indireta, o que inviabiliza a apreciação do caso em recurso extraordinário; e a pretensão da parte recorrente exige a análise do contexto fático-probatório dos autos, situação que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. Leia a seguir a íntegra da decisão do ministro do STF:

ARE953656

História

O submarino nazista U-199 foi construído nos estaleiros AG Wesser, em Bremen, e comissionado em 28 de novembro de 1942. Ele era um submarino modelo IX D2 (longo alcance), com dimensões de 87,58 metros de comprimento por 7,5 metros de boca, deslocava submerso cerca de 1.800 toneladas. Possuía velocidade de cruzeiro de 20,8 nós na superfície, propulsado por dois motores diesel e 6,9 nós quando submerso, com dois motores elétricos. Podia transportar 24 torpedos de 533 mm, para 4 tubos de proa e dois de popa ou 44 minas. Sua tripulação podia variar de 55 a 63 homens.

Detalhes do submarino da classe U-Boat da qual pertencia o U-199 | Imagem: Reprodução

Era considerado na época como um submarino de última geração, seu comandante capitão-tenente Hans Werner Kraus pretendia fazer no sudeste brasileiro uma devastação semelhante a que o capitão Schacht do U-507 fizera 11 meses antes na costa sergipana. A embarcação partiu do porto de Berger em Kiel, Alemanha, para sua primeira missão na América do Sul no dia 13 de maio de 1943. Sua tripulação consistia de 61 homens e estava sob o comando do capitão-tenente Werner Kraus, tendo como guarnição sete oficiais, dois guardas-marinha, seis suboficiais e 41 marinheiros.

A embarcação cruzou o equador no início de junho, mas a forte disciplina de Kraus não permitiu que seus homens celebrassem a travessia do equador, por considerar que a festa distraia os tripulantes na travessia do Atlântico de Freetown a Natal. A 200 milhas do litoral do Brasil, Kraus recebeu ordens de interceptar e destruir navios inimigos, somente então houve a comemoração pela travessia do Equador. Após a celebração, o U-199 mudou o curso para contornar a costa do Brasil. No dia 18 de junho de 1943, o U-199 chegou à sua área operacional entre o sul do Rio de Janeiro e São Paulo e foi adotada a tática de permanecer submerso durante o dia, em profundidade de periscópio (20 metros), elevando o periscópio a intervalos regulares para reconhecimento.

Entre vários navios que o submarino U-199 afundou está o barco pesqueiro Changri-Lá, com dez pescadores a bordo, que foi atacado, metralhado e afundado pelo submarino nazista U-199 no litoral de Cabo Frio, no dia 22 de julho de 1943. Finalmente na madrugada do dia 31 de julho daquele ano, o U-199 aproximou-se da zona fortemente patrulhada da entrada da Baía de Guanabara no Rio de Janeiro. Seu objetivo era atingir a linha de 100 fathons (192 metros), submergir e espreitar a passagem dos navios na saída do comboio JT 3 (Rio de Janeiro- Trinidad) prevista para aquele dia. A ação da espionagem alemã nos principais portos do Brasil já era conhecida na época e embora alguns de seus agentes tenham sido presos, muitas informações de trânsito de embarcações foram passadas aos submarinos do eixo.

Foi em 31 de julho de 1943, às 8h35 o submarino alemão U-199 foi surpreendido na superfície, ao largo do Rio de Janeiro, atacado e afundado na posição 23º54’S – 42º54’W, por cargas de profundidade, por um avião americano PBM Mariner (Esquadrão VP-74 – Marinha dos EUA) e duas aeronaves brasileiras (Catalina “Arará” e Hudson), resultando em 49 mortos e 12 sobreviventes. Os nazistas que sobreviveram foram levados para o Rio de Janeiro e de lá para os Estados Unidos.